Ao longo dos últimos meses a Hapvida vem executando o maior investimento de sua história: R$ 2 bilhões até 2026 para erguer dez hospitais em sete capitais, além de clínicas, laboratórios e unidades de pronto atendimento próprias. A aposta é clara: reforçar o modelo verticalizado para conter custos e tentar recuperar fôlego em um setor pressionado por dívidas, regulação e margens em queda.

Hoje, a empresa controlada pela família Pinheiro atende quase 15 milhões de beneficiários de planos de saúde, o que lhe confere o título de maior operadora de saúde e segunda maior de odontologia do país. Com faturamento anual superior a R$ 29 bilhões e lucro líquido de R$ 1,8 bilhão em 2024, a Hapvida ainda se destaca pelo modelo verticalizado: além de vender planos, é dona de boa parte da rede que presta os serviços, dos hospitais às clínicas, passando por laboratórios e centros de diagnóstico.

“Esse modelo foi sendo aprimorado ao longo do tempo, e a Hapvida compreende que a estrutura integrada conecta toda a experiência do paciente, desde procedimentos de menor complexidade até exames e hospitalizações, por meio de um sistema único e integrado. Essa abordagem permite maior eficiência operacional, reforço dos programas de prevenção e padronização de procedimentos e práticas médicas”, afirma o CEO da companhia Jorge Pinheiro, que respondeu a algumas das perguntas enviadas pelo InvestNews por e-mail.

Dos R$ 2 bilhões em investimentos anunciados mais recentemente, metade será voltada para a cidade de São Paulo e região metropolitana. O objetivo do grupo é ganhar mercado em planos de tíquetes maiores na cidade. Mais do que isso, a empresa também busca mostrar que pode crescer sua rede sem precisar de novas grandes fusões e aquisições.

O marco da fusão

Um grande divisor de águas para a Hapvida veio em 2022, com a fusão com a NotreDame Intermédica. A operação criou uma companhia responsável por cerca de 20% de todos os beneficiários de planos de saúde do país. Para a família Pinheiro, foi a chance de expandir a presença nacional e ganhar acesso ao maior mercado do setor, o Sudeste.

Mas o crescimento trouxe dores. A integração entre as duas empresas foi mais lenta e cara do que o previsto. As sinergias financeiras demoraram a aparecer, enquanto os custos administrativos aumentaram. A isso se somaram problemas estruturais do próprio setor: alta sinistralidade, custos hospitalares em elevação, juros elevados e um mercado de planos de saúde que já não cresce como no passado.

Da elite ao mercado de massa

A trajetória da família Pinheiro ajuda a entender esse modelo de expansão. Depois de fundar o Hospital Antônio Prudente em Fortaleza, em 1979, o oncologista Candido Pinheiro Koren de Lima percebeu nos anos 1990 que a sobrevivência do negócio dependia de ter seu próprio plano de saúde. Assim nasceu a Hapvida Assistência Médica, inicialmente voltada a pacientes do hospital.

Na virada dos anos 2000, sob o comando do filho Jorge Pinheiro, a companhia deu uma guinada ao mirar nas classes C e D — um público que até então não era o foco das grandes operadoras. A estratégia de preços mais acessíveis impulsionou a expansão, especialmente no Norte e Nordeste, e abriu caminho para a abertura de capital em 2018, quando a empresa captou R$ 3,4 bilhões.

Crises recentes e pressão judicial

Apesar do crescimento, a Hapvida enfrentou anos turbulentos após a fusão. Em 2023, precisou vender imóveis para a própria família Pinheiro e realizar uma oferta de ações que levantou mais de R$ 1 bilhão para reduzir dívidas. Mesmo assim, seu valor de mercado despencou: de mais de R$ 100 bilhões (somando Hapvida e NotreDame Intermédica) na época do anúncio da fusão para cerca de R$ 16 bilhões em 2025.

Outro desafio veio do aumento de processos judiciais. Mudanças no rol de procedimentos obrigatórios pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) em 2022 ampliaram as contestações de beneficiários. Em 2024, a Hapvida foi alvo de inquérito do Ministério Público de São Paulo, acusada de descumprir decisões judiciais sobre tratamentos e fornecimento de medicamentos — acusações que a empresa negou. Neste ano, conseguiu um acordo para reduzir multas devidas à ANS e ao SUS, diminuindo parte de seus passivos.

O futuro sob o controle da família

Com o setor cada vez mais consolidado e competitivo, a Hapvida aposta em reforçar a verticalização e na proximidade da família fundadora com as decisões estratégicas. A presença do fundador Candido Pinheiro, de seu filho Jorge — atual presidente — e de seu outro filho Cândido Júnior no conselho mantém a gestão sob forte influência familiar, num modelo que mistura tradição e centralização.

A questão que se coloca agora é se a mesma fórmula que garantiu expansão acelerada será suficiente para atravessar um cenário de maior judicialização e limites de crescimento.