As ações da Embraer fecharam em alta de 3% na terça (15), depois que a China suspendeu o recebimento de novas aeronaves da Boeing pelas companhias aéreas do país.

A princípio, parece lógico: Boeing e Embraer fabricam o mesmo produto, aviões. Se a Boeing acabar banida da China, por cortesia da guerra comercial, terreno livre para a companhia de São José dos Campos, não? Não.

Nenhum modelo da Embraer concorre com aeronave alguma da Boeing. O menor avião da cia americana é seu best seller, o 737, bastante usado pelas três grandes aéreas chinesas – Air China, China Eastern, e China Southern.

A capacidade típica de um Boeing 737 é de 189 passageiros. O maior avião da Embraer, o E195-E2 leva até 146. Para uma companhia aérea, trocar um avião pelo outro significaria alterar o modelo de negócios.

Por conta do seguinte. Para levar mil pessoas, um 737 precisa de 5,2 viagens. Um E195-E2, de 6,8 viagens. O 737 tem mais autonomia: até 7,1 mil km. Tem capacidade intercontinental (ainda que limitada). O E195-E2 percorre até 4,8 mil km. É uma aeronave regional.

O modelo da Embraer é mais eficiente em rotas curtas e com baixa demanda de passageiros. O da Boeing, é bom para rotas com alta demanda, sejam de curta ou de média distância. São animais diferentes. O avião brasileiro presa pela economia de combustível; o americano, pela versatilidade. Cada um faz mais dinheiro em circunstâncias específicas.

Só que as aéreas preferem, em geral, aeronaves do tamanho do 737 para a maior parte de suas rotas, já que ele é lucrativo tanto numa ponte aérea Rio-SP quanto em viagens de tiro menos curto. No Brasil, lembre-se, só a Azul usa aeronaves da Embraer. A frota da Gol é exclusivamente composta por 737s. A Latam, nessa categoria (a dos aviões de corredor único), usa exclusivamente os concorrentes diretos do 737 – os Airbus A-319, A-320 e A-321, que têm quantidade de assentos e autonomia equivalentes à aeronave da Boeing.

Ou seja: numa eventual realidade com a Boeing banida da China, a opção natural para as aéreas de lá seria mudar para a europeia Airbus – já que a UE e Xin Jinping não estão numa guerra tarifária.

E ainda existe uma opção local. São os modelos da Comac, uma estatal que a China criou justamente para desafiar o duopólio Boeing-Airbus entre os aviões comerciais mais requisitados. O Comac 919, sua maior aeronave, tem capacidade máxima para até 190 passageiros – compete com o 737 nesse quesito, portanto.

A Embraer entra nas frotas de aviões regionais das chinesas. A empresa vendeu cerca de 100 aeronaves de menor porte para as aéreas do Império do Meio nas últimas décadas. Mas de alguns anos para cá elas têm dado preferência a um modelo da Comac nessa seara, o 909 (70 a 105 assentos).

A fabricante brasileira busca ativamente vender o E195-E2 na China. Mas até agora não houve pedidos. Um cenário sem a Boeing pode ajudar, caso isso inspire algumas aéreas chinesas testar outros modelos de negócio, com aeronaves menores. Mas não se trata de uma de um movimento automático.

Os beneficiados diretos são, de fato, a Airbus e a Comac.

No dia seguinte à determinação, o Ministério das Relações Exteriores da China mencionou o Brasil numa coletiva de imprensa, o que foi amplamente divulgado no noticiário. Mas não se tratou de uma menção expontânea, mas de uma resposta ao canal TVT Brasil.

O veículo perguntou se, no contexto da suspensão da Boeing, a China considerava a Embraer. Lian Jian, porta-voz do ministério, respondeu de forma genérica, e com uma alfinetada nos EUA: “O Brasil é um peso-pesado da indústria aeroespacial (…). Vemos com bons olhos o fato de as companhias aéreas chinesas e o Brasil cooperarem com base nos princípios de mercado”.

A referência pode ser aos aviões da Embraer em operação na China, e também ao fato de que a empresa manteve uma fábrica lá. Foi entre 2003 e 2016, com uma planta dedicada a montar o jato executivo Legacy 650 e o ERJ145 (50 passageiros) – primeiro jato comercial da companhia, hoje fora de linha.

Seja como for, o fato é que, na quarta, os papéis da Embraer devolviam parte dos ganhos do dia anterior: queda de 2%.