Até pouco tempo atrás, terras raras soavam como um assunto técnico demais para o grande público. Mas basta olhar para os últimos movimentos dos Estados Unidos para perceber que esse conjunto de minerais estratégicos virou prioridade para a maior economia do mundo.

Prova disso é que, na semana passada, o governo americano assinou um acordo com a Ucrânia para explorar jazidas desses minerais — essenciais para veículos elétricos, turbinas eólicas e a indústria bélica. Soma-se a isso uma ordem recente do presidente Donald Trump para autorizar a mineração no fundo do oceano. Tudo isso em menos de um mês.

O sprint dos EUA é uma corrida contra a China, que praticamente controla a produção global de terras raras. A disputa está em campo.

Mas enquanto os americanos firmam alianças em territórios instáveis, como o Leste Europeu ou o fundo do mar, o Brasil é terreno firme – e com uma reserva enorme de terras raras. “Ucrânia e oceano profundo ainda são promessas. O Brasil é o que já está de pé”, resume Rafael Marchi, diretor-executivo para infraestrutura da Alvarez & Marsal no país.

Nós, brasileiros, temos a segunda maior reserva do mundo, mas produzimos menos de 0,01% da oferta global no ano passado: 20 toneladas. Enquanto isso, a China entregou 270 mil toneladas de óxidos de terras raras  — forma refinada e padrão de comercialização desses minerais – das 390 mil toneladas produzidas em 2024.

A questão brasileira é que ainda faltam investidores que topem o risco de um projeto de mineração, em que apenas um terço sobrevive, e que demora cerca de dez anos para entrar em operação e começar a gerar caixa.

Existem australianos e canadenses que estão colocando dinheiro, como já mostrou o InvestNews, mas tem espaço para muito mais. E é aí que o Brasil pode surfar.

Nem tão raras

Caso você não seja um conhecedor da mineração, cabe aqui uma explicação sobre as terras raras. São 17 elementos químicos. 

Os de número atômico menor formam o grupo das terras raras leves. Mais abundantes, elas vão em telas, vidros, e baterias. No jargão do setor, são agrupados como LaCePmSm – referência a lantânio (La), cério (Ce), promécio (Pm) e samário (Sm), os elementos mais utilizados entre as leves. 

O outro grupo, é o das terras raras pesadas: caso do disprósio (Dy) e do térbio (Tb), que reforçam a resistência térmica dos ímãs permanentes de motores e armamentos. Também se destacam o neodímio (Nd) e o praseodímio (Pr), base dos ímãs de alto desempenho usados em veículos elétricos. Nesse contexto, são dois grupos: DyTb e NdPr.

Terras raras produzidas pela Aclara
Terras raras produzidas pela Aclara (Divulgação)

Apesar do nome, esses elementos não são exatamente raros na crosta terrestre — o desafio está em encontrá-los em concentrações economicamente viáveis e separá-los com eficiência. A China domina quase 70% da produção global e, no caso das terras raras pesadas, 100% da tecnologia de refino.

É como se, no caso do petróleo, um único país tivesse os equipamentos necessários para transformar o líquido preto em gasolina. Ou seja: se você produz terras raras pesadas, seu cliente será necessariamente da China.  

Como retaliação às tarifas impostas pelos EUA, o governo chinês anunciou em abril restrições à exportação de sete metais de terras raras pesadas. A medida compromete a fabricação de motores industriais, carros elétricos, aerogeradores, mísseis.. 

Terras brasileiras

E é nesse contexto que o Brasil passou a chamar atenção. Com cerca de 25 milhões de toneladas em reservas, o país possui um ativo em operação, a Mineração Serra Verde, em Goiás, e dezenas de projetos em estágios avançados conduzidos por empresas como Aclara, Meteoric Resources e Brazilian Rare Earths (BRE) – todas elas controladas por investidores estrangeiros.

A Serra Verde, em operação desde o final de 2023, é hoje a única fora da Ásia com produção comercial relevante. Mesmo assim, sua produção ainda vai para a China. O problema não está só na origem dos minérios, mas no destino: sem infraestrutura de agregação de valor no Ocidente, a dependência segue viva. 

Outra coisa: já na concepção do projeto de Serra Verde, a produção futura havia sido comprada pelos chineses. Essa aquisição antecipada, chamada de offtake, é considerada hoje o passo mais crítico para viabilizar qualquer projeto de terras raras. 

Como esses minerais não possuem tanta liquidez (diferentemente de petróleo ou minério de ferro), o desenvolvimento de uma mina depende da formalização de demanda firme, com contratos de longo prazo. Sem isso, não há financiamento, nem escala.

“Sem comprador, não tem mina”, diz Murilo Nagato, diretor-geral da Aclara no Brasil. A mineradora, controlada pela britânica Hochschild Mining e a chilena CAP, ainda não fechou seu contrato de offtake e viu a procura crescer. A inauguração de seu projeto piloto em Goiás, no fim de abril, contou com representantes do governo dos Estados Unidos. “A corrida não é só geológica. É geopolítica”, prossegue o executivo.

Nagato conta que a Aclara está em busca de um sócio estratégico para garantir viabilidade financeira, escala de produção e, futuramente, a verticalização da cadeia – com a produção de óxidos de terras raras e ímãs de alto desempenho no Brasil. 

Ainda em fase pré-operacional e listada na Bolsa de Toronto, a empresa prevê início das operações em 2028, com capacidade de 191 toneladas por ano de DyTb e 1,4 mil toneladas anuais de NdPr. O investimento estimado é de US$ 599 milhões, com retorno potencial de US$ 2,2 bilhões. Além da mina em Goiás, a Aclara conta com um projeto menor no Chile, cuja previsão de início das atividades também está previsto para daqui três anos.

Embora a Aclara tenha reservas menores que as concorrentes — com 298 Mt inferidas — seu foco em terras raras pesadas e em uma planta piloto funcional lhe garante vantagem técnica. Já a Meteoric e a Brazilian Rare Earths têm reservas expressivas em Minas Gerais, mas ainda estão em fases iniciais de exploração ou licenciamento. 

O tempo para um projeto começando do zero hoje até chegar no mercado (o “time to market”, no jargão) hoje é de oito anos, nos cálculos de Rafael Marchi, da Alvarez & Marsal.

Em paralelo, o governo brasileiro vem tentando investir nos minerais estratégicos por meio do BNDES. O banco de fomento já criou dois fundos de investimento: um em parceria com a Vale (de R$ 1 bilhão) e outro de R$ 5 bilhões para fomentar a cadeia de minerais críticos.

Mas os desafios ainda são relevantes: licenciamento ambiental demorado, ausência de um mercado consumidor interno robusto e escassez de capital de risco (venture capital) em nosso ambiente de juros altos.

No tabuleiro global

Sem alarde, investidores e diplomatas começam a tratar as jazidas brasileiras como ativos estratégicos. A disputa já ocorre de forma silenciosa há anos. Para atrair capital dos EUA ou de seus aliados, empresas brasileiras têm evitado fechar acordos com a China à espera de novos investidores. 

Um relatório do Parlamento Europeu apontou a América Latina como novo campo de batalha pelos minerais críticos. Segundo o estudo, 98% dos investimentos chineses em mineração na região entre 2015 e 2021 foram para metais estratégicos, entre eles as terras raras. 

A União Europeia vê o acordo comercial com o Mercosul como chave para garantir acesso a essas matérias-primas. “É um setor em que geologia, diplomacia e finanças estão se misturando. Cada contrato pode definir o alinhamento de um projeto por décadas”, completa Marchi.