Mesmo com estrutura de governança consolidada, capital aberto e presença global, o grupo ainda gira em torno das decisões e das figuras de Daniel Randon e David Randon, herdeiros da segunda geração que hoje ocupam os cargos de CEO e presidente do conselho, respectivamente.
Nos últimos anos, a maior fabricante de semirreboques da América Latina vinha em um movimento oposto: o de profissionalizar a gestão executiva e concentrar a família fundadora no conselho de administração. O símbolo dessa fase era Sérgio Carvalho, que desde 2022 ocupava o cargo de CEO do grupo, sendo o primeiro de fora da família Randon.
Mas, em setembro deste ano, Carvalho deixou o cargo por razões pessoais e Daniel Randon, que ocupou a cadeira de CEO entre 2019 e 2022, voltou para o cargo. O mercado financeiro viu nesse retorno uma sinalização de que ainda não há um sucessor interno preparado para reduzir a dependência da Randoncorp da família, um problema em um conglomerado que tem expandido sua atuação por diferentes áreas nos últimos anos.
Hoje, além dos semirreboques, os negócios da Randoncorp passam pela fabricação de sistemas de freios, suspensões e vagões ferroviários, pela venda de consórcios e seguros e até pela produção de nanopartículas de nióbio.
Improviso que criou um império
A origem da Randon é bem menos corporativa. Em 1949, os irmãos Hercílio e Raul Randon abriram uma pequena oficina em Caxias do Sul (RS) para consertar motores. Dois anos depois, um incêndio destruiu o galpão e quase encerrou a história antes mesmo de começar.
Forçados a recomeçar, os irmãos apostaram em um projeto inédito no Brasil: o freio a ar comprimido. A tecnologia se mostrou ideal para os caminhões que enfrentavam as ladeiras da serra gaúcha. A invenção ganhou fama entre os motoristas e virou o embrião do que viria a ser a Mecânica Randon.
Na sequência, vieram os primeiros semirreboques, de um, dois e três eixos, e o negócio deslanchou. A expansão nacional nos anos 1970 levou o grupo à Bolsa de Valores, mas a euforia foi seguida por uma das maiores crises de sua história: o choque do petróleo e o ambiente econômico adverso obrigaram a Randon a recorrer a uma concordata (antecessora da recuperação judicial).
A família conseguiu reverter o quadro dois anos depois, em 1984, com cortes de custos e uma reestruturação drástica. Foi a primeira de várias viradas que marcariam o DNA da empresa.
Início da sucessão
Com a morte de Hercílio, em 1989, Raul Randon assumiu sozinho o comando. O fundador percebeu cedo que a longevidade da empresa dependeria de governança e preparo sucessório.
Nos anos 1990, criou uma holding familiar e um conselho de família para organizar a participação dos cinco filhos nos negócios. Cada um deles passou a ter sua própria holding, e as decisões estratégicas começaram a ser tomadas de forma colegiada.
A sucessão foi planejada com cuidado. No início dos anos 2000, Raul propôs que os próprios filhos escolhessem quem o substituiria na presidência. O consenso recaiu sobre David Randon, que assumiu o comando em 2009, em um período de bonança para a indústria automotiva brasileira.
Mas, em 2014, a maré virou. A recessão nacional e o colapso do setor de veículos pesados colocaram a empresa novamente em crise. A dívida disparou, e a Randon precisou reduzir drasticamente seu tamanho para sobreviver.
Um grupo mais resiliente
Superada a turbulência, Daniel Randon, o filho mais novo, assumiu a presidência em 2019. Desde então, tem liderado uma mudança profunda no modelo de negócio.
O novo ciclo combina diversificação, internacionalização e inovação tecnológica. A pandemia de Covid-19 e as recentes tarifas comerciais dos Estados Unidos reforçaram a tese de Daniel de que empresas industriais precisam ter presença global e exposição local. Ou seja, produzir em diferentes regiões para mitigar riscos de câmbio, logística e política.
O México se tornou um exemplo dessa estratégia: 90% da produção local da Randon atende ao mercado interno, o que dá estabilidade e reduz a dependência de exportações.
Além disso, o grupo tem investido em novas frentes de negócios. Neste ano, a Randon vendeu 20% de sua operação de consórcios e seguros para o fundo Patria Investimentos. A unidade, batizada de Rands, é hoje a terceira maior administradora de consórcios de veículos pesados do país e prepara expansão com novos produtos financeiros.
Entre os projetos mais ambiciosos da Randon está a Nione, divisão que pesquisa o uso de nanopartículas de nióbio. Um dos lançamentos já feitos pela Nione é um revestimento protetivo com nióbio que é até 400% mais resistente à corrosão do que um revestimento padrão.
Por enquanto, o negócio é uma aposta de longo prazo, mas mostra a tentativa do grupo de se reposicionar como empresa de tecnologia industrial, e não apenas uma fabricante tradicional de caminhões e peças.
O InvestNews procurou a família Randon, mas os integrantes não concederam entrevistas.