Falta menos de uma semana para a tarifa de 50% anunciada por Donald Trump entrar em vigor. Mas, para os exportadores brasileiros, é como se ela já estivesse valendo. Não há mais tempo hábil para que navios saindo do Brasil cheguem aos Estados Unidos antes de 1º de agosto, data em que se inicia a taxação — o frete marítimo para os portos americanos leva, pelo menos, 15 dias.

E, mesmo sem a publicação da ordem executiva pelo governo Trump – documento que vai ditar as regras do tarifaço –, setores da economia brasileira e empresas já dão como certa a entrada em vigor da medida.

A avaliação é de que os americanos não querem apenas colocar a “faca no pescoço”, mas sim fazer “sangrar” para obter uma negociação mais vantajosa. Frente a isso, os empresários estão se movimentando intensamente: ajustam estoques, redirecionam embarques e ativam lobbies em Washington, numa tentativa de conter um impacto que promete ser bilionário.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirma que mais de 10 mil empresas brasileiras podem ser afetadas pelo tarifaço. Cálculos da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) estimam prejuízo de R$ 5,8 bilhões por ano nas exportações do país, caso os EUA sigam em frente com a sobretaxa de 50%.

No Porto de Santos, o maior do país e principal corredor de exportação de commodities – uma especialidade brasileira –, os embarques de carnes rumo aos EUA saltaram 96% nas duas primeiras semanas de julho, e o tráfego interno cresceu 70%, segundo a autoridade portuária. Mas agora, a janela se fechou.

“Tudo que for marítimo já ficou para trás”, afirma Carlos Campos Jr., CEO da Target Trading, empresa com mais de 30 anos de atuação no comércio exterior. “A única alternativa viável agora é o aéreo — e mesmo assim, está cada vez mais apertado e caro”. Segundo ele, o custo do frete disparou cerca de 50% nas últimas semanas.

Navios no Porto de Santos: principal corredor logístico para exportações do Brasil (Reuters)

Com as portas do mercado americano se estreitando, exportadores de produtos sem data de validade, como vestuário, calçados, máquinas e equipamentos, ainda têm algumas cartas na manga. Uma das opções é armazenar mercadorias em depósitos alfandegários nos EUA — os chamados bonded warehouses — que têm prazo de até cinco anos, aguardando um desfecho. É um custo extra, mas ainda menor do que arcar com a tarifa.

Para produtos primários ou semi-acabados, como metais não ferrosos, existe a possibilidade de redirecionar os embarques para México ou Canadá. Lá, as cargas passam por algum processamento que altera sua origem fiscal, permitindo a reentrada nos EUA. Há também quem prefira esperar: adiam os envios, apostando em uma reviravolta diplomática de última hora.

Lobby em ação

A reação dos empresários brasileiros ao tarifaço não se limita a ajustes logísticos. Em Washington, associações dos setores de sucos, café, carne e açúcar contrataram escritórios de lobby para tentar barrar ou ao menos adiar a medida, segundo apuração do UOL. Importadores americanos de suco de laranja já acionaram a Justiça contra o governo Trump tentando derrubar a tarifa.

“A saída está lá, nos lobbies americanos. O importador vai correr atrás do congressista e dizer: ‘isso aqui vai encarecer o meu custo’”, afirma Pedro de Camargo Neto, ex-secretário do Ministério da Agricultura e ex-negociador do Brasil na OMC. “Não temos como ganhar isso na marra. É convencendo, dentro da regra deles.”

Donald Trump assinou ordem autorizando estudos para taxar o cobre (Bloomberg)

O argumento é político e pragmático: a tarifa não prejudica apenas o Brasil, ela encarece o café da manhã, pressiona a inflação nos EUA e ameaça empregos em setores como varejo e food service. A U.S. Chamber of Commerce, maior entidade empresarial do país, já aderiu ao movimento.

Em outra frente, mais de 60 entidades empresariais americanas assinaram uma carta à Casa Branca alertando para os efeitos econômicos da tarifa. O documento pede a exclusão de setores-chave, como alimentos, bebidas e papel, da lista de produtos tarifados.

Sem alarde

Entre as empresas brasileiras, poucas se manifestaram publicamente. A maioria prefere mapear riscos nos bastidores e evitar criar alarde. Um representante do setor florestal ouvido pelo InvestNews lembra que, sem a publicação da ordem executiva, ainda é difícil fazer estimativas concretas.

A Minerva, maior exportadora de carne bovina da América do Sul, informou que as exportações feitas a partir do Brasil para os EUA — foco da tarifa — representam apenas 5% da sua receita líquida. A diversificação geográfica, com unidades no Uruguai, Argentina, Paraguai e Austrália, permite à empresa continuar exportando por meio de países fora da taxação.

Já as concorrentes JBS e Marfrig devem sentir pouco ou nenhum impacto direto, por operarem majoritariamente a partir dos próprios Estados Unidos, com marcas como JBS USA e National Beef. Frigoríficos menores, por outro lado, começaram a suspender embarques diante da incerteza. Em Mato Grosso do Sul, empresas interromperam a produção destinada aos EUA e redirecionaram a carne para mercados como China, Chile e Argélia.

No setor de papel e celulose — outro pilar das exportações brasileiras aos EUA —, a Suzanoavalia alternativas. Segundo Guilherme Miranda, diretor-geral para as Américas, em evento da Câmara de Comércio Brasil-EUA, a empresa não enxerga impactos imediatos. Ele explicou que a Suzano está formando estoques nos EUA como estratégia de proteção (hedge), e pode também buscar outros mercados, embora o objetivo seja preservar sua fatia no mercado americano.

Se há um setor que está jogando com todas as cartas para evitar a tarifa, é o do café. O produto representa mais de 80% do café importado pelos EUA, segundo o Conselho dos Exportadores de Café (Cecafé), que também contratou escritórios de lobby em Washington.

Os embarques também foram acelerados para garantir entrada antes de agosto. De acordo com dados oficiais, os EUA foram destino de 18% das exportações brasileiras de café no primeiro semestre de 2025 — 2,2 milhões de sacas, gerando US$ 450 milhões em receita.

A sobretaxa dos EUA tende a ter um efeito pontual de alívio na inflação de alimentos no Brasil, especialmente em carne e café, mas o impacto deve ser limitado — considerando que os exportadores irão segurar a produção enquanto buscam novos mercados e não devem desovar excedentes no mercado interno a qualquer preço. Segundo a associação que representa os supermercados (Abras), ainda não há repasse visível nas gôndolas.

Camargo Neto destaca que café, celulose e carne bovina são commodities com alta liquidez global. Mesmo que os EUA deixem de comprar diretamente do Brasil, a demanda se redistribui — outro país assume o fornecimento aos americanos, e o Brasil ocupa o espaço deixado por esse novo fornecedor em outro mercado.

Sem saída

Já os setores de suco de laranja, frutas frescas e pescados estão praticamente encurralados. Os EUA são os maiores compradores e há dificuldades logísticas e sanitárias para redirecionar esses embarques no curto prazo. Em 2024, os EUA responderam por 62% das exportações brasileiras de pescado e por um terço das vendas de frutas frescas, segundo dados oficiais.

“Não há um ‘plano B’. O pescado brasileiro tem acesso limitado a outros grandes mercados, como China ou União Europeia”, afirmou a Abipesca em nota. Em outro comunicado, a entidade alertou que a tarifa “tem potencial de inviabilizar a operação de várias empresas exportadoras”.

No início de julho, o setor já registrava o cancelamento de encomendas por importadores americanos, com 58 contêineres de pescado parados em portos brasileiros. As cargas devem seguir armazenadas até que haja uma definição — caso ela venha em breve.

Unidade da JBS em Greeley, Colorado (EUA)
Unidade da JBS em Greeley, Colorado (EUA) (Bloomberg)

O setor de frutas vive um dilema semelhante. Com validade curta e logística complexa, a expansão para Ásia ou países árabes exigiria investimentos em certificações, transporte e novas redes de distribuição — inviáveis num horizonte de semanas, segundo relatou um exportador ao Estadão.

No caso do suco de laranja, a preocupação é ainda mais específica — e inevitável. “Ou os Estados Unidos compram do Brasil, ou o Brasil vende para os Estados Unidos. Não tem muita alternativa”, resume Camargo Neto. O Brasil é praticamente o único grande fornecedor global de suco de laranja concentrado congelado (FCOJ), o tipo mais consumido nos EUA.

A Citrosuco, multinacional controlada pelo Grupo Votorantim, responsável por 20% do mercado global da bebida, é uma das afetadas, já que seu maior volume de produção vem do Brasil. Uma vantagem, entretanto, é que a companhia possui uma fábrica na Florida, o que a ajudaria a seguir fornecendo o produto em solo americano. Porém, um redimensionamento da produção não deve ser descartado.

Os importadores americanos também se mobilizaram. No início da semana, a Johanna Foods processou o governo Trump para derrubar a tarifa, alegando que a medida é injustificada, prejudica os consumidores e fere os próprios interesses da indústria americana.

Diálogo travado

O tarifaço também escancarou, na avaliação de Camargo Neto, um “colapso funcional” da Organização Mundial do Comércio (OMC). “O americano abandonou a OMC, certo? O Trump não negocia por lá. Ele põe, chama, atrasa, vai, volta. É o estilo dele. É na marra”, afirma.

A crítica ganhou ainda mais força nesta quarta-feira (23), quando o Brasil denunciou formalmente, em reunião da OMC, que o uso de tarifas como instrumento de pressão política viola as regras internacionais e interfere em assuntos internos. Quarenta países, incluindo União Europeia, China, Índia e Canadá, apoiaram a manifestação brasileira.

Os Estados Unidos, por sua vez, limitaram-se a dizer que “tomaram nota” — e reafirmaram que o sistema atual da OMC “não funciona para eles”. Desde 2019, o órgão de solução de controvérsias da entidade está travado — ironicamente, por bloqueio dos próprios EUA. “Hoje, a OMC é ineficaz. Está paralisada. E quando o maior jogador sai da mesa, o jogo muda de regra”, conclui Camargo Neto.