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Negócios

Juro acima de 14% pressiona dívidas de mais da metade das empresas do Ibovespa

Alta de três pontos na Selic pode aumentar em até 30% o custo das dívidas das empresas

Ilustração em estilo colagem; gráfico; subida de números; dolar; selic; cambio; juros
Crédito: Tég

O sonho do pouso suave da economia ainda não acabou, mas tem ficado a cada dia mais improvável. O setor produtivo sentiu o choque de realidade e acordou para um ambiente de alta de inflação e de juros, em uma intensidade maior do que se previa: a Selic vai fechar 2024 em 12,25% e o BC já sinalizou mais duas altas de um ponto percentual cada, o que vai elevar a taxa básica para 14,25% até março de 2025.

Esse aumento adicional da Selic, que pegou muita gente de surpresa, vai ter um peso imediato no bolso de grande parte das companhias. Nas contas de Vivian Lee, gestora da Ibiuna Investimentos, uma alta de três pontos percentuais, como o que se espera entre dezembro deste ano a março de 2025, significa um aumento do custo das dívidas corporativas de cerca de 30%, quando comparado ao custo médio de captação das grandes empresas no mercado de capitais em 2024.

O peso das dívidas corporativas cresce porque a maior parte das captações feitas no mercado paga uma remuneração atrelada ao CDI mais um taxa fixa, chamada de spread. Dados da Associação Brasileira das Entidades do Mercado Financeiro e de Capitais (Anbima) mostram que o CDI é o indexador de 70% das debêntures, um dos principais títulos emitidos por empresas para obter recursos de investidores. O certificado de depósito interfinanceiro, por sua vez, varia conforme a Selic.

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Em um cálculo simplificado, cada ponto percentual de alta na Selic significa uma elevação média de quase 10% no custo das dívidas atreladas ao CDI comparado ao custo médio das emissões neste ano. Isso mesmo com a queda do spread ocorrida ao longo de 2024.

A forte procura por papéis de dívida de empresas nos últimos trimestres reduziu o prêmio pago pelas companhias com melhor perfil de crédito para a casa de 1% mais o CDI. Porém, “a subida da Selic vai ofuscar o efeito da queda dos spreads que aconteceu neste ano”, afirma Lee. Isso é uma má notícia para as corporações endividadas.

Vulnerabilidade maior

Quando se olha somente para as empresas que compõem o Ibovespa – que podem ser consideradas algumas das mais robustas companhias do país – , o desafio também é grande. Os juros mais altos deve complicar a vida financeira de nada menos que 33 das 61 companhias que compõem o principal índice da bolsa brasileira, segundo pesquisa feita pela Constância, gestora especializada em estratégias baseadas em análise de dados, a pedido do InvestNews.

Para medir o impacto dos juros sobre a vida das empresas, a Constância desenvolveu um índice de vulnerabilidade financeira, indicador que leva em consideração o tamanho e o custo da dívida, além da capacidade de pagamento. A chefe da área de dados e análises da gestora, Gabriela Vasconcelos, explica que empresas com taxa de vulnerabilidade acima de 55% já começam a ter uma situação mais apertada diante da escalada dos juros. Mais da metade das companhias do Ibovespa estão nessa situação.

No topo da lista, figuram a aérea Azul, a rede de supermercados Pão de Açúcar, o grupo de educação Cogna, a empresa de turismo CVC e a locadora de caminhões e veículos pesados Vamos. As companhias apresentam índice de vulnerabilidades entre 87% e 97%.

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Mas é importante destacar que isso não significa que essas empresas se encontram em uma situação de risco iminente. As corporações têm várias opções de ajustes de rumo antes de ter de apelar para uma solução drástica, como um pedido de recuperação judicial ou extrajudicial. Elas podem, por exemplo, enxugar operações, cortar custos, vender negócios secundários, imóveis e até equipamentos, como uma frota de veículos. Além disso, costumam ter poder de barganha para reestruturar dívidas e obter novos investimentos por meio de novas ofertas de ações ou de emissão de títulos de renda fixa.

Ajustes em curso

O GPA, controlador do Pão de Açúcar e do Extra, por exemplo, faz há dois anos um esforço de redução do nível de endividamento, de ajuste de custos e de aumento da eficiência operacional. O grupo já vendeu R$ 1,9 bilhão em negócios vistos como menos importantes desde o ano passado, como a rede dos postos de combustíveis no Estado de São Paulo por R$ 200 milhões.

A holding realizou em março uma oferta pública primária de ações, quando conseguiu captar R$ 700 milhões. Nesse tipo de operação, a companhia emite novas ações e as vende para investidores. No total, o GPA obteve R$ 2,6 bilhões em dinheiro novo por meio de todas as iniciativas.

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Com a injeção de recursos, o endividamento caiu significativamente. E isso fica claro quando se olha para a relação dívida líquida/Ebitda. No caso do GPA, o indicador hoje está em 2,8 vezes. Isso significa que a dívida da empresa é 2,8 vezes maior do que o dinheiro que sobra do faturamento depois de descontar os custos operacionais e financeiros, ou seja, a tal geração de caixa operacional. Só que essa medida já foi muito, muito maior: chegou 10,6 vezes no segundo trimestre de 2023. E caiu, graças a ajustes feitos pela companhia.

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A CVC, também citada pelo estudo da Constância, é outra que realiza um trabalho de ajuste há um ano. A companhia tinha um nível de dívida líquida em relação ao Ebitda de 7 vezes no início de 2024. No fim do terceiro trimestre, o indicador já havia recuado para 1,2 vez.

A redução do peso do endividamento veio com a diminuição de 30% na estrutura de custos mais um aumento das receitas. A companhia também renegociou os prazos e os custos de suas debêntures.

“Nós fizemos um forte ajuste desde janeiro e hoje entendemos que estamos na forma ideal da companhia”, afirma Felipe Gomes, vice-presidente de gente, finanças, jurídico e estratégia da CVC. “Aumento de juros nunca é bom para as empresas porque a gente depende de crédito. Mas o crescimento operacional e o aumento das margens vai manter em andamento o processo de desalavancagem [redução do peso do endividamento].”

Gomes ressalta que, apesar da subida dos juros, o setor de turismo se beneficia de outros lados do cenário macroeconômico: o crescimento do PIB e o desemprego baixo. “Nós vendemos férias. Com crescimento da economia e aumento da renda, as perspectivas para 2025 tendem a ser positivas, mesmo com juro alto.”

Quanto tempo dura o fôlego?

O tempo pelo qual a Selic permanecer em níveis tão altos é que vai determinar o fôlego das empresas para atravessas esse período. Mas, como isso é uma incógnita, muitas delas têm se mexido para aguentar o tranco. Afinal, já se foram três anos de juros em dois dígitos. E tudo indica que adentraremos no quarto ano de Selic nas alturas.

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Cada empresa vai enfrentar um desafio específico, de acordo com as características de seu endividamento e as condições do mercado onde atua diz a sócia da Ibiuna. Há vários fatores que vão tornar a travessia mais ou menos difícil. Se a companhia tem dívidas com vencimentos mais próximos, por exemplo. Muitas conseguiram aproveitar o momento favorável para se refinanciar com spreads mais baixos. Mas aquelas que ainda vão ter de buscar o mercado, provavelmente, terão de pagar mais caro.

No novo ciclo de alta, o mercado já estima que o Banco Central pode aumentar a Selic para perto de 15%. Um juro desse nível, dependendo do tempo em que permanecer tão restritivo, levaria as empresas mais endividadas a enfrentar os piores pesadelos financeiros.

Lee, da Ibiuna, explica que empresas com mais da metade do caixa comprometido com o pagamento das parcelas da dívida vão ter de fazer ajustes duros.

“Com um juro de 14%, uma empresa tem alavancagem de seis vezes e o peso da dívida alcança 60% do Ebitda, esse custo vai para cerca de 90%. A companhia não vai conseguir reduzir o endividamento porque todo o dinheiro que consegue gerar vai só para pagar a despesa com juros.”

Vivian lee, gestora da ibiuna

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