O presidente Javier Milei recebeu elogios de Wall Street e da Casa Branca pela reforma da economia argentina em dificuldades.

Quase dois anos depois, praticamente não se percebe a prometida recuperação da autodenominada “terapia de choque econômico”.

A economia argentina está contraindo. Os empregos perdidos durante a dura campanha de austeridade de Milei ainda não foram recuperados. Lojas de roupas fecharam as portas. Aposentados e professores dizem que não conseguem sobreviver. Os mercados financeiros estão assolados por uma crescente turbulência.

Marco Meloni diz que sua pequena fábrica têxtil em Quilmes, nos arredores de Buenos Aires, está operando com metade da capacidade, forçando-o a demitir um terço de seus funcionários. Os custos de energia elétrica aumentaram rapidamente. Com as vendas em colapso, seu depósito está quase transbordando de rolos de tecido.

“Não estamos vendendo nada”, disse Meloni. “Estamos em uma situação muito vulnerável.”

Empreendedor argentino Marco Meloni demitiu trabalhadores em sua fábrica têxtil nos arredores de Buenos Aires
Marco Meloni teve que demitir um terço dos funcionários – Foto: The Wall Street Journal

Economia argentina estagnada

Milei previu uma recuperação em V com a criação de novos empregos em uma economia mais próspera e estável.

Em vez disso, a economia estagnou, apresentando queda no segundo trimestre em comparação com os três meses anteriores.

O desemprego está em 7,6%, acima dos 5,7% de quando Milei assumiu o cargo. E a Argentina tem cerca de 200.000 empregos a menos desde que ele assumiu, mostram dados do governo.

Uma possível salvação surgiu quando o secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, disse que o governo Trump está analisando opções para fornecer à Argentina um apoio financeiro enquanto Milei luta para concluir sua reforma econômica.

Os investidores comemoraram a notícia, impulsionando as ações do país e elevando a cotação da moeda, o peso, em 2%. Na Assembleia Geral das Nações Unidas, Milei se encontrou com o presidente Trump, que elogiou o líder argentino.

“Ele fez um trabalho fantástico”, disse Trump, sentado ao lado de Milei. “Estamos apoiando 100%.”

A impopularidade de Milei

Milei é creditado por acabar com a inflação de três dígitos após cortar os gastos públicos descontrolados que herdou de seu antecessor de esquerda.

Mas suas políticas também têm sido dolorosas e estão se tornando impopulares após 22 meses no cargo.

Agora, Milei enfrenta uma turbulência justamente quando se encaminha para as eleições legislativas de meio de mandato no próximo mês, que servirão como um referendo sobre suas políticas econômicas. Um desempenho ruim pode condenar seu experimento de livre mercado em um país assolado por décadas de má gestão econômica.

Os investidores, antes otimistas com Milei, estão preocupados.

Antes das notícias sobre a ajuda financeira dos EUA, as ações e os títulos da Argentina haviam despencado. O banco central gastou mais de US$ 1 bilhão na semana passada para sustentar o peso.

Tudo isso representa uma rápida reviravolta para Milei, um economista libertário que passou de ser tratado como um astro do rock em galas conservadoras nos EUA e na Europa a lidar com investidores preocupados e a crescente indignação pública.

Ele afirma que o tumulto é alimentado pelo “pânico político” que começou após uma eleição no início deste mês na província de Buenos Aires, rica em eleitores, considerada um indicador para as eleições de outubro.

Milei havia previsto uma vitória substancial. Este seria o último prego no caixão do peronismo, movimento político que leva o nome do ex-líder do país, Juan Perón, e sua vertente de economia populista orientada pelo Estado.

Em vez disso, seu partido Avanço da Liberdade perdeu feio, levantando preocupações dos investidores sobre o futuro de sua reforma do livre mercado em meio a uma oposição fortalecida.

“O povo se levantou”, disse Axel Kicillof, governador de extrema esquerda de Buenos Aires, que emergiu como o principal rival de Milei. “Milhões de portenhos disseram não à austeridade e à crueldade.”

A derrota eleitoral refletiu a crescente desaprovação a Milei nos bairros mais pobres, onde pessoas que antes apoiavam seus planos de destruir o estado com uma motosserra estão perdendo a paciência. Eles viram empregos desaparecerem, os custos de transporte aumentarem e as aposentadorias diminuírem.

“O charme esgotou”, disse o reverendo Rodrigo Zarazaga, que trabalha em bairros pobres de Buenos Aires e chefia o grupo de políticas do Centro de Pesquisa e Ação Social. “As pessoas de baixa renda e classe média baixa não estão mais tolerando isso.”

O apoio a Milei caiu de cerca de 50% no ano passado para cerca de 40%, mostram as pesquisas. Quase 60% dos argentinos sentem que a economia está pior agora do que no ano passado, revelou uma pesquisa da D’Alessio IROL deste mês.

Carlos Vergara tem pouca esperança de que a situação melhore em breve. Vergara, de 52 anos, perdeu o emprego há três meses em uma metalúrgica em La Matanza, uma cidade industrial nos arredores de Buenos Aires. Agora, ele luta para colocar comida na mesa da família. “Não posso sustentá-los”, disse Vergara. “Não tenho dinheiro.”

Em uma padaria próxima, em La Matanza, cerca de 300 pessoas fazem fila todos os dias para comprar pão. Celia Cisneros, a padeira, disse que muitas famílias não têm os 75 centavos para comprar um saco de pão, que já é subsidiado por uma organização sem fins lucrativos local. Outras dizem que o pão provavelmente será a única coisa que comerão naquele dia.

“É triste”, disse ela. “As pessoas estão realmente preocupadas com o que está acontecendo.”

Milei afirma que sua gestão econômica tirou a Argentina da beira da hiperinflação e reduziu a pobreza para milhões. Ele observa um boom nos investimentos em setores como mineração e petróleo e gás.

Ele afirma que o pior já passou, mas reconhece que muitos argentinos ainda não sentiram os benefícios econômicos.

“Não vamos desistir, vamos seguir em frente”, disse Milei em um discurso recente. “Ainda há um longo caminho a percorrer? Sim, mas já conquistamos muito.”

Peso X dólar

Alguns economistas afirmam que Milei errou ao implementar políticas que criaram um peso excessivamente forte em relação ao dólar.

Despois de uma desvalorização, o peso rapidamente se fortaleceu em termos reais. O banco central argentino permitiu que ele o peso desvalorizasse em relação ao dólar a uma taxa abaixo da inflação, em vez de permitir sua flutuação.

O peso forte ajudou a reduzir a inflação, que atingiu 1,9% em agosto, depois de chegar em quase 26% em dezembro de 2023.

Mas a política teve custos, dizem os economistas. O peso forte prejudicou os esforços para aumentar as reservas locais, necessárias para pagar a grande dívida internacional do país, incluindo US$ 4,5 bilhões em títulos denominados em dólares com vencimento em janeiro. Também reduz a competitividade das exportações.

“Na verdade, a Argentina está se prejudicando”, afirma Robin Brooks, economista da Brookings Institution.

O peso forte tornou as viagens ao exterior mais baratas para os argentinos, mas prejudicou a indústria do turismo local.

Vivian Villegas fechou recentemente seu salão de beleza em Buenos Aires, que atendia turistas. Ela também demitiu seus funcionários de uma pequena loja que vende jaquetas de couro.

“Milei era um desconhecido e todos nós apostamos nele para fazer a diferença”, disse Villegas. “Mas ainda não sentimos nenhuma mudança. Não sabemos o que fazer.”

A remoção das barreiras comerciais por Milei, juntamente com um peso mais forte, impulsionou o crescimento das importações, de pneus e carros novos a sapatos e camisetas. Muitos argentinos compram produtos importados mais baratos no Temu e na Shein, os populares aplicativos de comércio eletrônico chinês.

Mas os setores com mão-de-obra intensiva cobiçados pelos políticos, como construção e indústria, não se recuperaram. Gustavo Murgia não encontrou emprego desde sua demissão na fábrica no ano passado. “Eu deveria estar trabalhando, mas o que posso fazer?”, disse ele. “O país está regredindo.”

Traduzido do inglês por InvestNews

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