A elite do mercado de tênis viu sua vantagem encolher para o segundo pelotão. Nike e Adidas continuam na liderança, mas já não correm sozinhas — e nem tão à frente.
Por décadas, bastava a dupla lançar um tênis e o mercado ia atrás. Só que marcas ocidentais como Skechers, Hoka e On, ao lado das chinesas Anta e Li-Ning, estão reconfigurando um cenário em que o consumidor prioriza conforto, minimalismo e desempenho a uma logomarca estampada no calçado.
Apesar de ainda liderarem com sobras o ranking global — a Nike com cerca de 20% de market share, a Adidas com cerca de 10% —, ambas enfrentam um processo de desgaste mais profundo. Nos números, a dupla ainda têm folga, mas os hábitos de consumo são apontados como detratores da dominância no longo prazo.
A perda de protagonismo hoje é cultural, mas começa a ser também financeira: as margens foram comprimidas por estoques excessivos, descontos e perda de pricing power frente a concorrentes mais ágeis. E perder espaço no mercado não é um bom negócio para Nike e Adidas. Hoje, os calçados representam mais da metade do faturamento da dupla.
Em jogo está a capacidade de manter relevância e rentabilidade em um mercado mais fragmentado e exigente.
Estilo de vida
É fato que os produtos Nike e Adidas viraram símbolos da cultura pop. Mas a renovação da relevância cultural, especialmente entre o público jovem, tem sido um desafio para as duas. Nesse nicho de mercado, marcas como Skechers, New Balance, Golden Goose e Autry ganharam espaço.
Ainda que a marca do Swoosh continue colhendo frutos generosos com a linha Air Jordan, parceria com o ex-jogador Michael Jordan e responsável por 14% da receita da Nike em 2024, a saturação de lançamentos reduziu a exclusividade e o apelo da marca. Como resposta, a Nike começou a reduzir a oferta das linhas Air Jordan 1 e Dunk para tentar restaurar sua atratividade, mas enfrenta dificuldade em gerar novas ondas culturais de impacto semelhante.
A Adidas se aliou a artistas como Pharrell Williams e Beyoncé, e conseguiu muito dinheiro — e polêmicas — com a linha Yeezy, feita em parceria com o rapper Kanye West. A linha foi descontinuada em 2022, após West fazer comentários antissemitas nas redes sociais.
Criada em 2014, a Yeezy gerou mais de US$ 1 bilhão em vendas anuais para a marca das três listras. Após a crise, a Adidas encontrou fôlego no renascimento de modelos retrô, como as linhas Samba e Gazelle, mas ainda sem o mesmo apelo comercial.
A Skechers, por outro lado, seguiu fora do radar da moda e da elite, mas atingiu um público que queria conforto, praticidade e preços mais acessíveis – alguns modelos até três vezes mais baratos.
A marca fez sucesso com profissionais de serviços, como enfermeiros e garçons, assim como no público mais idoso. A estratégia garantiu à empresa a terceira colocação no mercado mundial de tênis, com um faturamento de US$ 8,97 bilhões no ano passado, com mais de 300 milhões de pares vendidos.
Nos últimos anos, a empresa apresentou uma taxa anual de crescimento em torno de 15%, com 38% das vendas ocorrendo nos Estados Unidos. Hoje, a Skechers tem mais de 5 mil pontos de venda em 180 países, sendo 15 deles no Brasil. Foi esse potencial que fez a 3G Capital, firma fundada pelos brasileiros Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira, pagar US$ 9,4 bilhões pela empresa. O trio vê a Skechers bem posicionada para bater de frente com Nike e Adidas.
Nas ruas
Entre os corredores casuais, o declínio de Nike e Adidas é mais perceptível. Ao se afastar das comunidades de corrida e priorizar o lifestyle, a dupla deixou uma brecha na wishlist que vem sendo ocupada por marcas como On, Hoka e Asics, tirando vendas das gigantes.
A suíça On Running é hoje uma das queridinhas dos praticantes de esportes. A aposta está em modelos que apostam em tecnologia e em embaixadores de peso como o tenista Roger Federer, que virou sócio da marca. As linhas Cloudflow, Cloudmonster e Cloudsurfer estão entre as mais desejadas.
A On encerrou 2024 com US$ 2,55 bilhões em vendas e projeta chegar a US$ 3,3 bilhões em 2025, com crescimento forte especialmente na Ásia-Pacífico. A empresa também tem entre seus investidores a família Lemann e Sicupira, os mesmos que compraram a Skechers.
De origem francesa e hoje controlada pela americana Deckers Brands, a Hoka é outra que está crescendo nos últimos anos. No ano passado, a empresa faturou US$ 1,8 bilhão, um salto de quase 28%, e já representa 42% da receita da Deckers. Com solados robustos e design chamativo, modelos como o Clifton, Bondi e Mach X conquistaram tanto corredores profissionais quanto o público casual.
Já a Asics carrega uma autoridade entre os praticantes de corrida. A companhia japonesa tem cerca de 70% de seus calçados na categoria running. No Brasil, a empresa pretende aumentar a presença nas cerca de 8 mil corridas de rua que ocorrem anualmente no país.
Se entre os amadores Nike e Adidas ficaram para trás, no alto rendimento da corrida ainda são os calçados da dupla que dominam o cenário. No circuito das cinco principais maratonas do mundo (Tóquio, Boston, Londres, Berlim, Chicago e Nova York) – as chamadas majors –, atletas femininos e masculinos que usavam as “três listras” venceram seis, enquanto os que ostentavam a “vírgula” levaram outras quatro.
O modelo Adidas Adizero foi dominante na temporada, enquanto o Nike Alphafly foi o principal representante da marca americana. Também venceram atletas que calçavam On (modelo Cloudboom) e Asics (Metaspeed). No circuito de 2025, ainda em andamento, a Adidas levou três vitórias (uma em Tóquio e duas em Londres), enquanto Asics, Under Armour e On completam a lista.
Made in China
No mapa-mundi do tênis, as marcas chinesas vêm consolidando sua força doméstica e começam a mirar os mercados ocidentais. Empresas como Anta e Li-Ning se beneficiam de uma tendência de nacionalismo econômico na China, que favorece empresas locais em detrimento de marcas ocidentais.
A Anta, maior empresa de artigos esportivos da China, hoje tem cerca de 20% de market share no segmento esportivo. Controladora de marcas como Fila, Salomon e Arc’teryx, a Anta entrou nos EUA em 2024 e vem ganhando espaço em plataformas de e-commerce. O jogador da NBA Kyrie Irving é um dos embaixadores da empresa, ocupando a função de chief creative officer (CCO) da marca. No ano passado, o grupo faturou US$ 10 bilhões, sendo quase metade do faturamento vindo da Anta.
Já a Li-Ning, fundada por um ex-ginasta olímpico, combina design com elementos culturais chineses e também tem um jogador da NBA como garoto-propaganda: Dwyane Wade. No ano passado, faturou cerca de US$ 4 bilhões, com destaque para o segmento de calçados, que cresceu 7% e respondeu por quase metade desse total. O crescimento foi impulsionado por modelos de corrida de alto desempenho, como o Ace Flying.
Nike e Adidas, por sua vez, vivem momentos opostos na China. A Nike viu suas vendas caírem 17% no país no primeiro trimestre deste ano, já a Adidas ampliou em 13% a comercialização de seus produtos em um estratégia que priorizou o gosto do consumidor local e abertura de mais de 200 lojas.
Embora a China esteja passando por uma desaceleração econômica e uma natural queda no consumo, o setor de artigos esportivos apresentou crescimento de 11% no ano passado, impulsionado por grandes eventos esportivos e políticas de incentivo do governo.
Hoje, o tênis que você usa diz mais sobre o mundo do que parece.