Em meio ao crescimento do mercado pet no Brasil, varejistas de diversos segmentos têm apostado cada vez mais neste ramo no país. Para especialistas consultados pelo InvestNews, o movimento acontece devido, além das questões mercadológicas, pelo estágio de maturidade de empresas, pelo fato de os animais de estimação serem cada vez mais considerados parte das famílias e pelo olhar das companhias às demandas dos clientes como um todo, e não de um segmento em específico.
Somente entre setembro e outubro deste ano, a Fast Shop, do ramo de eletrodomésticos e eletroeletrônicos, ampliou seu portfólio de produtos para animais de estimação, a marca de calçados Melissa criou uma coleção para gatos e cachorros e a empresa de beleza Grupo Boticário anunciou sua estreia no mercado de cuidados com pet.
Em março, a marca de vestuário Reserva anunciou o lançamento de uma linha para pets, em parceria com a Petlove.
Sandro Magaldi, especialista em transformação de negócios, aponta que uma das lógicas desse movimento é a mercadológica, devido ao tamanho deste mercado, além da reinvenção do foco, com empresas olhando demandas do cliente de forma mais abrangente.
“O maior ativo de uma empresa é o cliente. E é essa a percepção, de a empresa olhar mais as demandas dos seus clientes como um todo e não do seu segmento específico. A inovação emerge, justamente, no entendimento de que esse cliente tem outras demandas que podem ser atendidas de forma superior. Eu defino isso como um dos novos imperativos estratégicos: a centralidade do cliente”.
Sandro Magaldi, especialista em transformação de negócios.
Mariana Munis, professora de Marketing e Comportamento do Consumidor da Universidade Presbiteriana Mackenzie/Campinas, também aponta dois fatores que podem explicar a aposta de varejistas no segmento pet: o fato de as pessoas considerarem cada vez mais seus pets como parte da família e o estágio dentro do ciclo de vida de uma marca.
“De acordo com pesquisa da Opinion Box, 70% dos entrevistados de uma pesquisa sobre o mercado de pet afirmaram que seus animais de estimação são como filhos para eles. E as empresas (Boticário, Fast Shop, Melissa e Reserva) se encontram em um estágio de maturidade, momento com o qual já possuem um faturamento mais estável, mas param de crescer financeiramente. Logo, efetuar extensão de linha de produtos é algo que pode ajudar as marcas a crescerem sustentavelmente”, explica Munis.
Dados do setor
Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação (Abinpet), o mercado pet mundial cresceu 3,2% em 2022 em relação a 2021 (US$ 145,2 bilhões), mas a perspectiva é de um crescimento tímido em 2023, tendo em vista o cenário mundial instável.
Ainda de acordo com a Abinpet, o Brasil, atualmente, se consolida no terceiro lugar no quesito faturamento, representando 4,95% do total, atrás somente de Estados Unidos (43,7%) e China (8,7%).
Com base no desempenho do primeiro semestre, a estimativa atualizada do Instituto Pet Brasil (IPB) aponta que o faturamento do setor pet no Brasil chegará a R$ 68,4 bilhões em 2023, uma alta de 13,6% na comparação com 2022. Veja anos anteriores:
De acordo com o levantamento mais recente do IPB, o Brasil encerrou 2021 com 149,6 milhões de animais de estimação, um aumento de 3,7% sobre os 144,3 milhões do ano anterior. Os cães lideraram o ranking, com 58,1 milhões de indivíduos. As aves canoras aparecem na sequência, com 41 milhões. Os gatos figuram em terceiro lugar, com 27,1 milhões, seguidos pelos peixes (20,8 milhões). Veja:
Olhar para um novo segmento
Como parte de um plano estratégico de entrada no mercado pet, o Grupo Boticário lançou a marca Au.Migos Pets, pensada exclusivamente para cães e gatos, com os novos produtos voltados a animais de estimação chegando, inicialmente, a 122 lojas, 17 espaços do revendedor e ao e-commerce da marca O Boticário, além do e-commerce e marketplace Beleza na Web. O grupo pretende com a nova marca atingir ainda no primeiro ano mais de 600 pontos de venda no B2B.
“A entrada no segmento pet reforça que nossa expertise em acompanhar as tendências de mercado, extrapolando a atuação em beleza e cosmética, justamente porque busca inovar na conexão com o consumidor”, afirmou em nota Renata Gomide, vice-presidente de consumer do grupo Boticário.
Já a marca Melissa ampliou seu portfólio de produtos com uma linha indicada para cães e gatos de pequeno e médio porte, como bola, mordedor, coleira e guia. De acordo com a empresa, a inovação vem de uma demanda dos clientes de ampliação de produtos voltados ao estilo de vida.
A Fast Shop, por sua vez, passou a apresentar uma seção com itens para todas as necessidades dos animais de estimação, presentes no e-commerce, por meio do aplicativo da varejista, ou nas lojas físicas da rede.
Em entrevista ao InvestNews, Eduardo Salem, diretor de marketing e canais digitais da empresa, informou que, cada vez mais, a Fast Shop tem notado que os seus consumidores buscam opções variadas de compra que completem toda a sua rotina, desde artigos eletrônicos para equipar sua casa e trabalhar até itens de enxoval e decoração, por exemplo.
“Além de inovar no mix de produtos, trazer uma nova categoria voltada aos animais de estimação está totalmente interligada à jornada do dia a dia dos nossos clientes. Trata-se de um segmento de grande importância para a companhia. Se pudermos colaborar oferecendo inovações e produtos de qualidade aos tutores, traremos ainda mais praticidade ao dia a dia de todos. Outro fator que consideramos ao trazer a segmentação à Fast Shop é o crescimento do setor”, afirma Salem.
Já no caso da Reserva, foi anunciada uma parceria em linha pet com o petshop virtual Petlove para a oferta de mais de 100 peças entre guias, coleiras, brinquedos e acessórios, vendidas nas lojas físicas e e-commerce das duas marcas.
Impactos nos negócios
Munis, do Mackenzie, destaca que contemplar produtos e serviços para pets faz com que as marcas mostrem aos seus consumidores uma preocupação em se atualizar para esse mercado, já que ele acompanha também as tendências do mercado voltado para o consumo humano.
Magaldi aponta que, em uma perspectiva de médio e longo prazo, um novo negócio pode gerar um novo fluxo de receita consistente para a empresa, permitindo com que ela mude de patamar, expandindo seus territórios da atuação, utilizando expertise, sua base instalada de clientes para levar a companhia para um outro patamar.
“Empresas que estão olhando este segmento (pet) são consistentes e elas estão testando, validando, é um movimento estratégico. Não sei se seria um movimento de sobrevivência a varejista ir para outro mercado, pois vai ter que mobilizar estoque, desenvolver fornecedor…tem a ver com direcionamento estratégico”, destaca o especialista em transformação de negócios.
Rodolfo Olivo, professor da FIA Business School, aponta que o setor varejista, em geral, possui como característica de mercado ser muito competitivo, o que resulta em margens de lucro apertadas. Para compensar, segundo Olivo, o setor busca ampliar o giro dos seus produtos, que podem ser dos próprios que a varejista já comercializa, mas, também, de novas linhas e mesmo de outros segmentos.
“Uma gama maior de produtos pode ainda ampliar o ticket médio do ponto de venda físico ou pela internet, atrair novos clientes e produzir sinergias na logística da operação. Assim, o custo médio por unidade vendida da loja se reduz, ampliando as tradicionais baixas margens do setor de varejo. O varejo é um negócio muito competitivo e dinâmico e que as empresas sempre devem buscar novas oportunidades”.
Rodolfo Olivo, da FIA Business School.
Desafios
Se e estimativa do Instituto Pet Brasil para o percentual de crescimento estimado para o setor em 2023, de 13,6% ante 2022, se consolidar, o IPB aponta que será o menor índice de aumento registrado desde 2019. Isso porque, desde 2020, a taxa de crescimento vinha acima dos 15%, marcando 15,5% em 2020, 27% em 2021 e 16,4% em 2022. A última vez que esse valor ficou abaixo foi em 2019, segundo o instituto, quando registrou apenas 3%.
Para o presidente do conselho consultivo do IPB, Nelo Marraccini, os números refletem a consolidação do segmento, mas, também, indicam que os desafios fiscais enfrentados nos últimos anos foram um obstáculo para a taxa de crescimento.
“Batemos um recorde em 2022, superando os R$ 60 bilhões. Esse valor será superado novamente em 2023, contudo, a redução na taxa de crescimento acende um sinal amarelo em todo o setor. Fechamos o último ano já cientes de que deveríamos ter uma maior cautela, devido às instabilidades econômicas e prováveis alterações nas legislações que alavancaram o comércio e serviços”, afirmou em nota.
Mariana Munis, professora do Mackenzie, cita que os desafios são que determinadas categorias do mercado pet já encontram-se em estágio também de maturidade, como, por exemplo, o de alimento para pets. Porém, segundo ela, esse mercado possui inúmeras oportunidades de negócio, já que muitas pessoas optam ser tutoras de animais de estimação ao terem filhos.
Para Magaldi, “o grande desafio reside no mesmo território da ameaça”. Segundo o especialista em transformação de negócios, a empresa tem que entender muito de comportamento e demanda, fazer uma imersão, e não somente colocar produto no portfólio.
“Tem que entender muito essa demanda para saber qual o produto mais adequado, qual é realmente a dor, a necessidade latente, para que possa criar o diferencial. Do contrário, pode criar uma relação de custo e até do foco nos processos de desenvolvimento de produto que não acompanham o êxito”, alerta.
Na mesma linha, Sillas Cezar, professor do curso de Economia da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), lembra ainda que, além dos desafios do segmento, existem os que são comuns ao se entrar em um setor novo: a empresa deve estar segura de que possui informações consistentes sobre a estrutura do setor, sobre conduta dos concorrentes, fornecedores, bem como os hábitos dos demandantes e ainda estar bastante realista quanto ao desempenho esperado.
Perspectivas
Mariana Munis, professora de Marketing e Comportamento do Consumidor do Mackenzie, estima que o mercado pet é um dos que cresceram bastante durante a pandemia e continuará a crescer.
“Tem pessoas que não querem ter filhos, muitas se sentem solitárias, e os pets tornaram-se uma ótima companhia. De acordo com o Sebrae, a perspectiva de crescimento do setor até 2026 é de cerca de 87%. Logo, se o mercado cresce e grandes marcas abarcam produtos e serviços para esse mercado, a tendência é que o varejo também cresça”, diz Munis.
Na mesma linha, Cezar destaca que a população brasileira está envelhecendo, que as famílias estão cada vez menores e que os custos absolutos e relativos de filhos não são baixos.
“Esses dados apimentam as expectativas positivas para o setor de pets. Além disso, trata-se de um segmento com uma forte incidência de compras presenciais, o que beneficia concorrentes capazes de oferecer seus produtos em larga escala, com lojas grandes e muitos funcionários. Acredito que haverá boas disputas nesse ramo nos próximos anos”, projeta o professor.
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Magaldi avalia que a atuação de varejistas se trata “de uma maratona e não de uma corrida de cem metros”. Segundo ele, ainda se tem muito mais indagações do que convicções, mas que sinais já podem ser vistos.
“Varejista que consegue fazer isso com o segmento pet, é sinal de que tem uma capacidade e competências essenciais no negócio que lhe permite pensar a inovação em outras vias de crescimento. Tem muito a ver com a cultura do negócio e para onde ele vai. Tem uma estrada enorme. Esse mercado ainda tende a se consolidar. Ainda tem muita água pra rolar debaixo dessa ponte”, estima o especialista em transformação de negócios.
Olivo, da FIA Business School, também está otimista com a entrada de varejistas no segmento pet e estima que este ramo deve crescer ainda mais pela atratividade de mercado, potenciais sinergias com atual negócio, possível melhora de margem e incessante busca de varejistas por novas oportunidades para não serem “engolidos” pelos concorrentes.
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