Larry Ellison, fundador e chairman da Oracle, está fazendo sua maior aposta em décadas. Aos 81 anos, o bilionário que redefiniu o mercado de software quer transformar a Oracle em uma das grandes vencedoras da corrida da inteligência artificial — ainda que isso envolva o maior endividamento da história da companhia.

Nos últimos três anos, as ações da Oracle dispararam 373%, impulsionadas pela explosão da IA generativa e por novos contratos, como o acordo de US$ 300 bilhões com a OpenAI, revelado pelo Wall Street Journal. Esse contrato elevou o backlog de receitas futuras da empresa (“RPO”) de US$ 99 bilhões para US$ 455 bilhões, um salto que fez as ações subirem 36% em um único dia de setembro.

Mas o crescimento tem um preço. Para sustentar a nova fase, a Oracle captou US$ 18 bilhões em títulos de dívida e poderá precisar de mais. A companhia já acumula cerca de US$ 90 bilhões em dívidas de longo prazo, e as agências Moody’s e S&P alteraram sua perspectiva para negativa. Analistas estimam que a empresa pode permanecer com fluxo de caixa negativo por vários anos, devido aos altos investimentos para ampliar data centers e comprar chips da Nvidia.

O reencontro com sua tese

Desde o início da Oracle, Ellison defende que o poder da tecnologia está nos dados — e não no hardware ou no consumo. A ascensão da IA, que depende de volumes colossais de informação e processamento, valida sua visão de décadas atrás. “Larry sempre teve paixão por sistemas que processam grandes volumes de dados centralizados”, diz Zach Nelson, ex-executivo da Oracle.

Logo vermelho ORACLE em edifício de vidro azul sob céu azul.
REUTERS/Mike Blake

Agora, o foco é a Oracle Cloud Infrastructure (OCI), que fornece poder computacional para empresas e, cada vez mais, para gigantes da IA. Diferente de Microsoft e Google, a Oracle não concorre com os clientes no desenvolvimento de modelos de linguagem. Isso a coloca em uma posição “neutra” e estratégica — um papel de “Suíça” no ecossistema de IA.

Parcerias e riscos

O maior cliente, porém, é também o mais arriscado: a OpenAI, que ainda é uma empresa deficitária. Analistas alertam para a concentração excessiva — cerca de US$ 300 bilhões do backlog dependem desse único contrato. Mesmo assim, Ellison segue ampliando a rede de alianças. Ele se aproximou de Sam Altman, da OpenAI, e de Jensen Huang, da Nvidia, e participa do projeto Stargate, uma joint venture com a SoftBank e a OpenAI para investir até US$ 500 bilhões em data centers nos Estados Unidos.

Essas apostas colocam a Oracle em um ponto ambíguo: de um lado, em posição privilegiada para lucrar com a expansão da IA; de outro, exposta a riscos financeiros e de execução sem precedentes. “Larry é resiliente e já reinventou a Oracle diversas vezes”, diz Tom Siebel, ex-executivo da empresa e fundador da C3.ai.

Do banco de dados ao império

Larry Ellison, CEO da Oracle, está de paletó cinza e camiseta preta
Fotos: Crédito: Bloomberg

Fundada em 1977, com apoio de um projeto da CIA, a Oracle nasceu com uma missão: organizar e monetizar dados. O nome da empresa, aliás, vem do codinome desse projeto. Desde então, Ellison transformou a Oracle em líder global de bancos de dados e, depois, em fornecedora de soluções corporativas.

Nos anos 2000, ele iniciou uma sequência de aquisições que moldou o atual império da empresa: PeopleSoft (US$ 10,3 bi), Siebel Systems (US$ 5,9 bi), Sun Microsystems (US$ 7,4 bi), NetSuite (US$ 9,3 bi) e Cerner (US$ 28,3 bi), entre outras.

O próximo capítulo foi a migração para a nuvem. Mesmo cético em relação ao conceito no início — chegou a chamar cloud computing de “besteira completa” — Ellison acabou aderindo. Hoje, a Oracle é uma das quatro grandes provedoras globais de infraestrutura de nuvem, ao lado de AWS, Microsoft Azure e Google Cloud.

A conexão com a mídia

Fora do setor de software, Ellison tem ampliado sua influência no entretenimento. Ao lado do filho David Ellison, fundador da produtora Skydance, ele participou da compra da Paramount por US$ 8 bilhões e agora mira a Warner Bros. Discovery, em um negócio que pode chegar a US$ 60 bilhões.

Em paralelo, a Oracle lidera uma proposta para comprar o controle da TikTok EUA, junto de Silver Lake e do fundo soberano de Abu Dhabi. A ideia é manter o aplicativo como cliente de sua nuvem e evitar que ele vá parar nas mãos de concorrentes como a Microsoft.

O interesse de Ellison, dizem fontes próximas, não é pelo conteúdo, mas pelos dados. “Ele enxerga essas empresas mais como ecossistemas de informação do que como produtoras de entretenimento”, diz uma pessoa próxima ao bilionário.

Um legado em movimento

Com US$ 343 bilhões em patrimônio e uma fatia de 40,6% da Oracle, Ellison segue envolvido em cada decisão estratégica. A companhia, que hoje vale US$ 823 bilhões, supera em valor de mercado a soma de gigantes como Intel, HP e Cisco.

Ainda que enfrente um ciclo de endividamento e riscos de execução, a Oracle vive um novo momento — e Ellison, o último dos titãs originais do Vale do Silício ainda ativo, parece determinado a manter o controle da mesa. “Ele não apenas nomeou a empresa de Oracle”, diz Marc Benioff, da Salesforce. “Ele é o próprio oráculo.”