Uma onda de 1,4 bilhão de litros de biocombustíveis baratos dos EUA ameaça eliminar os dois produtores de etanol do Reino Unido e também pode afetar diversas indústrias britânicas, desde o processamento de carnes até a produção de cerveja.

As usinas da Vivergo Fuels e da Ensus, ambas do norte da Inglaterra, devem fechar as portas, após um acordo comercial com Washington ter removido tarifas sobre as importações de etanol americano.

A indústria britânica tem pouco tempo para se adaptar à concorrência das importações americanas. Auxiliados por culturas e leveduras geneticamente modificadas, uso de antibióticos durante o processo de extração e diversos subsídios, os volumes americanos superam a produção britânica e reduzem os preços.

“Fomos informados no último minuto”, disse Ben Hackett, diretor administrativo da Vivergo Fuels, que faz parte da Associated British Foods. A indústria “não tinha qualquer indicação de que isso aconteceria” quando o acordo comercial foi fechado em 8 de maio, disse ele.

O etanol é usado principalmente como biocombustível misturado à gasolina, mas os produtores nacionais britânicos fazem parte de uma cadeia de suprimentos que vai muito além dos veículos automotores.

Enquanto as duas usinas defendem o apoio do governo para compensar o impacto do acordo comercial, Hackett afirmou que é necessário um maior entendimento sobre as implicações mais amplas do potencial colapso do setor.

Por que o fim do etanol afeta frigoríficos

O fechamento das usinas de etanol Vivergo e Ensus eliminaria até 80% da produção de dióxido de carbono do Reino Unido, que é um coproduto do processo de fermentação do etanol, de acordo com estimativas de vários grupos do setor.

O gás tem duas aplicações principais na indústria frigorífica. É usado no abate de suínos e frangos em matadouros e também em embalagens seladas de cortes de carne de alta qualidade para aumentar sua vida útil nos supermercados.

O fornecimento de CO2 já é limitado na Europa, de acordo com a Associação Europeia de Gases Industriais. O fechamento de uma única fábrica de fertilizantes no Reino Unido em 2022 reduziu o fornecimento do gás, resultando em escassez de cerveja e prejudicando os produtores de alimentos.

O CO2 produzido pela Ensus e pela Vivergo ajudou a preencher essa lacuna, de modo que seu fechamento pode causar “caos em toda a cadeia de suprimentos”, disse Nick Allen, CEO da Associação Britânica de Processadores de Carne.

Se os matadouros não conseguirem atordoar e abater os animais rapidamente, poderá haver escassez de carne, disse ele. Os cortes que chegam às prateleiras dos supermercados estragariam mais rapidamente, resultando em mais desperdício de alimentos.

Refrigerantes

Os fabricantes de algumas cervejas e refrigerantes também dependem do CO2 para produzir bolhas em seus produtos. Nem todas as fontes de CO2 atendem aos requisitos de alta qualidade para alimentos, o que significa que uma escassez de oferta pode rapidamente forçar os fabricantes de bebidas a buscar fornecedores alternativos na Europa.

Além das usinas de etanol, outra fonte de CO2 de alta qualidade é a produção de amônia, um processo que está sofrendo pressões comerciais devido aos altos preços do gás natural desde a invasão da Ucrânia pela Rússia.

“É uma cadeia de suprimentos muito desarticulada”, disse Allen, da BMPA. Se uma ou duas fontes de fornecimento de CO2 fecham, mesmo que temporariamente para limpeza e manutenção, “imediatamente há uma escassez que reverbera”.

A área médica também depende de CO2, embora em volumes menores. Ele é usado durante cirurgias laparoscópicas para criar mais espaço dentro da cavidade corporal, e sua forma sólida é usada para manter vacinas, sangue e amostras de tecido resfriados.

Ração animal

Outro subproduto do processo de produção de etanol são os grãos secos de destilaria com solúveis, que são usados pelos produtores como ração rica em proteína para o gado. Hackett, da Vivergo, estima que 20% das necessidades de ração do rebanho leiteiro do Reino Unido vêm apenas de sua planta.

O produto “se tornou uma forma funcional de atendermos às suas necessidades nutricionais a um preço acessível”, disse o produtor de leite Paul Tompkins, que possui um rebanho de 450 animais no Vale de York. DDGS é uma “pequena parte da dieta de nossas vacas, mas uma proporção importante de suas necessidades de proteína”.

Se as usinas de etanol fecharem e houver um aperto na oferta, Tompkins terá que buscar ração alternativa em processadores de oleaginosas ou na produção de uísque. A Confederação das Indústrias Agrícolas estima que, sem uma fonte nacional de DDGS, os criadores de gado bovino, ovino e caprino enfrentariam um adicional de £ 35 milhões (ou cerca de US$ 47 milhões) em custos de insumos por ano.

Produtores de Trigo

Os produtores de grãos britânicos estão preocupados com a perda de um importante impulsionador de receita, se as usinas de etanol fecharem.

Vender trigo para a Vivergo ou a Ensus agrega valor “a uma commodity bastante básica que é comercializada e exportada para o mundo todo e não tem diferenciação real de produto”, disse James Mills, um produtor de grãos dos arredores de York.

O consumo adicional das usinas de etanol adiciona cerca de £ 10 a £ 15 (algo entre US$ 13,4 a US$ 20,1) ao preço da tonelada de trigo no Reino Unido, estima ele. Se essa fonte de demanda desaparecer, os agricultores britânicos terão que vender seu excedente de grãos em mercados globais voláteis, agravando duas temporadas consecutivas de condições climáticas adversas.

“O preço do trigo para o agricultor britânico terá que cair para garantir que sejamos competitivos em termos de exportação”, disse Mills. “Já estamos produzindo com potencial prejuízo no momento.”