A energia gerada no Brasil percorre milhares de quilômetros até acender a luz da sua casa. E esse caminho está se tornando cada vez mais complexo.

Com a expansão acelerada da energia solar e da eólica, garantir estabilidade ao sistema elétrico é uma equação difícil. O vento não sopra o tempo todo. O Sol teima em se esconder. E mesmo assim a rede precisa funcionar o tempo todo, claro.

Nesse quebra-cabeça, as baterias gigantes surgem como uma peça-chave. Elas armazenam energia nos momentos de sobra e devolvem quando o sistema mais precisa. Parece simples, mas até pouco tempo isso era impensável. Agora, o Brasil está começando a descobrir o que o resto do mundo já está aprendendo há alguns anos: as baterias podem mudar tudo.

No litoral sul de São Paulo, a transmissora ISA Energia instalou o primeiro sistema de armazenamento em larga escala do país – em inglês, a tecnologia é conhecida como BESS (Battery Energy Storage System). O equipamento, acoplado à subestação de Registro (SP), tem capacidade de 30 MW de potência — ou seja, pode injetar até 30 megawatts na rede elétrica a qualquer momento — e armazena até 60 MWh. Significa que ele consegue manter essa entrega, suficiente para uma cidade de 90 mil habitantes, por duas horas seguidas.

É como comparar a força de um motor (potência) com o tamanho do tanque de combustível (energia armazenada). Essa configuração permite que o sistema atue exatamente nos momentos de pico, como no fim de tarde (quando o Sol já está cansado) ou em feriados de alta demanda, em uma atuação conhecida tecnicamente como peak shaving — “barbear o pico”, na tradução literal. Essa estratégia suaviza os picos de consumo e evita que o sistema opere acima da capacidade ou recorra a fontes emergenciais, aliviando a sobrecarga na rede.

O que as baterias podem fazer pela rede elétrica

“É como abrir uma terceira faixa na estrada”, resume Rui Chammas, CEO da ISA.

A analogia é boa. As baterias não substituem a geração nem a transmissão de energia. Elas funcionam como um desvio inteligente para momentos de congestionamento.

E esse não é o único papel que elas podem cumprir.

Banco de baterias da ISA Energia, em Registro (SP). Foto: Divulgação

Em cenários de crescimento rápido da demanda, as baterias também podem ser úteis para manter a potência do sistema estável, algo que hoje depende principalmente das hidrelétricas. É o que os técnicos chamam de “reserva de potência” — a garantia de que haverá capacidade de resposta imediata para atender à rede quando o consumo aumenta subitamente.

Essa função se torna ainda mais importante à medida que as fontes renováveis ganham espaço, já que elas nem sempre estão disponíveis quando a demanda exige. O Operador Nacional do Sistema (ONS) projeta que essas fontes serão 46,3% da matriz elétrica brasileira até 2029, considerando aí tanto as grandes usinas solares e eólicas, de geração centralizada, quanto os sistemas de pequena escala, reunidos sob a sigla MMGD (micro e mini geração distribuída). Hoje, essa soma está em 36,2%.

Outro uso possível: armazenar o excesso de energia produzido por usinas solares e eólicas em horários de baixa demanda. Em vez de desperdiçar, guarda-se para depois. Essa capacidade de “deslocar” a energia no tempo é um trunfo em sistemas com alta penetração de renováveis intermitentes, como começa a acontecer no Brasil.

No começo de julho, quando o ONS apresentou seu Plano de Operação Energética para os anos de 2025 a 2029, o diretor-geral Marcio Rea destacou que o crescimento das fontes intermitentes significa também “novos desafios para a operação”.

“Precisamos cada vez mais de flexibilidade no sistema, com fontes de energia controláveis, que nos atendam de forma rápida para termos o equilíbrio entre a oferta e a demanda de energia, especialmente nos horários em que temos as chamadas rampas de carga”, disse Rea. Para os entusiastas das baterias, foi uma piscadela.

O mundo está fazendo. E o Brasil?

A capacidade mundial de armazenamento de energia nas megabaterias está muito concentrada na China e nos Estados Unidos. Segundo a consultoria Benchamark Minerals, a China tem 215,5 GWh de capacidade instalada e um ambicioso pipeline de projetos que totaliza mais 505,6 GWh em armazenamento – seria o bastante para cobrir toda a demanda chinesa por meia-hora (bastante para um sistema de reserva).

Os Estados Unidos vêm em seguida, com 82,1 GWh instalados e 162,5 GWh planejados para os próximos anos – 20 minutos da demanda americana.

A China, inclusive, já exige que novos projetos solares ou eólicos incluam sistemas de armazenamento. E o protagonismo chinês também se expressa na indústria.

A CATL, maior fabricante de baterias do mundo – e maior abertura de capital do ano até aqui –, é mais conhecida por fornecer suas células para carros elétricos de montadoras como BMW e Volkswagen, mas também é um player importante no mercado de BESS. No Brasil, foi a fornecedora escolhida pela ISA Energia para o projeto de Registro.

Outras gigantes do setor incluem a americana Tesla, a sul-coreana LG Energy Solution, a japonesa Panasonic e a chinesa BYD, todas com operações globais e investimentos em expansão da capacidade de produção.

Outros países também estão investindo na tecnologia. A Austrália instalou em 2017 a megabateria de Hornsdale, que economizou milhões e melhorou a segurança elétrica. O Reino Unido, líder na Europa com 7,5 GWh de capacidade instalada, removeu barreiras regulatórias e criou mecanismos para remunerar os serviços prestados pelas baterias à rede.

Na América Latina, o Chile é o destaque. O país encerrou 2024 com 3,8 GWh de baterias operacionais, muitas acopladas a usinas solares no deserto do Atacama. A meta é chegar em 2027 com 41 GWh em capacidade instalada de baterias.

O Brasil, maior mercado elétrico da região, ainda está muito longe deste número. Atualmente, são apenas 800 MWh de de energia em baterias instalada, segundo a Associação Brasileira de Soluções em Armazenamento de Energia (Absae). Dá 40 segundos da demanda brasileira.

Boa parte desta estrutura é dedicada a projetos que visam levar energia a locais isolados ou melhorar a qualidade do fornecimento em áreas rurais. 

E por que o Brasil ficou pra trás?

Primeiro, porque sempre contou com a flexibilidade das hidrelétricas, que funcionam como baterias naturais. Segundo, porque até hoje não há uma regulação clara para o uso de baterias na rede. Elas não se encaixam nem como geração, nem como consumo, nem como distribuição. Resultado: não podem ser remuneradas por aquilo que entregam ao sistema.

Isso deve mudar em breve. A Aneel abriu em 2023 a Consulta Pública 39 para definir as regras de outorga, uso da rede e remuneração dos sistemas de armazenamento. A norma deve sair até o fim de 2025. “A Aneel está fazendo um bom trabalho”, diz Chammas. “Ela está criando um ambiente regulatório mais propício para esse tipo de solução”.

A mudança regulatória é acompanhada por uma queda acentuada de custos para a instalação dessas baterias. O preço das baterias de íons de lítio caiu quase 90% desde 2010. Em alguns países, já se fala em US$ 150 a 180 por kWh até 2025. A Agência Internacional de Energia Renovável projeta uma queda de mais 40% sobre os valores atuais até 2030. 

No Brasil, o projeto pioneiro da ISA custou R$ 146 milhões (à época, cerca de US$ 483/kWh), mas a expectativa é que os próximos fiquem bem mais baratos ao longo dos próximos anos. 

Outras empresas começam a testar soluções. A Copel, no Paraná, experimentou baterias para atender picos de consumo em granjas. A Petrobras utilizou a tecnologia em plataformas offshore. A Moura, tradicional fabricante de baterias para automóveis, está investindo na Moura BESS, oferecendo armazenagem e gestão de energia sob medida para indústrias e comérios. 

Nem milagrosas, nem dispensáveis

Baterias não são uma solução mágica. E também não são mais uma promessa distante.

Elas têm limitações reais. A duração do armazenamento é curta: 1 a 4 horas em geral. A vida útil é limitada a 10 a 15 anos. O risco de incêndios existe, apesar de raro. Casos como os das megabaterias de Moss Landing, na Califórnia, e da Victorian Big Battery, na Austrália, mostram que o fenômeno conhecido como thermal runaway — uma reação em cadeia causada por superaquecimento — pode levar a incêndios graves e difíceis de conter.

Esses incidentes impulsionaram mudanças regulatórias em vários países e reforçaram a necessidade de protocolos de segurança robustos.

As baterias também requerem espaço físico considerável e enfrentam uma cadeia de suprimentos altamente concentrada na China, o que gera dependência e risco geopolítico – a China processa mais de 50% do lítio e do cobalto do mundo e detém 85% da capacidade global de produção de células de baterias. 

Uma estrada entre duas piscinas de evaporação industrial em uma instalação de produção de lítio no Salar de Uyuni, em Potosí, Bolívia. Fotógrafo: Carlos Becerra/Bloomberg

O processo de integração também exige atenção. As baterias respondem muito rapidamente e demandam atualização dos sistemas de controle da rede. O ONS e a Aneel trabalham para padronizar as normas técnicas e operacionais.

Mesmo assim, a direção está dada. O governo brasileiro pretende realizar em breve o primeiro leilão de reserva de potência com a participação de baterias, mas a data é incerta. Falava-se em fazer o leilão ainda este ano, mas agora se sabe que isso não deve ocorrer antes de 2026.

Para Rui Chammas, baterias serão parte de um sistema mais inteligente, mais limpo e mais flexível. O executivo resume: “É uma realidade nova, que exige soluções novas. E as baterias são uma delas”.