É diante desse cenário que surge a preocupação sobre a possibilidade de os problemas da empresa provocarem não apenas demissões em massa, como também pesarem sobre a economia dinamarquesa como um todo.
O valor de mercado da Novo Nordisk encolheu quase US$ 100 bilhões na última terça-feira (29), depois que a companhia reduziu sua projeção de lucro, citando a concorrência mais acirrada e a entrada de medicamentos genéricos nos EUA como principais fatores. Foi a segunda vez neste ano que a farmacêutica cortou suas estimativas de ganhos. As ações despencaram 23% — a maior queda em um único dia já registrada — e continuaram caindo nos dias seguintes.
As más notícias da companhia se traduziram em um golpe financeiro imediato para as famílias dinamarquesas. Fora as poupanças previdenciárias, a população do país perdeu 38 bilhões de coroas dinamarquesas (US$ 5,8 bilhões) em carteiras de ações na terça-feira (29), segundo estimativas do Sydbank. Isso equivale a quase 3% do consumo privado anual total do país.
Dado o porte da empresa dinamarquesa, o prejuízo pode se estender além do mercado acionário. Economistas alertam que uma piora prolongada na situação da Novo Nordisk pode influenciar as taxas de juros do país e até mesmo afetar as exportações — preocupação compartilhada pela autoridade reguladora financeira estatal, que reduziu sua projeção de exportações em maio.
Além disso, como a produção da farmacêutica entra no cálculo do Produto Interno Bruto (PIB), qualquer redução nas expectativas “afetará quase que mecanicamente” os números de crescimento do país, afirmou Las Olsen, economista-chefe do Danske Bank, o maior banco dinamarquês.
“Um menor crescimento na Novo significa menor crescimento do PIB da Dinamarca. É simples assim”, disse Olsen.
Søren Kristensen, economista-chefe do Sydbank, recomenda cautela antes de tirar grandes conclusões do recuo da empresa. Analistas projetam que a receita e o lucro continuarão crescendo até o fim da década. Enquanto isso ocorrer, diz ele, a economia dinamarquesa se beneficia. Ainda assim, a farmacêutica está “em uma posição um pouco mais vulnerável” do que no passado.
A produção maciça da companhia sustenta o grande superávit externo da Dinamarca e fortalece a moeda do país, forçando o banco central a manter juros abaixo dos do Banco Central Europeu (BCE) para defender o atrelamento cambial.
Uma pausa importante para explicar o sistema financeiro dinamarquês. Lá, a moeda não flutua livremente: ela é atrelada ao euro por meio, e o objetivo da política monetária é manter essa paridade dentro de uma banda estreita. Se a coroa se valoriza demais, pode se descolar dessa relação. Nessa situação, o Banco Central da Dinamarca reduz os juros para desestimular a entrada de capital e, assim, conter a valorização.
Considerando isso, se as exportações dinamarquesas sofrerem um forte impacto, Kristensen, do Sydbank, avalia que o país talvez tenha de fazer o movimento oposto e elevar as taxas de juros. Afinal, menos exportações significam menor entrada de divisas, gerando pressão de desvalorização sobre a coroa — e o BC precisaria, então, subir juros (ou intervir no câmbio) para sustentar o valor da moeda em relação ao euro.
Não bastassem esses efeitos, uma desaceleração prolongada da Novo Nordisk poderia limitar verbas para pesquisa científica, saúde e programas sociais. A Fundação Novo Nordisk — controladora da empresa — ampliou doações nessas áreas graças aos lucros explosivos de Wegovy e Ozempic, financiando cerca de 9 500 cientistas. O domínio da empresa já suscita temores de dependência excessiva, evocando o fantasma da Nokia na Finlândia.
A primeira-ministra Mette Frederiksen reconheceu que o governo precisa monitorar esse risco, mas rejeitou o paralelo com a Nokia, lembrando que a economia dinamarquesa não se resume ao setor farmacêutico. Olsen, do Danske Bank, concorda: a companhia ainda cresce, ao passo que a Nokia encolheu acentuadamente, e a Dinamarca tem um mercado de trabalho flexível, com regras que facilitam demissões e fluxo de mão de obra estrangeira ajustável.
Para Olsen, o o crescimento gigantesco da Novo Nordisk significou mais PIB para a Dinamarca, mais retorno aos acionistas, receita tributária extra e superávit em conta-corrente. “Se a maré virar, todos esses efeitos naturalmente se inverterão”, pondera.