A data marca a largada da corrida brasileira pelas canetinhas emagrecedoras: pela primeira vez, um laboratório nacional coloca no mercado sua versão para os medicamentos que ficaram conhecidos pelo efeito de perda de peso.
Mas vale lembrar que não se trata de um “Ozempic genérico”. Ele é a versão aberta de outro remédio, o Saxenda. São moléculas diferentes. O Ozempic (e seu irmão mais concentrado, o Wegovy) usam a semaglutida; o Saxenda (e as novas canetas da EMS), a liraglutida.
As duas têm a mesma função. Elas são versões sintéticas do hormônio GLP-1, um ‘peptídeo’ que diminui o apetite, via aumento da sensação de saciedade, e reduz os níveis de açúcar no sangue quando eles estão elevados.
A liraglutida é mais antiga que a semaglutida: chegou ao mercado em 2015; a outra em 2018. Por isso a patente dela caiu antes, abrindo as portas para o genérico. A primeira não ganhou a mesma fama, em grande parte, por que exige aplicações diárias; enquanto a semaglutida é mais conveniente: são doses semanais.
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Ambas foram desenvolvidas pela Novo Nordisk, que chegou a se tornar a empresa mais valiosa da Europa. Desde 2024, porém, os papeis tombam 70%. É que as patentes da dinamarquesa estão caindo sem que ela tenha desenvolvido outras moléculas originais mais eficazes. A da semaglutida, no Brasil, vence no ano que vem.
O investimento da EMS
A produção foi viabilizada por meio de um investimento de uma década e mais de R$ 1 bilhão, que culminou na inauguração da fábrica de peptídeos da companhia, em Hortolândia (SP), no ano passado.
“Estamos falando de um produto de biotecnologia complexa, que exige uma estrutura robusta e investimento de longo prazo”, afirma Iran Gonçalves, diretor médico da EMS, em entrevista ao InvestNews. Todos os anos, a EMS investe o correspondente a 6% da receita em pesquisa e desenvolvimento, defende o diretor. “A tecnologia é nacional. O peptídeo, que antes era importado, agora é feito aqui. O Olire e o Lirux são medicamentos inteiramente fabricados no Brasil, da síntese ao envase.”
Para esclarecer: o Lirux é indicado para o tratamento de diabetes tipo 2, como o Ozempic; o Olire, para perda de peso, como o Weggovy.
Segundo Gonçalves, a EMS deve lançar 250 mil canetas neste ano e dobrar essa capacidade até o primeiro semestre de 2026, quando espera colocar no mercado mais 500 mil unidades. A produção das canetas também abre caminho para que a fabricante de genéricos avance em seus planos de internacionalização, com a expectativa de comercializar suas versões da molécula em países onde o custo do tratamento com remédios desse tipo é significativamente mais alto que no Brasil — caso dos Estados Unidos.
Caneta nacional, preço menor
As canetas da EMS têm preços alinhados com sua proposta de acessibilidade. O Olire será vendido a partir de R$ 307,26 a unidade, com opções de kits de três canetas por R$ 760,61. Já o Lirux começa em R$ 307,26, com caixa de duas unidades por R$ 507,07.
O Olire chega com preços 20% a 30% inferiores ao Saxenda. Comparado ao Wegovy, o custo total do tratamento ao longo de um ano chega a 33%.
Com isso, a EMS aposta em atrair um público que já conhece o princípio ativo, mas que até agora não tinha conseguido iniciar o tratamento — ou não conseguiu sustentá-lo por conta do alto custo.
“O tratamento da obesidade é de longo prazo e muitas vezes não é coberto pelos planos de saúde. Os pacientes interrompem porque não conseguem pagar. Nossa ideia é que o Olire seja uma alternativa mais viável”, diz Gonçalves.
Apesar de a liraglutida ser menos prática que a molécula rival, por conta das aplicações diárias, a EMS acredita que há um espaço importante a ser ocupado.
“O paciente quer emagrecer. Se esse é o medicamento disponível e com preço acessível, a pessoa vai começar por ele”, diz o diretor médico.
Há de se notar, de qualquer forma, que a liraglutida se mostrou menos eficaz que a semaglutida em estudos clínicos. Um deles acompanhou 300 pessoas por 68 semanas e detectou que os pacientes em tra de Wegovy perderam, em média, 16% do peso; os de Saxenda, 6%.
Quando cair a patente da semaglutida, em 2026, A EMS também terá sua versão. Segundo Gonçalves, o fato de a empresa já ter desenvolvido a tecnologia para a produção da liraglutida representa uma vantagem competitiva nesse processo: “A estrutura para produzir é a mesma. Todo o nosso investimento em peptídeos agora será direcionado para esse próximo passo.”
Ela não estará sozinha. Hypera, Biomm, Cimed, Eurofarma e Prati-Donaduzzi planejam versões genéricas da semaglutida para 2026.
E o Mounjaro?
O Mounjaro, da americana Eli Lilly, também ficou célebre no mundo das canetas emagrecedoras. Mas aí é a molécula é outra: a tirzepatida, que ativa tanto o hormônio GLP-1 quanto o GIP – que aumenta a secreção de insulina, o hormônio que quebra o açúcar. Com essa dupla ação, a tirzepatida tem se mostrado mais eficaz tanto no controle do diabetes tipo 2 quanto na perda de peso, superando em alguns estudos a ação de medicamentos que ativam apenas o GLP-1.
Como sempre acontece com esses remédios, a Elly Lilly tem dois com base na molécula. O próprio Mounjaro, para diabetes, e o Zepbound, para a perda de peso. Os dois representaram 40% da receita da Eli Lilly em 2024.
Seja como for, a patente da tirzepatida só vence a partir de 2036.