Mais de um terço dos alimentos produzidos no mundo não chega ao destino final, os estômagos humanos. De acordo com a ONU, 13% se perde no caminho entre as produção e os supermercados, enquanto outros 19% são desperdiçados nos pontos de venda, nos restaurantes e nas casas.
No Brasil, 46 milhões de toneladas de comida acabam no lixo a cada ano. Nos EUA, 54 milhões. São diversas as razões.
No caso dos vegetais e frutas, os supermercados exigem aparência perfeita para que, além de frescos, os alimentos sejam bem apresentados nas prateleiras. Qualquer desvio no look torna o alimento não-vendável.
Além disso, há produtos industrializados cujas datas de validade de venda (não de consumo) estão prestes a vencer, mas ainda apresentam a qualidade necessária para serem consumidos. Ficam de fora ainda embalagens amassadas ou que tenham qualquer defeito estético.
Mas há algumas empresas tratando de minimizar o desperdício. Uma delas é a Misfits Market, que nasceu em 2018 na Filadélfia, com o propósito de resgatar frutas, legumes e produtos que iriam para o lixo, e vendê-los para consumidores finais a preços 30% menores que os de mercado.
As vendas acontecem por meio de uma assinatura semanal – você recebe em casa uma caixa com os produtos que escolhe durante a semana no site da empresa. A desvantagem é a oscilação na oferta de produtos.
Ainda assim, esse porém parece não intimidar os consumidores. Em 2022, a Misfits anunciou a aquisição de sua concorrente, a Imperfect Foods, por US$1 bilhão. Debaixo do mesmo guarda-chuva, mas operando separadas, elas ganharam escalabilidade e uniram o investimento em operações, logística e propaganda.
“Temos uma oportunidade de reimaginar o sistema alimentar dos Estados Unidos, que está quebrado”, disse na época da aquisição, o fundador e CEO da Misfits Market, Abhi Ramesh, assumiu a mesma posição na empresa combinada.
Na Dinamarca, nasceu o “Too Good to Go”, que funciona desde 2015, de uma forma diferente: por meio de um aplicativo, a empresa conecta padarias, restaurantes, pizzarias, mercearias e cafés a consumidores, que acabam comprando, por um preço muito mais em conta, o que estes estabelecimentos jogariam fora diariamente. Eles preparam uma “embalagem surpresa” e vendem no aplicativo.
A idéia foi tão bem recebida, que em 2016, a “Too Good to Go” expandiu para Noruega, Reino Unido e França. No mesmo ano, o empreendedor norueguês Mette Lykke tornou-se investidor da marca, assumindo o posto de CEO em 2017. Hoje, a “Too Good to Go” está em 17 países, incluindo os EUA e o Canadá, com mais de 100 milhões de usuários cadastrados, que consomem alimentos de 170 mil estabelecimentos.
No Brasil, quem opera um sistema assim é a Food to Save, surgida em 2021. Em outubro de 2024, a startup firmou uma parceria com o GPA: as redes Pão de Açúcar e Extra passaram a preparar “sacolas surpresa” com produtos prestes a vencer – e que provavelmente terminariam no cemitério dos alimentos não consumidos. Os descontos chegam a 70%.
Outro exemplo vem de Ben Moore, um empreendedor da Califórnia, que faz parte da quarta geração de uma família de fazendeiros. “Não se julga a fruta pela capa”, ele brinca. Fundador e CEO da The Ugly Company, ele transforma mangas, pêssegos, cerejas e ameixas que seriam descartadas por não possuírem o padrão de beleza ideal, em frutas secas, vendidas em embalagens – bonitas – e distribuídas em redes de supermercado nacionais, incluindo a Whole Foods, gigante dos EUA especializada em orgânicos.
Em 2023, a empresa recebeu um aporte de US$9 milhões numa rodada de investimentos da qual participou o músico americano Justin Timberlake. O dinheiro foi destinado à infraestrutura do negócio e à expansão das vendas.
“Meu pai é agricultor e me criou sentado num trator”, disse Moore. Mas só notei o desperdício de alimentos quando cresci e me tornei caminhoneiro. Passei a me dedicar à garantia de que cada pedaço de fruta cultivada seja consumida por pessoas, em vez de acabarem em aterros sanitários ou destinadas ao gado”, sublinhou o agricultor.
Em 2025, a empresa terá salvo mais de cinco mil toneladas de frutas do desperdício.