A espinha dorsal da cadeia de suprimentos da Nike está sendo duramente atingida pela campanha tarifária global do presidente Donald Trump. A estratégia de imposição de tarifas abrangentes compromete um investimento de décadas feita pela companhia justamente em um momento em que a maior empresa de calçados esportivos do mundo tenta se reerguer sob nova liderança.
Ao longo dos últimos 30 anos, a Nike direcionou bilhões de dólares em produção para o Vietnã, ajudando a transformar o país do sudeste asiático em uma potência na fabricação de calçados e vestuário. Na última quarta-feira, Trump impôs uma tarifa de 46% sobre produtos vindos do Vietnã — uma das mais altas entre os países-alvo —, o que pode devastar a indústria manufatureira local.
A Nike tornou-se um símbolo dos impactos corporativos da ofensiva tarifária de Trump: uma marca americana icônica envolvida em uma crise econômica que eliminou trilhões em valor de mercado globalmente e desorganizou cadeias de suprimentos mundiais. Executivos enfrentam agora um dilema custoso em toda a Ásia, região onde quase todos os tênis Nike são fabricados.
Apesar de o presidente americano ter pausado a vigência das novas tarifas por 90 dias, o cenário permanece incerto. Isso porque não é certo que o país vá conseguir convencer o governo dos EUA a extinguir as taxas nesse período. De qualquer modo, a sinalização de possível flexibilização levou as ações da fabricante a uma alta de mais de 9% na bolsa de Nova York nesta quarta-feira.
O pior momento possível
O novo CEO, Elliott Hill, executivo veterano da Nike que saiu da aposentadoria em outubro, tenta recuperar uma empresa impactada por queda nas vendas e demissões corporativas. A Nike prevê novas quedas na receita e na lucratividade, e suas ações já acumulam desvalorização de 30% no ano.
Agora, Hill precisa lidar com o aumento de custos ao longo da cadeia de suprimentos, podendo inclusive repassar os reajustes aos consumidores. Em março, ele disse a investidores que visitou fábricas parceiras na Ásia “para ver como estamos executando”, mas ainda não apresentou um plano para lidar com os efeitos das tarifas. A Nike não respondeu imediatamente a um pedido de comentário.
As opções da direção são limitadas. Analistas afirmam que é praticamente impossível para a Nike redirecionar rapidamente sua cadeia de suprimentos. Vietnã, China e Indonésia — todos atingidos pelas tarifas de Trump — representam 95% da produção de calçados da empresa. Essas três nações empregam juntas cerca de 850 mil pessoas na produção de produtos Nike — um número ligeiramente superior ao da fornecedora da Apple, a Foxconn, segundo dados divulgados pela própria empresa. O analista John Kernan, da TD Cowen, destaca que não há outro lugar com capacidade produtiva e custos trabalhistas comparáveis para absorver essa demanda.
Dessa forma, todas as atenções se voltam ao Vietnã — base mais importante de produção da Nike.
Aposta de longo prazo vira ponto fraco
A Nike entrou no Vietnã em 1995 com cinco fábricas contratadas de calçados, como parte de uma aposta de longo prazo feita pelo cofundador Phil Knight. Foi um movimento arriscado, pois a indústria ainda era incipiente e a força de trabalho carecia de experiência e supervisão. Mas Knight viu ali uma oportunidade.
“Eu sempre prometi que um dia a Nike teria uma fábrica em ou perto de Saigon”, hoje chamada Cidade de Ho Chi Minh, escreveu Knight em sua autobiografia.
A presença da Nike passou a ser alvo de escrutínio. Após um escândalo trabalhista, Knight voou ao Vietnã para lidar pessoalmente com a crise. Em 1998, ele prometeu erradicar o trabalho infantil da cadeia de suprimentos da empresa durante um discurso em Washington, DC.
Desde então, a presença da Nike no Vietnã só aumentou, com a adição de mais fábricas conforme a indústria ganhava infraestrutura e experiência. Rivais como Adidas, Puma, e marcas mais recentes como Lululemon, Skechers e Allbirds seguiram o mesmo caminho. Hoje, metade de todos os tênis da marca Nike é fabricada no Vietnã, segundo documentos regulatórios.
Tarifas podem ser devastadoras para o Vietnã
As indústrias de calçados e vestuário do Vietnã foram grandes beneficiárias do primeiro mandato de Trump. Tensões geopolíticas afastaram marcas ocidentais da China, que migraram para o Vietnã, com sua infraestrutura estabelecida e histórico em manufatura. Hoje, o país está entre os maiores exportadores globais de vestuário e calçados, segundo o Banco Mundial.
O governo vietnamita vê os investimentos da Nike como essenciais para o crescimento econômico do país. O Vietnã tem sido uma das economias que mais crescem na Ásia, com o PIB crescendo 7,1% no ano passado, superando projeções oficiais e estimativas de analistas.
Essa dependência mútua estreitou os laços entre a Nike e o governo vietnamita. Autoridades em Hanói receberam executivos da Nike, incluindo o diretor de operações, nos últimos anos. Em 2022, o primeiro-ministro Pham Minh Chinh pediu recomendações de políticas à empresa para aprofundar a integração do Vietnã às cadeias globais de valor.
Estratégias de preços
Hoje, a Nike trabalha com mais de 100 fábricas de vestuário, calçados e equipamentos no Vietnã, conforme divulgou. A maioria está concentrada ao redor de Ho Chi Minh City, onde grandes contratadas empregam mais de 10 mil funcionários cada.
Na sede da Nike em Beaverton, Oregon, os executivos tentam encontrar maneiras de repartir os novos custos entre todos os envolvidos, segundo uma fonte com conhecimento das discussões internas. Segundo essa pessoa, marca, fábrica, atacadistas e consumidores devem compartilhar o impacto.
A Nike pode pressionar fornecedores a absorver parte dos custos, otimizar operações ou coordenar com varejistas o repasse de preços, diz a analista Anna Andreeva, da Piper Sandler. Mas ela alerta para um limite: “Essa é a grande pergunta: quanto de aumento o consumidor está realmente disposto a aceitar?”
Executivos da Foot Locker, maior parceira varejista da Nike, afirmaram na semana passada que estão em “comunicação constante” com marcas para definir estratégias de preço, avaliando quanto do impacto será repassado ao consumidor americano.
“Vamos trabalhar marca por marca”, disse Mary Dillon, CEO da Foot Locker, em evento do JPMorgan. “É uma combinação de: ‘o que eles absorvem?’ e ‘o que o consumidor aceita?’”
Enquanto isso, o governo do Vietnã tenta apaziguar Trump. No sábado, o líder vietnamita To Lam pediu ao presidente americano um adiamento de 45 dias nas tarifas para permitir negociações. Ofereceu zerar tarifas sobre produtos dos EUA e incentivou Trump a fazer o mesmo.
Trump classificou a conversa como “muito produtiva”. Mas o assessor da Casa Branca, Peter Navarro, disse que a oferta não foi suficiente. O Vietnã elevou a proposta na terça-feira, comprometendo-se a comprar mais produtos de defesa e segurança dos EUA.
O Secretário do Tesouro americano, Scott Bessent, afirmou que autoridades do Vietnã estarão em Washington nesta quarta-feira para discutir o tema comercial.