“Descer lá para BC no finalzinho do ano (…)” Isso não é só um hit chiclete. É também um movimento feito por milhões de brasileiros nos últimos anos, claro.
Não só para Balneário Camboriú: várias cidades de Santa Catarina testemunham influxos de cada vez mais gente chegando. E não só no finalzinho do ano: muitos estão se mudando para terras catarinenses de mala e cuia – neste caso, cuia de tererê, o chá gelado típico do Centro-Oeste.
A parte sobre Mato Grosso e adjacências nós vamos ver mais adiante. Por enquanto, repare na tabela aqui embaixo:
Das cinco cidades com o metro quadrado mais caro do Brasil (considerando o valor médio por cidade), quatro são catarinenses: Balneário Camboriú, Itapema, Itajaí e a capital do Estado, Florianópolis, todas com o valor médio acima de R$ 11 mil, segundo o índice FipeZAP.
Economista responsável pela pesquisa, Alison Oliveira diz que o valor do metro quadrado nas cidades catarineses “tem apresentado um crescimento constante acima da média nacional”, especialmente nas cidades litorâneas, o que é o caso das quatro líderes citadas ali em cima.
O motivo? O de sempre: demanda maior do que a oferta. Não importa se o interesse de quem compra é alugar para temporada ou comprar para fazer residência, a disputa por terrenos e imóveis em Santa Catarina é feroz.
Entre 2010 e 2022, a população de Santa Catarina cresceu em 1,4 milhão de habitantes, um avanço de 21,8% – o segundo maior entre os estados brasileiros no período, só atrás de Roraima, e muito acima do crescimento da população brasileira em geral, de 6,5%.
“Por muito tempo, parecia que Santa Catarina só estava no caminho entre Curitiba e Porto Alegre. Nos ressentíamos muito disso”, desabafa Marcelo Brognoli, presidente do Conselho Regional dos Corretores de Imóveis local (CRECI-SC).
Hoje o é difícil é não notar Santa Catarina. O Estado figura nos primeiros lugares de rankings como do Índice de Desenvolvimento Humano (3º entre as 27 unidades da federação), renda média per capita (5º), Produto Interno Bruto (6º). Há alguns anos a economia do Estado cresce acima da média do país. No ranking da segurança, o topo é catarinense: menor média de mortes violentas do Brasil.
Corretor em Santa Catarina há mais de meio século, Brognoli avalia que o turismo crescente no Estado tem funcionado como um chamariz. “A pessoa viaja pra cá e se encanta com a região pela qualidade de vida, pela segurança, pela limpeza das cidades… Aí acaba procurando imóvel e transfere residência”, explica.
“Esse é um processo que já vem de alguns anos, mas teve um incremento na pandemia”.
O empresário paulistano Luis Fernando Klava foi um desses. Antes da Covid, ele já frequentava as praias de Floripa, BC e Bombinhas nas férias e em datas especiais, mas a relação com o Estado do Sul ganhou outros contornos na crise sanitária.
“Quando eu percebi que ia demorar para acabar a pandemia, pensei ‘cara, não vou ficar em São Paulo, não, vou me mandar pra Santa Catarina’. Aí peguei um AirBnb na beira da praia para pelo menos ter natureza e alguma qualidade de vida no meio daquele Deus nos acuda”, resume.
Foi um testar as águas. Depois de três meses em Florianópolis, o retorno a São Paulo se tornou um baque para Luis – e a ideia de descer para SC foi ganhando força, até virar realidade, em 2021. Como não consegue abrir mão dos negócios em São Paulo, o empresário vai a cada 15 dias para a capital paulista e lida com os custos de ter uma casa em cada cidade.
Se está valendo a pena? Ele não tem dúvidas.
“Eu estava estressado, ansioso e tinha pelo menos uns 15 quilos a mais. Hoje consigo botar o pé na areia, curtir uma cachoeira, me exercitar na natureza. Tudo isso me deu uma estabilidade física e emocional que me ajuda a não embarcar naquele estresse maluco de antes”, argumenta o empresário.
“Às vezes alguém me pergunta por que eu não me mudei para Maresias, que é mais perto de São Paulo. Cara, Maresias são três horas para ir e três horas para voltar. É mais rápido [ir para SP] quando você mora em Floripa!”.
De Floripa a BC
Não é de hoje que brasileiros de outros estados aproveitam Santa Catarina. Gaúchos e paranaenses já enchiam as praias catarinenses décadas atrás nos períodos de férias, lembra Raul Juste Lores, jornalista especializado em arquitetura e urbanismo.
“O presidente João Goulart tinha casa em Balneário Camboriú, e isso na década de 1950!”, exemplifica, citando o gaúcho de São Borja deposto pelos militares em 1964.
Para Raul, houve algumas “ondas” de brasileiros de outros estados se interessando por SC. Se nas décadas de 50 e 60 as praias catarinenses foram “descobertas” pelos vizinhos do Sul, a partir dos anos 80, Balneário Camboriú começou a atrair aposentados sulistas e turistas argentinos – o que ajuda a explicar a onipresença de barraquinhas vendendo “churros gourmet” nas praias dali.
A onda dos nos 1990 e 2000 foi formada principalmente por paulistanos que migraram para Florianópolis em busca de maior qualidade de vida. Esse movimento segue forte e, de acordo com profissionais do mercado imobiliário com quem o InvestNews conversou, ganhou ímpeto desde a pandemia, a exemplo do Luis Fernando Klava, citado acima.
“Nos últimos 10 anos, Floripa virou um mega pólo digital”, destaca Raul. “Tem muito paulista com dinheiro que quer viver de chinelo, vai pra lá e abre uma startup”.
Se o estilão “vida simples” é o que atrai os paulistas para a capital dos barrigas-verdes, Balneário Camboriú vende o oposto: a cidade com o metro quadrado mais caro do Brasil seduz pelo fervo e caiu nas graças dos endinheirados do agronegócio brasileiro – o que nos leva de volta ao hit de Brenno & Matheus com DJ Ari SL.
É sério. Eles cantam o seguinte:
“Papai deixou uma herança bem gorda pra mim
Tem terra pra plantar e pra criar uns gadin
Mais eu me dei conta que isso não é pra mim
Prefiro pé na areia do que pé no capim”
E aí o refrão termina desse jeito:
“Nós vai descer, vai descer,
Descer lá pra BC
No finalzinho do ano
Os cowboy vai litorando e vai torar você”
Mas por que os agroboys do Centro-Oeste vão “litorar” em BC?
“São justamente os gaúchos e paranaenses que, nos anos 70, se tornam os pioneiros da fronteira agrícola do Centro-Oeste. O milagre econômico do Centro-Oeste que a China produziu dos anos 2000 para cá gerou dinheiro para as pessoas que já aspiravam ao litoral de Santa Catarina antes de ficarem ricos”, argumenta Juste Lores.
“Não me estranha que goianos e matrogrossenses queiram investir em Santa Catarina quando enriquecem. É um Centro-Oeste que tem suas raízes no Sul. Balneário é a praia deles”.