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Rumo dos negócios da Vale com recuperação lenta da China divide especialistas
Prejudicada pelo recuo dos preços do minério de ferro, a ação da mineradora atingiu em maio o menor patamar desde setembro de 2022.
A ação da Vale (VALE3) chegou a atingir em maio o menor patamar desde setembro de 2022, impactada pelo recuo do preço do minério de ferro em meio à recuperação lenta da economia da China. Este cenário divide opniões de especialistas consultados pelo InvestNews sobre os possíveis reflexos para os negócios da mineradora.
De um lado, há quem defenda que os impactos são significativos pelo fato de a China ser um dos principais mercados para a Vale. Do outro, a avaliação é que, olhando para o longo prazo, a mineradora é uma empresa referência na parte de soluções para siderurgia e, por isso, não está ameaçada.
Marco Saravalle, analista e sócio-fundador da SaraInvest, avalia que, hoje, o crescimento da China está muito mais sustentado no mercado local, sobretudo em consumo e serviço, e menos em exportações e produção industrial, especificamente.
“O mercado está revisando suas projeções, e o minério de ferro está sendo revisitado por isso, mas, ao mesmo tempo, vemos que a Vale continua sendo a melhor, uma das melhores qualidades de reservas do mundo. Então, não temos preocupações em relação ao negócio”, acredita Saravalle.
Por outro lado, para Fabrício Gonçalvez, CEO da Box Asset Management, o cenário atual da economia chinesa pode impactar as perspectivas de negócios da Vale, uma vez que a China é um dos principais mercados para a empresa brasileira de mineração.
“A Vale tem uma grande dependência das exportações para a China. A desaceleração econômica do país pode levar a uma redução na demanda por minério de ferro, afetando negativamente os negócios da Vale. Além disso, a estratégia do governo chinês de fortalecer o mercado interno pode resultar em uma redução nas importações de minério de ferro, já que a China pode buscar aumentar a produção doméstica para atender à demanda interna”, avalia Gonçalvez.
Impactos na ação da Vale
Em 24 de maio de 2023, a ação da Vale encerrou o pregão negociada a R$ 65,05, o menor patamar desde 8 de setembro de 2022, quando fechou o dia negociada a R$ 64,51. Já no acumulado de 2023 até 24 de maio, a ação da Vale tem perda de mais de 27%. Confira:
Apesar de a economia da China crescer em um ritmo mais rápido do que o esperado no primeiro trimestre deste ano, com o Produto Interno Bruto (PIB) avançando 4,5% em relação ao mesmo período de 2022, dados econômicos recentes, de abril, do país apontam uma recuperação irregular.
O crescimento da produção industrial e das vendas no varejo da China ficaram abaixo das previsões. O índice de preços ao produtor registrou a maior contração em três anos. O índice de preços ao consumidor avançou no ritmo mais lento em mais de dois anos. As importações recuaram 7,9%.
Com isso, os números passaram a sugerir que a recuperação econômica do país está perdendo força, em meio ao foco do governo chinês em buscar fortalecer o mercado local.
Dúvidas sobre uma retomada econômica da China mais intensa, a sustentabilidade da demanda de minério de ferro e de estímulos por parte do governo chinês estão entre os pontos de atenção citados por analistas consultados pelo InvestNews que podem mexer com os papéis da Vale.
Novos passos da China
Em meio a lockdowns, testagens com frequências e quarentenas, a China manteve uma abordagem rigorosa de “covid zero” desde o início da pandemia.
Com o encerramento desta política sanitária ao final de 2022, foram grandes as expectativas de melhora nos níveis de atividade econômica do país. As perspectivas majoritárias eram que a segunda maior economia do mundo retomasse seu ritmo de crescimento, voltando ao seu potencial econômico.
Luan Alves analista-chefe da VG Research, lembra que o mercado passou por três a quatro meses de muito pessimismo com a China durante as intervenções que o Partido Comunista realizou em diversos setores da economia.
“Quando todos foram surpreendidos pelo anúncio de flexibilização das regras sanitárias, vimos um forte rali ao final do ano. Na nossa visão, a retomada econômica não seria em ʽVʼ e os dados de atividade ainda continuariam pressionados por um tempo”, afirma Alves.
No último dia 18, o primeiro-ministro chinês, Li Qiang, disse que a China adotará medidas mais direcionadas para expandir a demanda doméstica e estabilizar a demanda externa, em um esforço para promover uma recuperação econômica sustentável.
O ministro disse ainda que a China vai acelerar o desenvolvimento de novos modelos de negócios para o comércio exterior e que vai encontrar maneiras de estabilizar sua participação no mercado internacional.
Ariane Benedito, economista especialista em mercado de capitais, avalia que os ajustes de políticas econômicas anunciados pelo governo chinês, com foco mais qualitativo, a chamada “prosperidade comum”, gerou uma dúvida sobre o crescimento da economia chinesa que afeta todo o mercado global.
Ainda de acordo com Benedito, mais recentemente, parceiros comerciais, como é o caso da Vale, buscaram acordos com a China para proteger suas operações das movimentações do governo diante dos objetivos econômicos.
“Acredito que o mercado está precificando não só um crescimento mais fraco da China, mas, também, nas demais economias, o que acentua a queda dos preços no mercado de commodities. Entretanto, a nossa expectativa para a atividade chinesa este ano é de aproximadamente 5%, o que nos torna otimista tanto para o minério de ferro, mas, também, para o balanço de empresas do setor”, avalia a economista.
Retomada chinesa…e a Vale?
Fabrício Gonçalvez, CEO da Box Asset Management, lembra que, embora a China historicamente tenha adotado políticas de estímulo para impulsionar sua economia durante desacelerações, a eficácia dessas políticas pode variar.
“É possível que as políticas de estímulo da China possam ter um impacto positivo nas mineradoras, incluindo a Vale, ao impulsionar a demanda por commodities metálicas. No entanto, é crucial reconhecer que a situação econômica é complexa e influenciada por vários fatores, como o equilíbrio entre o crescimento econômico e as preocupações ambientais, além das mudanças na demanda global e nos preços das commodities”, considera Gonçalvez.
Lucas Serra, analista da Toro Investimentos, lembra que, inicialmente, esperava-se que a economia chinesa tracionasse de forma mais rápida, sobretudo após o anúncio do fim das políticas de “covid zero”.
“Apesar da retomada mais lenta, ela vem acontecendo. Observa-se, como já era de se esperar, uma retomada mais contundente no setor de serviços em um primeiro momento. Contudo, o segmento industrial e de construção civil também vem se restabelecendo. A expectativa é de que as mineradoras sigam se recuperando”, diz Serra.
Impactos nas commodities metálicas
Analistas da Toro Investimentos relembraram em relatório que, com as políticas desenvolvimentistas adotadas pelo governo para o crescimento nas últimas décadas, a China tornou-se o maior importador mundial de minério e de metais. Assim, hoje em dia, a demanda pela commodity está diretamente relacionada ao crescimento chinês, com impacto no preço de negociação.
“A construção civil é um dos principais consumidores de minério de ferro para produção de aço. Esse segmento, por muito tempo, sustentou o elevado crescimento econômico chinês, favorecendo a criação de empregos e o desenvolvimento das cidades, suprindo parte dos déficits habitacionais existentes. Contudo, este mercado dá sinais de saturação, como pode ser observado pelos decrescentes investimentos imobiliários desde 2010”.
TORO INVESTIMENTOS.
O país asiático é o principal parceira comercial do Brasil, sendo o destino de mais um quarto das exportações totais brasileiras.
O minério de ferro é o terceiro principal produto exportado para os chineses. A China comprou o equivalente a 63% do minério de ferro exportado pelo Brasil em 2022, segundo a Secretaria de Comércio Exterior.
Os investimentos de janeiro a abril no setor imobiliário, que é o principal demandante de aço da China, caíram 6,2% em relação ao ano anterior, contra uma queda de 5,8% nos primeiros três meses de 2023. Já os investimentos na área de infraestrutura no primeiro quadrimestre cresceram 8,5% em relação ao mesmo período do ano anterior, ante 8,8% nos primeiros três meses do ano.
Fabiano Vaz, sócio e analista de ações da Nord Research, explica que os resultados da Vale dependem do minério de ferro e que a China, a maior consumidora, acaba mexendo com o preço da commodity.
“O mercado imobiliário ainda está em crise há alguns meses, há um cenário um pouco incerto sobre isso, apesar de o governo demonstrar alguma vontade em entrar e acabar diretamente mexendo no mercado, mas a perspectiva ainda está bem nebulosa. Para infraestrutura também. Já vimos o governo chinês falando algumas vezes de estímulo, mas não conseguimos enxergar nada muito concreto. Até por isso não vimos uma recuperação no preço da commodity”, diz Vaz.
Perspectivas para o minério de ferro
A atividade de construção de projetos de infraestrutura e residenciais da China foi mais fraca do que o esperado até agora este ano. Segundo a GF Futures, para o segundo semestre as expectativas de consumo de aço também não são boas.
O minério de ferro já caiu quase 18% desde a metade do mês de março. Veja o histórico da cotação futura do minério de ferro desde 7 de dezembro de 2022, quando a China anunciou a flexibilização geral da política de “covid zero”:
Alves, da VG Research, diz ter uma visão mais cautelosa para a dinâmica de preços da commodity nos próximos anos, entendendo que a região de US$ 100 por tonelada está próxima ao patamar justo.
“Para a Vale isso não é um problema necessariamente. O custo de caixa da companhia é inferior e o ponto de equilíbrio da geração de caixa fechou em US$ 68, o que dá uma margem interessante para a companhia”, diz Alves.
Já Gonçalvez considera que a Vale pode enfrentar um impacto significativo em meio a um freio nos investimentos em infraestrutura e na construção civil da China, uma vez que esses setores são grandes consumidores de commodities metálicas, incluindo o minério de ferro.
“A Vale é uma das principais produtoras e exportadoras de minério de ferro do mundo e possui uma dependência considerável do mercado chinês. Uma queda na demanda chinesa pode resultar em excesso de oferta de minério de ferro no mercado global, o que pode levar a uma pressão sobre os preços. Isso pode afetar negativamente os resultados financeiros da Vale e reduzir sua rentabilidade”, diz o CEO da Box Asset.
Em meio à desvalorização do minério de ferro, o lucro atribuído aos acionistas da Vale caiu 58,7% no primeiro trimestre de 2023 ante o mesmo intervalo do ano passado, para US$ 1,837 bilhão.
Lucas Serra, analista da Toro Investimentos, destaca que outro aspecto que pode mexer com o preço do minério de ferro é o quão profunda pode ser a recessão econômica nos Estados Unidos e se o Federal Reserve (Fed), o banco central norte-americano, reduzirá juros ainda em 2023, o que pode diminuir o custo de oportunidade de novos investimentos em geral.
Expectativas para a ação da Vale
Gonçalvez, Box Asset, explica que o mercado precificou um resultado fraco para o primeiro trimestre de 2023, juntamente com uma expectativa frustrada de demanda por aço na China, desencadeando uma forte pressão vendedora sobre as ações da empresa.
Apesar das circunstâncias desfavoráveis, o CEO da Box Asset destaca que a Vale ainda é uma empresa com fundamentos sólidos e com um papel importante no mercado global de mineração.
“Existem outras preocupações em relação ao cumprimento das metas de produção e custos, o que pode complicar a situação da mineradora nos próximos trimestres. Diante da queda acentuada recente, a Vale pode ser vista não como uma empresa em um momento favorável, mas sim como uma empresa justa, que está sendo negociada a um preço atrativo”.
Fabrício Gonçalvez, da Box Asset.
Alves, da VG Research, diz ter uma visão relativamente otimista do preço atual da ação da Vale. “A ação faz parte da nossa carteira, mas não estamos com posição máxima. Entendemos que os resultados continuaram fracos no curto prazo e o noticiário ainda será negativo. Então, optamos por ter espaço para ir aumentando a posição à medida que a confiança melhore”, diz.
Na mesma linha, Marco Saravalle, analista e sócio-fundador da SaraInvest, também está otimista com o preço da ação da Vale negociado abaixo de R$ 70.
“A companhia gera muito caixa e é um preço bom de entrada para quem está olhando a médio e longo prazo. Nesse patamar de preços, a empresa também deve ser uma boa geradora de dividendos. A gente recomenda compra para quem tem visão de longo prazo e esse patamar é bom para entrada”, destaca Saravalle.
Lucas Serra, analista da Toro Investimentos, avalia que, ao longo de 2023, pode-se observar alguns choques advindos, principalmente, da China, mas, também, dos Estados Unidos. “Essas oscilações, inclusive, se mostram interessantes para comprar ativos bons, descontados e perspectivas positivas no longo prazo. Seguimos com nossa recomendação de compra da ação da Vale com foco no longo prazo, com preço- alvo em R$ 105”, recomenda Serra.
Já Fabiano Vaz, sócio e analista de ações da Nord Research, alerta que os resultados dependem do preço do minério de ferro. “Não vemos como recomendação ter Vale hoje. Ela depende muito do preço da commodity. A China que acaba mandando no preço, por isso, não temos uma perspectiva tão interessante”, conclui Vaz.
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