O setor de bebidas alcóolicas global passa por uma crise de abstinência. Isso porque, cada vez mais, os consumidores têm optado por ficar sóbrios. As causas variam, mas, basicamente, houve uma mudança de hábitos no pós-pandemia, com uma redução significativa das garrafas de destilados, vinhos e latinhas de cerveja nas compras do mês. Além disso, existem ainda as questões geracionais, com os mais jovens menos propensos a adotar os costumes festivos dos mais velhos.
Durante a pandemia, sem poder gastar com viagens, restaurantes e noitadas, e, portanto, com mais dinheiro no bolso, as pessoas aumentaram o consumo de bebidas alcóolicas em casa. A volta da socialização após a fase de emergência, porém, trouxe fenômenos concorrentes aos hábitos etílicos. Muitos consumidores passaram a gastar mais com bem-estar e estética. Traduzindo: com medicamentos antiobesidade, equipamentos esportivos, academias, bebidas protéicas e aquelas com baixo teor alcoólico ou sem álcool.
Os mais jovens também têm repensado os hábitos festivos e o volume consumido de álcool. Essa mudança tem tanto a ver com saúde como com a imagem nas redes sociais. A principal autoridade médica nos EUA, por exemplo, emitiu um alerta no início de janeiro sobre não haver quantidade segura de consumo da substância.
O chefe do órgão, o cirurgião-geral dos Estados Unidos, Vivek Murthy, relacionou o consumo de álcool em qualquer quantidade a diversos tipos de câncer. Além disso, defendeu a inclusão de advertências nos rótulos de bebidas alcoólicas, como ocorre nos maços de cigarros.
O álcool é responsável por cerca de 100 mil casos de câncer e 20 mil mortes pela doença anualmente nos EUA. O número supera as 13,5 mil mortes causadas por acidentes de trânsito relacionados às bebidas alcóolicas no país.
Uma reportagem do The Wall Street Journal sobre o tema resumiu bem o dilema da nova geração: “Os novos sóbrios têm pais idosos, sentaram-se ao lado de camas de hospital, sentiram a lenta aproximação da morte. Ficaram acordados até tarde preocupados que eles, ou pessoas que amam, estivessem doentes ou em declínio. Então, não é mais tão fácil ignorar os conselhos médicos como antes. A vontade de estar lúcido e saudável é mais forte.”
A própria indústria de bebidas tem ficado cada vez mais dependente dos grandes bebedores. Um quinto dos adultos responde por cerca de 90% do volume de vendas de álcool nos EUA, de acordo com uma análise publicada em 2023 pela empresa de pesquisa Bernstein.
Além disso, os hábitos têm mudado mesmo em países com uma forte cultura etílica. Na Irlanda, por exemplo, o consumo de cerveja sem álcool mais que triplicou em cinco anos. Entre 2017 e 2021, saiu de 1,79 milhões de litros para 5,55 milhões de litros.
A participação de mercado da versão sóbria disparou em 275%, de 0,4% para 1,5% no território irlandês. No Reino Unido, as vendas de bebida sem álcool aumentaram 110% para 39,4 milhões de euros só em 2024.
No Japão, a cervejaria Asahi prevê que até 2040, os rótulos sem álcool vão representar metade das vendas da companhia. A mudança se torna mais evidente na medida em que as novas gerações se tornam adultas.
Um levantamento da plataforma World Finance indica que a geração Z bebe 20% menos comparada aos Millenials. Estes últimos, por sua vez, consomem bem menos álcool do que a turma dos Xs e dos Baby Boomers.
Por trás dessa mudança geracional, existem vários fatores. Mas, certamente, a exposição nas mídias sociais, que se tornou uma constante para os mais jovens, exerce um papel importante. Uma pesquisa com pessoas entre 18 e 24 anos feita pela agência Red Brick Road revelou que 49% dos entrevistados pensa em sua imagem online quando sai para beber. O temor de que flagras indiscretos se tornem públicos impulsiona a necessidade de maior controle na vida em grupo.
De outro lado, entre as bebidas tradicionais, há um declínio evidente no consumo. Os volumes de vendas de uísque dos EUA — incluindo bourbon, Tennessee e rye — caíram 1,2% em 2023, na primeira queda desde 2002, de acordo com a IWSR, que monitora a indústria. A queda foi ainda maior no ano passado, de 4% .
As grandes corporações do setor têm sentido na pele, ou melhor, nos balanços as mudanças dos novos tempos. A gigante Diageo, dona das marcas como Johnny Walker, Smirnoff e Guiness, tem se deparado com um enfraquecimento nas vendas na China e nos Estados Unidos, além de um aumento inesperado de estoques no México e no Brasil.
A própria Diageo alertou enfrentar uma demanda mais fraca do consumidor. As destilarias em Kentucky sentem o abalo agora que o boom do bourbon nos EUA chega ao fim. As companhias agora se veem às voltas com um excesso de produto. A fabricante de Jack Daniel’s, Brown-Forman, disse em meados de janeiro que cortaria em torno de 12% de sua força de trabalho.
Com dívidas de US$ 21,5 bilhões, a gigante do setor planeja vender a divisão da Guiness. A estimativa é de um negócio de US$ 10 bilhões. A Diageo também estuda se desfazer de uma participação de 34% que tem na Moet Henessy, do grupo francês LVHM.
As ações da Constellation Brands, dona de marcas como Corona e Modelo, despencaram em dois dígitos na semana passada depois que a empresa divulgou vendas de cerveja abaixo do esperado e uma baixa contábil de US$ 2,25 bilhões em seus negócios de vinhos e destilados. A empresa reduziu as previsões de vendas e lucro em 2025.
O contra-ataque dos grandes grupos tem assumido a forma de versões sem álcool de bebidas conhecidas. A Diageo, por exemplo, fabrica desde 2020 uma versão sem álcool da Guiness, a 0.0. A rival Heineken tem sua própria 0.0 que disputa copo a copo o gosto dos consumidores na Europa. No Brasil, a Heineken 0.0 é líder de mercado nesse segmento.
Apesar da desaceleração, aqueles que apostam em uma ressaca no mercado diante de um eventual embate ente embriaguez e sobriedade, provavelmente, estão equivocados. As novas gerações não estão deixando de beber, mas sim em busca de um maior equilíbrio.
Os números da indústria indicam que o crescimento de vendas continua, mas em um ritmo muito menor, entre 4% e 5% por ano. Ou seja, não se trata de sair de um comportamento de beber o tempo todo para não beber nada. Para o setor, o desafio, talvez, seja menos de convencer os clientes a aumentar o consumo álcool e mais de aproveitar as oportunidades do novo mercado.