A rede enfrenta competição feroz no mercado doméstico e vem recuando em outros países. Hoje, seu valor de mercado é apenas uma fração do da LVMH – atual símbolo global do empresariado francês –, e o presidente-executivo Alexandre Bompard ainda tenta convencer os investidores de que conseguirá conduzir a empresa por uma transformação.
As ações do Carrefour tocaram o menor nível em 32 anos em junho, depois que o J.P. Morgan colocou o papel sob “viés negativo” e reduziu suas estimativas. Bompard respondeu, vendendo a operação deficitária da Itália e entregando um balanço com vendas melhores do que o esperado, que chegou a animar o mercado.
Mas logo voltaram as preocupações sobre o futuro do grupo após anos de lucro estagnado. A pergunta que investidores fazem a Bompard é a mesma de oito anos atrás, quando ele assumiu: será que conseguirá fazer o Carrefour voltar a crescer, algo em que vários antecessores fracassaram?
Muitos apostam que não. As ações da rede de supermercados estão entre as mais alugadas para venda a descoberto – estratégia chamada de “short”, que ganha na queda do papel – na Europa. Em 24 de julho, 6% do “free float” (ações em negociação no mercado) estava emprestado, segundo a S&P Global Market Intelligence. O papel ainda cai cerca de 10% no ano e, nos últimos 20 anos, é o único grande varejista alimentar europeu a entregar retorno negativo.
“Pelos sinais que vemos e diante do histórico da companhia, estamos longe de assumir que uma ‘virada’ acontecerá”, escreveu o analista Borja Olcese, do J.P. Morgan, em relatório pós-balanço.
Apesar do mau desempenho na bolsa de valores, o conselho – que responde a acionistas como os herdeiros da família Moulin e os descendentes do empresário brasileiro Abilio Diniz – pretende renovar o mandato de Bompard no ano que vem.
Pegada global
O diretor financeiro, Matthieu Malige, afirma que a revisão estratégica ainda tem amplo escopo e que a empresa não descarta vender o negócio na Polônia, que alguns analistas consideram deficitário. “Há várias frentes em análise, incluindo a Polônia”, disse ele esta semana.
A venda na Itália mostrou quão pouco valor restava naquele que era o quinto maior mercado do Carrefour: a negociação para se desfazer de lojas e vendê-las à italiana NewPrinces envolveu um montante de 240 milhões de euros. Desde os anos 1970, o grupo se espalhou por mais de 40 países – muitos, porém, rendem abaixo do esperado.
Parte do problema é a dependência dos hipermercados, que vendem de frutas frescas a máquinas de lavar em um momento em que o consumidor prefere compras online, sobretudo de itens não alimentares. Produtos de casa e eletrodomésticos representam cerca de 10% das vendas do Carrefour; no rival francês Leclerc são 5% e, no britânico Sainsbury’s, 3%, segundo a consultoria Bernstein. No ano passado, o Carrefour comprou mais 55 hipermercados, gerando dúvidas sobre a estratégia de Bompard.
“Eles ainda precisam acertar o básico de ser um varejista alimentar: preço, formato, sortimento”, diz William Woods, analista da Bernstein.
Desafios na França
Operar na França é especialmente difícil porque a maioria dos concorrentes é formada por cooperativas ou redes familiares, que não sofrem a mesma pressão de acionistas. “Você compete com redes independentes jogando outro jogo, aceitando margens menores e até alugando parte do imóvel a shoppings”, explica Gilles Guibout, gestor da AXA.
O governo também regula a relação com fornecedores, cobrando preços baixos ao consumidor e, ao mesmo tempo, melhores pagamentos aos agricultores.
Enquanto outras redes avançaram no delivery online, o Carrefour demorou. E não possui um modelo operacional enxuto o bastante para brigar em preço com líderes como o Leclerc, segundo analistas.
Ainda assim, Malige diz que o cenário melhora à medida que o poder de compra se recupera após a inflação elevada: a rentabilidade sobe, as entregas online crescem rápido e a conversão de hipermercados em franquias começa a dar resultado.
Fracassos em fusões também atrapalham Bompard. Em 2021, o governo francês bloqueou a oferta de US$ 20 bilhões da canadense Couche-Tard. Já a francesa Auchan ensaiou uma proposta várias vezes, mas nada saiu do papel.
Valor encolhendo
Hoje, o Carrefour vale cerca de 9 bilhões de euros, menos do que pagou ao comprar a Promodès em 1999. Em 2009, ainda valia tanto quanto a LVMH; agora, a gigante do luxo vale 231 bilhões de euros.
Mesmo com o apoio do conselho, alguns investidores reclamam. A gestora ativista Whitelight, que no ano passado apostava na queda do papel, agora tem posição “comprada”, na expectativa de uma nova oferta de aquisição. “Precisamos de um CEO que eleve a rentabilidade dos supermercados e analise os hipermercados ativo por ativo”, diz Kevin Romanteau, fundador da Whitelight.