A taxa de 50% para o aço de fora que entra nos EUA pode derrubar nossas exportações em 11%, de acordo com um relatório do Bradesco. Isso significa 1,6 milhão de toneladas a menos, e uma perda de US$ 1,5 bilhão em receitas.
Quem mais perde aí são as siderúrgicas especializadas na produção de aço semi-acabado: ArcelorMittal e Ternium. “Aço semi-acabado” são placas que servem de matéria prima para a produção do aço “laminado” – esse é o que efetivamente vai para carros, geladeiras, máquinas industriais.
94% do aço semi-acabado dos EUA vem de outros países, de acordo com uma análise do UBS. O forte da indústria americana é importar essa matéria-prima e beneficiá-la nas siderúrgicas para produzir o laminado. Na outra ponta, 90% do aço que mandamos para lá é semi-acabado. São 3,5 milhões de toneladas por ano, de um total de 4 milhões.
Mas tem um detalhe. As nossas siderúrgicas de capital aberto na B3 são especialistas em laminado. Exportam relativamente pouco para os EUA.
A venda do insumo para os americanos representa de 1% a 4% do faturamento da Usiminas e da CSN, a depender do ano. E o caso da Gerdau, outra especialista em aço de alto valor agregado, é ainda mais emblemático: ela não exporta nada para os Estados Unidos. Todas as suas vendas na América do Norte ficam por conta das plantas que ela tem na América do Norte mesmo.
Estima-se que 40% do Ebitda da Gerdau venha de suas operações nos EUA. Ou seja: a empresa que começou como uma fábrica de pregos em Porto Alegre, há 120 anos, já é tão americana que se beneficia das tarifas de Trump, na verdade.
Para ArcelorMittal e Ternium, duas multinacionais da siderurgia com operações no Brasil, a história é bem diferente. Suas unidades nacionais são especializadas em semi-acabado. Elas são as que mais exportam aço daqui para lá. Analistas estimam que cerca de 80% da produção de ambas tenha como destino o mercado americano – no caso da Ternium, por uma via indireta: o semi-acabado vai para siderúrgicas dela no México, se transforma em acabado, e aí entra nos EUA.
Com a tarifa de 50% (que agora vale também para o México), tanto ela como a ArcelorMittal provavelmente terão de prospectar outros mercados. Mas não é tão simples – como veremos agora.
A via diplomática
Para além da queda na demanda, o setor se preocupa com o excesso de oferta. Produtos siderúrgicos que deixarem de ir para os Estados Unidos, afinal, vão aportar em outros mercados. E a competição por preços fica mais acirrada.
“Há um risco de outros países exportadores, principalmente a China, desviarem as produções excedentes para países vizinhos”, afirma Pedro Galdi, analista de investimento da plataforma AGF. Ou seja: siderúrgicas brasileiras com portas fechadas nos EUA podem se deparar com mercados já saturados na hora de buscar outros clientes.
A solução clássica para casos assim, de menos mercado lá fora, é tentar compensar com mais vendas no mercado interno. Só que aí com uma mãozinha do governo: aumenta-se a taxa de importação aqui para incentivar o aço made in Brazil – protecionismo gera protecionismo, afinal.
“Parece que o governo não quer bater de frente, mas o setor vai precisar de proteção, até porque é um dos que mais emprega no país”, afirma Pedro Galdi, analista de investimento da plataforma AGF.
Não houve batida de frente, mas já há uma medida protecionista em vigor. O maior concorrente da siderurgia nacional dentro do Brasil é o aço chinês – estima-se que, de cada quatro toneladas de aço vendida por aqui, uma venha do país de Xi Jinping. Em 2024, o governo impôs uma tarifa de 25% sobre os produtos siderúrgicos da China. Agora, no final de maio, renovaram a taxa por mais 12 meses.
Outra saída, mais prolífera, é o estabelecimento de cotas. Já aconteceu antes. Em 2018, no governo Trump 1, os EUA tinham estabelecido uma tarifa de 25% sobre o aço importado.
Mas lembre-se: os EUA praticamente não produzem aço semi-acabado. São dependentes de importações. E não era diferente há 7 anos.
A solução? Determinar cotas com taxa zero até um certo limite. Principalmente para parceiros estratégicos. Era o caso do Brasil. 60% do aço semi-acabado que os EUA trazem de fora saem daqui, afinal.
E foi feito. Ainda em 2018, determinou-se que até 3,5 milhões de toneladas de semi-acabado brasileiro poderiam entrar nos EUA sem pagar nada. Esse acordo durou até março de 2025 – em abril viria o furacão tarifário do governo Trump 2.
Para Eduardo Menicucci, professor associado da Fundação Dom Cabral, a grande tarefa do governo brasileiro é restabelecer esse acordo. “Qualquer decisão baseada em diplomacia agora vale muito mais do que qualquer bravata”, comentou ele, ao defender que qualquer dessas alternativas seria melhor do que bater de frente com os dois maiores parceiros comerciais do Brasil hoje.
O Instituto Aço Brasil, que congrega siderúrgicas brasileiras, faz coro, de certa forma: “Os dados evidenciam que a demanda por esse insumo [nos EUA] não será suprida internamente de forma imediata, tornando a imposição de tarifas adicionais prejudicial, tanto para exportadores brasileiros quanto para setores industriais norte-americanos”, afirmou em nota a associação.
Em alumínio, outro produto taxado em 50%, os EUA também são grandes clientes do Brasil. No ano passado, absorveram 16,8% das exportações brasileiras. Só compraram menos que o Canadá, que levou 28% de tudo que foi exportado pelo Brasil em 2024, de acordo com a Associação Brasileira do Alumínio (Abal).
As duas principais representantes do setor cobraram uma posição firme do governo brasileiro em resposta.
Agradecimento: João Daronco, analista da Suno Research.