A privatização da paulista Sabesp, realizada na última semana, abriu os olhos de quem tem interesse em investir no setor de saneamento – e também de governos estaduais e municipais que controlam empresas do setor Brasil afora.
Para Cláudio Abduche, diretor-presidente do Grupo Águas do Brasil, os quase R$ 200 bilhões de demanda por uma fatia da empresa – 12,7 vezes o valor da oferta – mostram que há cheque para bons projetos em uma área que precisa acelerar.
É bem verdade que uma diferença de preço entre o papel negociado na B3 (mais alto, superior a R$ 80) e o pago na oferta (mais baixo, R$ 67) tenha dado um bom empurrão no número de interessados. Mas Abduche acredita que, além de mostrar que há dinheiro disponível no mercado acionário para o setor, a privatização da Sabesp chamou a atenção de governos regionais que estudam colocar parte do serviço de saneamento nas mãos do setor privado, seja por meio de privatização, seja por meio de concessões.
“É natural que os vizinhos vejam se a privatização do saneamento deu certo para colocarem na rua seus projetos”, diz o executivo, que era diretor da Águas de Niterói quando a empresa foi concedida, em 1999. A operação deu início à holding Águas do Brasil, controlada pelo empresário João Pedro Backheuser (apelidado de Doica), que não tem capital aberto em Bolsa e faturou R$ 1,7 bilhão em 2022 (dados mais recentes). Hoje, são 15 concessionárias que atendem 32 municípios de Minas Gerais e Rio de Janeiro.
Próximas concessões
Para investidores estratégicos – como é a Águas do Brasil ou players como Aegea, BRK Ambiental, Iguá e, agora, a Equatorial –, a próxima operação que deverá testar o apetite do mercado é a privatização da Companhia de Saneamento de Sergipe (Deso), prevista para o início de setembro.
Diferentemente da Sabesp, no caso da Deso a oferta será dirigida apenas para quem oferecer o melhor preço pela concessão. O lance mínimo para a outorga é de R$ 1,89 bilhão. Não haverá oferta para o investidor pessoa física.
Na privatização do saneamento de Sergipe, desenhada pelo BNDES, além do valor da outorga, o comprador deverá investir R$ 6,3 bilhões em projetos para a universalização do saneamento em 71 dos 75 municípios sergipanos, ou uma população de 2,3 milhões de pessoas.
Abduche desconversa sobre a participação da Águas do Brasil no leilão da Deso. Diz que o grupo está sempre “de olho no mercado, à espera de boas oportunidades de investimento”. Além da privatização da sergipana Deso, estão previstos para os próximos meses leilões de empresas de saneamento dos Estados de Rondônia, Pernambuco e Paraíba, além da concessão em municípios como Palhoça (SC) e Divinópolis (MG).
“Se o projeto é bem modelado, sempre vai ter procura. Pode não ter oito, dez empresas, mas sempre vai haver competição”, diz Abduche.
Universalização
Quatro anos depois da aprovação do Marco do Saneamento, os investimentos necessários para cumprir a meta de o país ter 99% da população com água potável e 90% com coleta e tratamento de esgotos seguem patinando. Está cada vez mais difícil que esse objetivo seja alcançado até o fim de 2033.
“As novas oportunidades [de concessão] deram uma rareada. O mercado viveu um período de dúvidas sobre a continuidade do Marco do Saneamento em 2023, mas já foi superado. Se queremos atingir a meta, teremos que ser mais rápidos. Não parece, mas nove anos passam voando”, disse Abduche ao InvestNews.
O Instituto Trata Brasil, que desde 2009 monitora o acesso do país à água e esgoto no país, é mais direto na análise. Nesse ritmo, que é criticado por Abduche, a meta será alcançada somente em 2070. Além da velocidade, o desembolso é alto. Segundo cálculos mais recentes do governo federal, serão necessários US$ 100 bilhões em investimentos.
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O Marco do Saneamento é o arcabouço legal para os contratos de concessão de saneamento – medida vista como necessária para atingir a universalização. É nesses contratos em que há a obrigatoriedade de as empresas, sejam elas privadas ou públicas, cumprirem a meta de 2033. Caso contrário, as companhias poderão ser multadas e até perder os contratos de concessão.
O executivo diz que os projetos iniciados após a definição das novas regras caminham para cumprir as metas de universalização. A questão, destaca, é a falta de novos projetos em outras regiões. Sem eles, a perspectiva do avanço do saneamento básico de forma ampla no país fica muito distante.
Outro fator que contribuiu para esfriar o avanço de novos projetos no setor é o custo de capital, hoje em dois dígitos. O setor de saneamento tem acesso a linhas de crédito do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), mais baratas do que as de mercado, é verdade. Mas, mesmo essas linhas estão hoje com juro em torno de 12% e 13% ao ano. “É a melhor taxa possível dentro do atual cenário, mas torna o investimento em infraestrutura, que por si só é complexo, em algo ainda mais desafiador”, acrescenta Abduche.
A grande vantagem do crédito provido por bancos de fomento é o prazo mais longo e a possibilidade de ter uma carência (prazo) para o início do pagamento, explica. Atualmente, cerca de 90% das fontes de financiamento do Águas do Brasil vêm dessas instituições. Somente 10% vêm do apoio do mercado de capitais, que tem tolerância menor para esse tipo de operação.
Apesar do custo, o Águas do Brasil finalizou um aporte de R$ 333,7 milhões para ampliar o tratamento de água e esgoto em seis cidades do Rio de Janeiro. Com os recursos, serão construídas oito Estações de Tratamento de Esgoto (ETE), que serão capazes de tratar 25 milhões de litros de esgoto por dia – as novas estruturas deverão ser entregues até 2026.
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