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Negócios

Menos é muito mais: a vez do “quiet luxury”

Forma discreta de se vestir surgiu como resposta a tempos turbulentos. Tudo vai na contramão da necessidade de se mostrar

(NOVA YORK) Em março passado, uma das calçadas de Manhattan se transformou em uma cena caótica com mais de mil pessoas se acotovelando para abocanhar peças em liquidação da marca italiana Versace. A loja abre às nove da manhã, mas já havia uma fila desde as duas da madrugada.

O esforço, no entanto, foi em vão. Quando as portas se abriram, a confusão foi tamanha que, em meia-hora, a polícia nova-iorquina fechou o estabelecimento e dispersou a acalorada multidão. Como era de se esperar, instantaneamente, as imagens rodopiaram pelas mídias sociais.

“O ocorrido é sinônimo do manual de ‘como destruir a sua marca em poucos minutos’”, disse uma executiva de marketing de uma marca global de luxo em Manhattan. “Este fuzuê é o oposto do quiet luxury,” avisa ela, cuja carreira inclui passagem por empresas européias de jóias e vestuário.

Em ascensão desde o ano passado, o quiet luxury preza pelo look discreto, minimalista e sem escancarar qualquer logomarca. As peças são exclusivas, atemporais e duráveis, priorizando a sustentabilidade, a alta qualidade dos tecidos, detalhes feitos à mão e a confortabilidade – fator inegociável na era pós-pandemia. A bainha é bem acabada, o cashmere é um abraço e as jóias são discretas e delicadas.

Conceito de roupas de moda minimalistas. Crédito: kaplickaya/ Envato

Discrição em resposta a tempos turbulentos

A recente ênfase na forma discreta de se vestir surgiu como resposta a tempos turbulentos no cenário global. Em meio a crises, guerras e economia estagnada, é elegante – e de bom tom – responder com recato. 

Austeridade, por exemplo, foi o caso da moda no final da Segunda Guerra Mundial, época em que o estilista francês Christian Dior criou peças que anos mais tarde seriam batizadas de New Look pela editora-chefe da revista Harper’s Bazaar. 

“Dior trabalhava com as melhores costureiras, mas utilizava tecidos em conta. Primeiro, porque estava começando seus negócios e, segundo, porque não havia nada melhor disponível no mercado no pós-guerra,” disse Florence Müller, curadora de artes têxteis e moda do Denver Art Musem. “Seu legado foi resgatar a feminilidade, em meio a um mundo militarizado até na forma de se vestir,” disse Müller.

A série Succession, da HBO, que foi ao ar entre 2018 e 2023, turbinou o estilo, ao mostrar a personagem Shiv Roy badalando nas altas rodas com seu elegante guarda-roupa de tons pastéis, vestimentas bem cortadas, tecidos de altíssima qualidade e a impressão de que as calças, blusas, saias e jaquetas podem – e devem – ser reutilizadas.

Em suma, money talks, wealth whispers [o dinheiro fala, a riqueza sussura].

Sarah Snook como Shiv Roy, em Succession Crédito: Divulgação/HBO

Comportamento afeta negócios

À medida que a mentalidade dos consumidores desperta para valores como sustentabilidade e menos consumismo, os investidores do mundo fashion começam a acompanhar. 

Segundo uma recente análise do Banco DBS, de Cingapura, entre as empresas que têm se beneficiado com o estilo estão a Hermès, Miu Miu (que pertence à Prada), Brunello Cucinelli, Compagnie Financière Richemont e o Grupo Swatch.  O relatório do banco aponta que as marcas atentas à sutileza, profunda conectividade com seus produtos e autenticidade já têm apresentado ganhos acima do mercado. 

LEIA MAIS: Marcas de luxo em pânico? Balenciaga, Versace e Burberry reduzem preços em até 50% na China

A mudança também está gradualmente transbordando para os setores de perfumaria, relojoaria, gastronomia e moda esportiva. Esta última tem promovido o ” quiet outdoors”, depois de o setor ter registrado um aumento de 24% de receita em 2022, atendendo à demanda por conforto pós-Covid e roupas para esportes ao ar livre. Para isso, diversas marcas têm investido em novas tecnologias têxteis, e buscando consultoria de profissionais do luxo, como foi o caso da islandesa 66° North, que trouxe um designer da Louis Vuitton para ajudar nas coleções.

Francisco Costa: “Quiet luxury é o luxo em si”

Quiet luxury é o luxo em si: o bem-estar, a simplicidade, a espiritualidade, e a satisfação interior. Tudo isso vai na contramão da necessidade de se mostrar”, explica o estilista mineiro Francisco Costa, que foi designer de alta-costura feminina da Calvin Klein em Nova York por 13 anos antes de abrir a Costa Brazil, empresa de produtos naturais de fragrância e beleza. 

Costa afirma que o quiet luxury veio para ficar, reforçando que o luxo começa na escolha das linhas a serem usadas nos tecidos, e segue nas etapas até o resultado final. “O minimalismo das minhas coleções sempre refletiu a minha infância, a simplicidade e elegância da minha irmã, a pracinha com a igreja, o branco, o cinza e o preto de Minas Gerais”, diz. 

O traço quiet também faz parte da moda masculina. Mesmo sem planejar, a italiana Zegna se transformou em um das grandes referências: seus ternos roubaram os holofotes dos tapetes vermelhos durante as premiações do cinema no começo deste ano, depois de a marca surpreender o mercado com seus resultados do último trimestre de 2023: o crescimento orgânico foi de 20% e sua receita alcançou US$ 2,1 bilhões no ano. 

O time de Alessandro Sartori, diretor artístico da Zegna, dedica de seis a oito meses para suas criações, o que faz com que as roupas não se encaixem em “tendências do momento”. Sartori gosta de dizer que produzir moda de qualidade resulta de um trabalho lento. Esta é uma das principais filosofias do quiet luxury

No ano passado, até mesmo um caso midiático dos tribunais americanos deu um impulso ao estilo. A atriz Gwyneth Paltrow transformou uma corte criminal de Utah em passarela de moda. Durante os seis dias de julgamento, resultado de uma colisão numa pista de esqui que deixou um turista gravemente ferido, Gwyneth desfilou com cores sóbrias, cortes definidos, tecidos nobres e nenhuma logomarca implorando por atenção. 

A loira foi batizada de “courtroom chic” por fashionistas que perderam o sono para desvendar cada item usado. Conseguiram reconhecer um óculos aviador da Ray-Ban, uma bota da Prada e algumas roupas da Goop, marca de lifestyle da atriz. 

Qualidade das peças e da mão-de-obra

“A razão pela qual encontramos roupas vintages de décadas atrás em excelente estado é o resultado do zelo de seus artesãos. Eles focavam nos acabamentos e no capricho”, diz a artista plástica americana Devi Vallabhaneni, de Los Angeles. “Por que eu pagaria US$ 4 mil hoje por uma roupa ou bolsa feita sem qualquer cuidado?” Devi, que cria sua arte inspirada em alta costura, diz que os investimentos de muitas marcas migraram da qualidade para o branding. 

“Nem sempre as margens de lucro de grandes marcas de luxo significam que elas estão investindo em sua mão-de-obra ou na qualidade de seus tecidos. Apenas estão cobrando mais caro pelas suas peças”, alerta. 

“Os fundadores da GAP diziam que suas roupas não precisavam de propaganda: para eles, produtos e lojas divulgavam a marca. O mesmo acontece com o quiet luxury: são empresas que se dedicam à qualidade, sem precisar embrulhar o que produzem em logomarcas”, diz Devi.

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