“Paga, Denise”: a comemoração que virou palavra de ordem entre apostadores brasileiros pode ganhar um novo alvo. A bet365, gigante britânica das apostas online liderada pela discreta bilionária Denise Coates, está analisando propostas para vender parte ou todo o seu império, avaliado hoje em £ 9 bilhões (cerca de R$ 68 bilhões).
A família Coates mobilizou pesos-pesados do mercado financeiro como Goldman Sachs e Bank of America para avaliar propostas de fundos de investimentos. Uma abertura de capital (IPO) em Nova York também não está descartada, de acordo com uma reportagem do The Guardian publicada no início deste mês.
A barreira de entrada no mercado de apostas é um dos motivos de empresas como a bet365 atrair a atenção dos investidores, e seria uma boa saída para a família fundadora, que levantou o negócio praticametne do zero. A operação poderá ser o maior movimento corporativo do setor de apostas em anos — e pode redefinir o jogo global.
Denise, reclusa em Stoke-on-Trent, uma cidade industrial da Inglaterra, talvez nem imagine que se tornou a “madrinha” dos apostadores brasileiros, uma figura mística por trás dos “greens” (apostas bem-sucedidas). Num país onde o futebol é religião e as apostas viraram uma (problemática) paixão, o “Paga, Denise” mistura humor e a fama que o que o site amealhou no Brasil.
“Eu realmente não gosto de atenção. O lado público não é algo natural para mim”, disse Denise, em uma rara entrevista ao Guardian em 2012. “Não quero dizer que sou retraída. Não sou. Sempre fui mandona. É que eu gosto muito de administrar o negócio.”
No Brasil, a bet365 conquistou 20% de um mercado que movimentou cerca de R$ 20 bilhões no ano passado, disputando o topo na preferência do apostador brasileiro com a Betano, que hoje tem 23% de market share. É uma das principais operações do grupo no mundo e o país será relevante seja qual for a mudança societária na empresa.
Dona Denise
Denise, hoje com 57 anos, é formada em econometria pela Universidade de Sheffield e trouxe para a bet365 uma arma poderosa: a habilidade de transformar dados em decisões em um negócio baseado em probabilidade, como as apostas, que vivem de prever o imprevisível. A econometria, que combina estatística, matemática e economia para modelar cenários e prever tendências, era o encaixe perfeito para o mundo das apostas online.
Com essa expertise, Denise pôde analisar padrões de comportamento dos apostadores, otimizar odds em tempo real e gerenciar riscos financeiros, construindo uma plataforma que não apenas sobreviveu como dominou o mercado global.
Caçula de uma família sustentada pelo pai Peter Coates, um ex-mineiro que gerenciava modestas casas de apostas em Stoke, Denise assumiu o negócio familiar aos 22 anos. Em 2000, comprou o domínio bet365.com por US$ 25 mil no Ebay, convenceu o pai a vender as lojas físicas de apostas. Com um empréstimo de £ 15 milhões do Royal Bank of Scotland, usando as lojas do pai como garantia, passou a focar no ambiente digital.
Hoje, a bet365 é um gigante global, com mais de 4 mil funcionários e uma plataforma que cresceu oferecendo apostas ao vivo e streaming de mais de 100 mil eventos esportivos por ano, conquistando mercados como Reino Unido, EUA e Austrália. No Brasil, a legalização das apostas esportivas em 2018 abriu as portas para sua consolidação como líder, impulsionada pelo nome forte que já tinha no exterior e por uma base fiel de usuários.
No ano fiscal encerrado em março de 2024, ela recebeu um salário de £ 94,7 milhões e mais £ 63 milhões em dividendos, sendo uma das mulheres mais bem pagas do mundo. Denise tem hoje 50,2% da bet365 e é co-CEO do grupo ao lado do irmão, John. Sua fortuna, estimada em £ 7,5 bilhões, a coloca entre as mulheres mais ricas do Reino Unido.
Além das apostas, o grupo já teve envolvimento direto com o clube de futebol Stoke City, que foi controlado pela bet365 até 2024, quando passou para as mãos de John Coates. A empresa também mantém a Denise Coates Foundation, que doou £ 120 milhões no último exercício, reforçando a atuação filantrópica da família.
A casa sempre ganha
Embora a história dos Coates seja de sucesso, é importante lembrar que as apostas se tornaram um problema social crescente no Brasil desde a liberação dos jogos, em 2018. O risco de vício é alto e afeta o bolso das famílias. Estima-se que 86% dos apostadores possuem dívidas e 64% estão inadimplentes, de acordo com pesquisa do Serasa.
Há relatos de uso de benefícios sociais em apostas e até impacto no consumo geral, segundo o Banco Central. Apesar dos esforços regulatórios, o setor ainda opera com riscos de crimes financeiros e pressão por integridade esportiva. Atualmente, está em curso no Congresso Nacional a CPI das Bets, que busca apurar irregularidades no setor e os efeitos da publicidade no endividamento da população.
No ano passado, o governo federal aplicou a regulamentação da atividade para tentar diminuir os efeitos negativos e exigir maior responsabilidade das casas – além de conseguir cobrar impostos sobre as bets e os apostadores que eventualmente ganhem da banca.
Nos últimos anos, a bet365 enfrentou turbulências também em outros mercados. Em 2024, investigações por lavagem de dinheiro na Austrália e reclamações de £ 19,9 milhões de consumidores na Alemanha e Áustria expuseram vulnerabilidades. A empresa também abandonou o mercado da China por conta da pressão regulatória.
As negociações entre os bancões gringos e possíveis compradores da bet365 estão em curso e ainda adivinhar o desfecho do negócio é uma aposta de alto risco.