Numa troca de mensagens com um colega chinês, um funcionário do Brasil se sentiu ofendido e reclamou com a chefia. “Ele interpretou como uma coisa muito grave, mas eu entendi que não foi por mal”, diz Felipe. “O colega não estava sendo grosso. É que, realmente, o jeito de falar é mais objetivo. Eu compreendi melhor quando fui estudar o idioma. De qualquer forma, já vi esse tipo de coisa acontecer muitas vezes com colegas meus”, explica.
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Para brasileiros que trabalham em empresas chinesas, os problemas de fundo cultural não são raros. O idioma é um problema óbvio, mas não menos importante. São pouquíssimos os brasileiros com algum tipo de proficiência em mandarim.
“Eu aviso logo para as empresas: isso é uma agulha no palheiro”, conta Vanilza Marqui, supervisora de Recrutamento e Seleção da IEST Group, consultoria que ajuda empresas chinesas a dar seus primeiros passos no Brasil e que tem como clientes Didi, Baidu, ByteDance e BYD. “Aí eu converso e eles flexibilizam. Aceitam quem fale inglês, mas tem que ser avançado ou fluente”.
Ainda assim, colocar um chinês e um brasileiro fluentes em inglês na mesma sala também não é garantia de comunicação eficaz. Sabe aquele quiprocó citado por Felipe no começo deste texto? Aconteceu em inglês.

Ele resume: “O jeito de se expressar, mesmo em inglês, reflete a lógica da língua chinesa, que é muito objetiva, direta. É comum um brasileiro ficar com uma impressão de rispidez na comunicação, principalmente na interação escrita”.
A barreira do idioma é tão difícil de transpor que vários tradutores, contratados inicialmente para permitir os primeiros contatos dos chineses com o mercado brasileiro, acabam mudando de função e são contratados pelas empresas asiáticas, mesmo sem experiência na área específica.
Para algumas empresas, compensa mais treinar o tradutor do que ficar uma vaga eternamente aberta, à espera de um brasileiro que tenha experiência na área mais alguma improvável intimidade com o mandarim.
Tem VR?
Se você é do tipo que está acostumado a contratos de trabalho regidos pela CLT, é bom estimar quanto valem os seus benefícios antes de conversar com o recrutador de uma empresa chinesa.
Brasileiros levam em forte consideração extras como plano de saúde, vale-refeição, vale-alimentação… Mas é difícil encontrar algo parecido quando o empregador é da China.
Vanilza Marqui, do IEST, recomenda que o candidato tenha a pretensão salarial na ponta da língua, já contando com um valor que compense em dinheiro a ausência dos benefícios. “A proposta de valor não vai vir deles. Vão esperar de você”, resume a profissional de RH, hoje procurando candidatos brasileiros para 78 vagas ofertadas por contratantes da China.
No caso de regimes de contratação entre empresas – o famoso contratinho PJ –, os custos precisam estar ainda mais destrinchados e incorporados às demandas do contratado.
Especialmente quando a empresa contratante está chegando ao Brasil ou quando ainda não há por aqui um setor organizado de Recursos Humanos, ter uma lista de exigências mínimas – e os custos correspondentes – pode ser a diferença entre dar um passo adiante na carreira ou pagar para trabalhar.
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Já no caso de empresas grandes e completamente instaladas no Brasil, essa costuma ser uma questão menor. Talvez seja o caso de dar uma pesquisada em plataformas como Glassdoor para saber mais sobre os benefícios oferecidos.
Não deveria ser assim, mas juventude ajuda. O etarismo não é um problema exclusivo da cultura de trabalho da China, claro. Mas a predileção dos empregadores chineses por funcionários jovens é bastante conhecida – vale um Google em “maldição dos 35+China” – e ainda influencia os processos seletivos, mesmo que a idade do candidato ideal não apareça na descrição da vaga.
Acostumados a um mercado de trabalho extremamente disputado e com trabalhadores qualificados aos montes, empregadores chineses imaginam que vão falar com brasileiros na casa dos trinta e pouquinhos quando tocam um processo seletivo com o objetivo de contratar um diretor, por exemplo.
Até aí, não tem muito o que fazer, é só parte do choque cultural que os chineses enfrentam quando começam a atuar no país. Aqui, de novo, qualificação para a vaga e alguma experiência com o mandarim são pontos de destaque. Ou, no mínimo, inglês impecável.
Filão de mercado
A China se tornou a maior parceira comercial do Brasil lá em 2009, e de lá para cá a relação entre os dois países foi se estreitando. Recentemente, anúncios de fábricas de carros, aberturas de escritórios e representações comerciais diversas e conquistas de grandes licitações públicas se tornaram a parte mais perceptível do interesse dos chineses no Brasil.
A melhora nas relações diplomáticas também é um ponto importante. “Os chineses gostam do Lula”, disse Vanilza, da IEST, que notou um aumento no interesse de empresários da Terra da Meio pelo Brasil depois que o petista assumiu o terceiro mandato. Não à toa, a China foi um dos primeiros destinos de Lula no ano passado e a visita do presidente brasileiro rendeu acordos em áreas diversas.
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Além da entrada de empresas chinesas no mercado brasileiro, as exportações tupiniquins também têm a China como destino principal. A China é o principal comprador dos itens exportados por 19 dos 27 entes federativos do Brasil, segundo dados compilados pelo Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC).
*A pedido do entrevistado, o nome verdadeiro foi trocado para evitar a identificação.