O novo CEO da Iguá, René Silva, assume a companhia em um momento de forte turbulência para uma das principais empresas de saneamento do país. O executivo herda uma crise que ameaça a concessão no Rio de Janeiro — a mais importante da empresa — 32 anos antes do previsto. Paralelamente, a companhia ainda lida com a integração das atividades em Sergipe, um contrato que custou caro e se mostrou mais complexo que o previsto.

Silva substitui Roberto Barbuti, que comandou a Iguá nos últimos dois anos e cuja saída foi antecipada pelo InvestNews na semana passada. Pesa contra o novo CEO da Iguá o fato dele não ser uma pessoa familiarizada com as operações de saneamento. 

“Ele vai precisar reestruturar o time com pessoas com experiência no setor e ter uma gestão mais focada em eficiência. O ponto de atenção é que ele ainda é novo na indústria do saneamento”, avalia um executivo experiente do setor.

O novo CEO, no entanto, traz experiência em outras concessionárias de infraestrutura. Antes da Iguá, René Silva foi diretor da Hidrovias do Brasil e CEO da concessionária Auto Raposo Tavares — bagagem que tende a ajudar nos desafios regulatórios e operacionais da companhia.

“Com o respaldo dos acionistas, René assume para dar continuidade ao trabalho focado na integração das novas operações e na eficiência operacional, ao mesmo tempo renovando o compromisso da companhia com a disciplina financeira”, informou a Iguá em comunicado.

Momento crítico no Rio

A situação mais crítica neste momento é no Rio de Janeiro, onde a empresa é responsável pelo tratamento de água e esgoto em regiões como Barra da Tijuca, Jacarepaguá, Recreio e Vargens, além das cidades de Miguel Pereira e Paty do Alferes.

Em 2021, a Iguá fez uma oferta de R$ 7,3 bilhões para assumir os serviços de água e esgoto do Estado pelos próximos 35 anos. A companhia ainda tem outros R$ 2,7 bilhões para investir no Rio. Mas, em pouco menos de 4 anos, já está correndo o risco de perder o contrato.

A Iguá foi multada no início desta semana em R$ 124,2 milhões pela Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Estado do Rio de Janeiro (Agenersa) por estar despejando esgoto sem tratamento adequado no mar da Barra da Tijuca .

A Iguá diz que ter autorização para isso, uma vez que a unidade de tratamento de esgoto da região está em obras. A empresa foi notificada no último dia 7 de agosto e terá 30 dias para apresentar defesa.

Por conta da crise, a Agenersa recomendou a abertura de uma investigação para avaliar a perda da concessão da Iguá por suposto descumprimento de contrato. A notícia pressionou o valor dos títulos de dívida da Iguá no mercado secundário, sinalizando a desconfiança de parte dos credores.

Iguá Saneamento
Iguá Saneamento (Divulgação)

Outra disputa em curso no Rio de Janeiro está em uma arbitragem movida pela Iguá contra o governo estadual. A empresa de saneamento alega um desequilíbrio de R$ 828 milhões referentes a perdas de água acima do que estava previsto no edital de licitação. 

À época, o governo apontava um índice de perda de 35%, enquanto a Iguá diz ter encontrado 54% em perdas. O caso foi para na Justiça, mas houve acordo para as discussões seguirem na corte arbitral.

Início em Sergipe

Em Sergipe, são dois pontos que causaram frustração em pessoas próximas da Iguá: o alto desembolso pela concessão e pela complexidade da operação no Estado, em que há mais de 60% de perdas, entre furtos e ineficiências, um dos maiores índices do país. 

Em setembro do ano passado, a Iguá ofereceu R$ 4,53 bilhões para ser a concessionária de água e esgoto de Sergipe por 35 anos, representando um ágio de 122,6% em relação à pedida inicial. O valor foi quase R$ 1 bilhão mais alto do que o oferecido pela concorrente Aegea, que entregou uma proposta de R$ 3,2 bilhões. Para viabilizar o negócio, o CPP liderou um aumento de capital de R$ 1,7 bilhão na companhia.

Para fontes do mercado, a Iguá acabou errando na precificação: pagou caro por um ativo muito complexo e que vai exigir mais de R$ 6 bilhões de investimentos nos próximos anos. “A empresa precisa com urgência equalizar o contrato de Sergipe, para encontrar uma forma de absorver com a operação os problemas de avaliação que ocorreram no lance feito no leilão de concessão”, explica outra fonte.

A empresa assumiu as atividades no início de maio e diz ter investido mais de R$ 100 milhões nos primeiros dias de operação. A direção da empresa vem sendo cobrada por parlamentares sergipanos a apresentar um cronograma claro de obras sobre a ampliação do acesso à água e esgoto no Estado. 

A saída de Barbuti

Quando a saída de Barbuti tornou-se iminente, foram cogitados os nomes da conselheira da Iguá e ex-CEO da BRK, Teresa Vernaglia, e do ex-presidente da Sabesp André Salcedo, que já havia sido diretor da Iguá. 

Outro nome especulado foi o do diretor antigo diretor de operações Péricles Weber, que fez carreira na empresa de saneamento do Paraná, a Sanepar, e que trabalhou por oito anos na Iguá. No entanto, a relação difícil entre Barbuti e Weber pesou para que o último decidisse sair da companhia em junho. 

Roberto Barbuti, CEO da Iguá Saneamento
Roberto Barbuti, ex-CEO da Iguá Saneamento (Divulgação)

O pedido de demissão de Weber foi visto com preocupação por pessoas que conhecem o dia a dia da Iguá, uma vez que o executivo é considerado um dos responsáveis pela transformação da companhia nos últimos anos. E também alguém mais ligado à cartilha dos antigos controladores, a gestora IG4, responsável por comprar a endividada CAB Ambiental em 2017 e transformar a empresa em um player de saneamento privado competitivo.

Com a saída da IG4, em agosto do ano passado, o controle passou a ser exercido pelo fundo de pensão canadense CPP, dona de 66,5% do capital da empresa, com AIMCo (24%), também do Canadá, e o BNDESPar (9,5%) compondo o cap table da Iguá.

Existe compromisso entre os acionistas para a realização de uma oferta pública inicial (IPO, em inglês) assim que as condições de mercado permitirem, para dar saída ao investimento do BNDES. Uma negociação com uma concorrente, como a Aegea já tentou no passado, é frequentemente especulada.

O CPP foi quem recrutou Barbuti para a função e bancou o executivo até onde foi possível, mas a pressão de AIMCo e BNDESPar, em conjunto com credores, acabou prevalecendo pela troca. A ideia é que o anúncio da troca de CEO traga novo fôlego para as complexas conversas que a empresa terá de ter no Rio e em Sergipe daqui pra frente.