“Daria para passar uns meses sem repetir o tênis”. A frase é do carioca Diego Ortiz, colecionador e influenciador, ao calcular quantos pares possui. Ele e seus 24 mil seguidores do Instagram compartilham da obsessão por um nicho em franca expansão: a cultura sneakerhead. Na esteira de novos hábitos e aspirações, o fenômeno surgido na década de 1980 ganhou impulso entre brasileiros dispostos a encarar filas e pagar caro pelos mais variados modelos – enquanto varejistas e fabricantes correm para acompanhar o movimento.
Ainda que os preços elevados sejam motivo de reclamação entre quem consome, o mercado global de calçados esportivos vem crescendo acima da inflação. Em 2023, expandiu 8,5%, passando a US$ 164,6 bilhões, segundo dados da Euromonitor enviados ao InvestNews. No Brasil, o avanço foi de 9,1%, movimentando R$ 16,1 bilhões.
São números expressivos, mas nada que se compare ao boom de 2021, quando o segmento bateu o pico de 19,5% de alta, durante a pandemia. Em 2022, no entanto, as vendas desaceleraram bastante (2,7%). Quem acompanha de perto esse mercado defende que a culpa é do preço. Ainda assim, a projeção é de que as vendas continuem expandindo até 2028, alcançando US$ 231 bilhões no mundo e R$ 24,5 bilhões no Brasil.
Das quadras ao escritório – ou em qualquer lugar
Michel Piroutek, research associate na Euromonitor International, diz que as vendas de sneakers no Brasil ganharam o dobro da tração de outras categorias. Um dos motivos, segundo ele, é a adesão a um estilo de vida saudável e à moda confortável.
“Conforme o modelo híbrido de trabalho se concretiza e as exigências por vestuários mais profissionais perde relevância, as peças esportivas encontram grande oportunidade para crescimento, com protagonismo para os calçados”.
Michel Piroutek, research associate na Euromonitor International.
A Euromonitor atribui o desempenho à versatilidade dos itens, que passaram a ser usados “tanto em ambientes profissionais como em eventos sociais de lazer”, complementa Piroutek. Adeptos do tênis e camiseta, Bill Gates, Steve Jobs e Mark Zuckerberg são referências de um dress code informal aliado ao sucesso nos negócios.
Sofia Esteves, fundadora da Cia de Talentos e autora de “Employer Branding”, observa que muitos executivos têm trocado os sapatos pelo tênis nos escritórios no pós pandemia – e a tendência não se restringe às empresas mais descoladas. “Mesmo as mais tradicionais aboliram as vestimentas formais”, pontua.
Garimpando raridades
Seja um Adidas, um Puma ou Asics, os modelos mais desejados dos sneakerheads costumam ter alguma ligação com esporte e música – tanto que são frequentes as edições em colaboração com artistas e atletas. A maior inspiração, sem dúvida, são os clássicos modelos do Air Jordan, da Nike, lançados em parceria com o ex-astro do basquete Michael Jordan.
Boa parte dos “Jordans” não sai por menos de R$ 1 mil em sites da internet – mas a depender da história que carregam, podem chegar a custar fortunas. Seis pares usados pelo atleta nas finais da NBA nos anos 90, verdadeiras raridades, foram vendidos este mês em um leilão pelo valor recorde de US$ 8 milhões (cerca de R$ 40 milhões).
Pontos de encontro e novos nichos
De olho nos sneakerheads que circulam pelas ruas, as marcas não têm poupado esforços para demarcar território em pontos de grande visibilidade. No ano passado, muitas delas fincaram suas bandeiras na movimentada Avenida Paulista, em São Paulo.
O Conjunto Nacional recebeu unidades da New Balance e Vans, enquanto o Shopping Cidade São Paulo atraiu filas para a inauguração da primeira loja da Converse, dona da marca All-Star – duas décadas após a marca chegar ao país. Em novembro, São Paulo sediou a Sneaker Con, maior evento de aficionados por tênis do mundo.
O público infantil também está no foco dos empresários. Igor Morais, CEO e fundador da rede de varejo streetwear Kings, abriu em outubro do ano passado a Hype Kings, sua primeira loja física para crianças e adolescentes, em um shopping de São Paulo. “Hoje os pais querem que os filhos se vistam igual a eles”, comenta.
Com mais de 150 pontos de venda no país, o empresário conta que planeja abrir mais 15 unidades em 2024, além de planejar o lançamento de uma nova marca. Morais acredita que novos hábitos estão impulsionando o mercado de streetwear. “No pós-pandemia, as pessoas procuraram por modelos confortáveis e os retro runners ganharam muito espaço”.
Fabricantes também estão de olho nos adeptos da moda sustentável. A Vert, marca franco-brasileira que faz sucesso em países da Europa e calça celebridades como Reese Witherspoon e Meghan Markl, produz seus tênis no Brasil com matéria-prima reciclada, utilizando borracha e couro de produtores locais. Por aqui, um par chega a custar em torno de R$ 600.
Preço alto segura consumo maior
Quem acompanha de perto o segmento acredita que ele poderia estar ainda mais aquecido, não fosse o preço elevado das peças, em especial as mais desejadas. Marcas como Nike, Adidas, Vans e Converse comercializam modelos que variam de centenas de reais a milhares de reais. As de luxo, como Louis Vuitton, facilmente oferecem unidades entre R$ 2 mil e R$ 5 mil no Brasil.
Maior colecionador de sneakers do Brasil, o empresário Rodrigo Clemente, CEO da JVMC Participações, começou a comprar suas primeiras peças em 2012, motivado pela paixão pelo basquete e pela dificuldade em conseguir tênis do seu tamanho na adolescência. Hoje, ele estoca os 9.900 pares de sua coleção em parte de seus escritórios, na capital paulista. A cada mês, o acervo cresce em centenas de unidades.
Com a coleção atual, ele poderia calçar um par a cada dia sem repetir o item, por ao menos 27 anos. Mas o colecionador acredita que o segmento poderia estar vendendo bem mais, não fossem as cifras elevadas. “Se as marcas aumentarem os lançamentos e diminuírem os preços, a tendência é que o consumo de sneakers aumente muito mais”, opina Clemente.
O influenciador e jornalista Ortiz, que compra e revende parte de sua coleção, acredita que as fabricantes de calçados fizeram um movimento errado no pós-pandemia.
“As vendas de tênis explodiram na pandemia porque a falta de lazer e um certo marketing de urgência colocou fogueira em uma demanda reprimida e as pessoas começaram a comprar mesmo sem ter para onde ir”.
diego ortiz, colecionador de sneakers.
Segundo o colecionador, as marcas projetaram o crescimento das vendas em números inflados e aumentaram vertiginosamente os preços para lucrar mais. No entanto, ele acredita que, no pós pandemia, shows, viagens, bares e restaurantes sugaram a verba da compra dos tênis e os preços altos fizeram os clientes se afastarem.
“Hoje é como o cachorro olhando o frango na padaria. Olha, busca, deseja, mas não leva para casa. As fabricantes em algum momento terão que fazer um ‘mea culpa’ e abaixar os preços na mesma medida que aumentaram, senão a cultura sneakerhead no Brasil vai continuar efervescente na procura, mas sem consumir”.
diego ortiz, colecionador de sneakers.
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