A Fazenda Futuro, uma das pioneiras em carne vegetal no Brasil, precisou ajustar a rota. Após o auge do plant-based — alimentos feitos à base de vegetais que buscam replicar sabor e textura de carnes e laticínios — entre 2020 e 2022, o setor viveu uma ressaca global: a demanda esfriou, os investidores recuaram e marcas como Beyond Meat e Impossible Foods reavaliaram suas apostas.

A empresa brasileira, que chegou a levantar R$ 300 milhões e a sonhar com um IPO, entrou em modo silencioso — com menos exposição e mais foco em vender. Provavelmente foi esse sumiço que fez surgirem boatos, no mês passado, sobre um suposto fechamento da operação.

“Fiquei surpreso quando me contaram. Mas faz sentido com o que a gente está fazendo: menos rede social, mais rua”, afirma Marcos Leta, cofundador da marca em conversa com o InvestNews. Hoje, a Fazenda Futuro está presente em cerca de 20 mil pontos de venda no país e aposta numa operação mais enxuta, pé no chão e centrada no consumidor final.

Um dos primeiros movimentos dessa fase foi o lançamento de um hambúrguer plant-based em embalagem unitária, pensado para estimular o teste entre consumidores curiosos. Um novo empanado também está no forno.

A Fazenda Futuro interrompeu, por ora, seus planos globais — a marca chegou a estar presente no Reino Unido, Chile, Austrália e Estados Unidos — e voltou a concentrar esforços no mercado brasileiro. A operação internacional foi reduzida, os times reestruturados, e o foco passou a ser entender os desejos dos consumidores locais.

Nova fase

A Fazenda Futuro foi criada em 2019 por Marcos Leta e seu sócio (e amigo de infância) Alfredo Strechinsky, os mesmos fundadores da marca de sucos Do Bem, vendida à Ambev em 2016. No fim de 2021, em meio ao auge do plant-based no Brasil, a empresa levantou R$ 300 milhões com investidores de peso — entre eles o BTG Pactual — e chegou a ser avaliada em R$ 2,2 bilhões.

Em meados de 2024, Leta e Strechinsky recompraram a fatia do banco e passaram a conduzir a empresa com um grupo mais enxuto de sócios e dois fundos menores. O BTG, que havia investido R$ 115 milhões por meio do BoostLAB Ventures, saiu da operação com prejuízo de quase 33%, segundo apuração do Valor Econômico à época.

Segundo Marcos Leta, a Fazenda Futuro vive hoje uma fase mais pé no chão, com foco em uma operação enxuta, próxima do consumidor e menos dependente de capital externo. “O jogo é outro”, resume ele, ao explicar que a prioridade agora é crescer com consistência — e não mais a qualquer custo.

Marcos Leta, confundador da Fazenda Futuro
Marcos Leta, confundador da Fazenda Futuro (Divulgação)

Durante o auge do entusiasmo em torno do plant-based, a Fazenda Futuro chegou a anunciar a cantora Anitta como sócia, em 2021. A entrada da artista fazia parte de uma estratégia de visibilidade e internacionalização, que coincidiu com o momento em que o mercado chegou a cogitar um IPO. Hoje, Anitta não aparece mais nos anúncios da companhia.

Apesar das dificuldades do setor, Leta ainda vê espaço para crescer. A Fazenda Futuro, segundo ele, segue operando com volumes consistentes e investindo em lançamentos para estimular a experimentação. “Estamos atentos para entender se o mercado vai crescer, decrescer ou estagnar, mas seguimos firmes”, afirma.

Mercado desacelerou

A mudança de rota da Fazenda Futuro acompanha o momento de inflexão do próprio setor no Brasil — e no mundo. Após o boom do plant-based entre 2020 e 2022, o mercado entrou em uma fase de aterrissagem forçada.

Com a alta da inflação global pós-pandemia, muitos consumidores reduziram o consumo de alternativas vegetais, especialmente os que nunca deixaram de comer carne — muito pelo custo dos produtos, geralmente mais salgados do que algumas proteínas animais.

A Beyond Meat, maior nome do plant-based no mundo, viu seu valor de mercado despencar de mais de US$ 4 bilhões no auge para apenas US$ 278 milhões. As ações, que chegaram a ser negociadas a US$ 234 logo após o IPO em 2019, hoje valem menos de US$ 4.

A Impossible Foods fez demissões e enxugou seu portfólio, enquanto a Unilever vendeu sua marca The Vegetarian Butcher para a JBS. A BRF assumiu, no fim do ano passado, o controle total da PlantPlus Foods em conjunto com a Marfrig, levando a fatia da americana ADM no negócio.

Ainda assim, o setor segue crescendo. Segundo os dados mais recentes divulgados pelo Good Food Institute (GFI), com base na Euromonitor, as vendas no varejo brasileiro de carne e frutos do mar plant-based somaram R$ 1,1 bilhão em 2023. Já as categorias de leite e iogurte plant-based movimentaram cerca de R$ 700 milhões, em um total de aproximadamente R$ 1,8 bilhão. No entanto, esses números são vistos com ceticismo pelo setor.

Futuro Burger, carro-chefe da Fazenda Futuro
Futuro Burger, carro-chefe da Fazenda Futuro (Divulgação)

O índice de recompra também aumentou: 53% de quem já provou voltaria a comprar — contra 49% no ano anterior. O desafio? Preço ainda elevado, dificuldade de diferenciação sensorial em alguns produtos e, sobretudo, disponibilidade. Mais da metade dos consumidores relataram não encontrar produtos plant-based com facilidade nos últimos seis meses.

Na avaliação de Leta, o mercado para os produtos da Fazenda Futuro no Brasil é, na prática, muito menor do que se estimava nos anos de euforia. Ele calcula que o mercado endereçável hoje esteja na casa dos R$ 200 milhões por ano.

Em termos globais, a pesquisa do GFI aponta que o mercado plant-based atingiu US$ 28,6 bilhões em 2024. As vendas de carnes vegetais cresceram cerca de 4% no mundo, somando US$ 6,1 bilhões — prolongando a estabilização observada desde 2021.

O investimento privado no setor despencou cerca de 50% em 2024 (com variações entre 28% e 64%, a depender da metodologia e da fonte), tornando o ambiente mais hostil para marcas que cresceram rápido demais e não conseguiram garantir rentabilidade sustentável.