Para atingir preços tão baixos, os fornecedores dizem que a empresa e outras semelhantes estão pressionando, exigindo preços mais baixos e prolongando os prazos de pagamento.
A BYD, ou Build Your Dreams, costuma pagar os fornecedores inicialmente com uma nota promissória eletrônica, que ela chama de D-chain, em referência à palavra “Dreams” em seu nome.
Os fornecedores chegam a esperar um ano até que as notas possam ser descontadas. Os fornecedores dizem que esses métodos de pagamento são um pesadelo para o fluxo de caixa. Mas eles estão se adaptando, porque estão desesperados para manter os pedidos.
O excesso de capacidade e a fraca demanda estão impulsionando essa tendência. O setor automobilístico da China é um dos muitos atingidos por uma onda deflacionária que ameaça a economia, já que as relações comerciais com os EUA permanecem tensas.
O fenômeno passou a ser conhecido pela palavra em mandarim neijuan, que se tornou amplamente utilizada para se referir a uma situação em que as pessoas trabalham duro e competem ferozmente sem que ninguém consiga progredir.
“O neijuan frequentemente surge quando uma economia passa por crises inesperadas, especialmente durante períodos deflacionários”, disse Jianwei Xu, economista sênior para a China no Natixis, um banco de investimento francês. Os fabricantes chineses de veículos elétricos, que têm que arcar com as grandes fábricas para mantê-las em funcionamento, estão “presos no neijuan“, disse Xu.
Preços em queda
Os preços dos produtos que saem das fábricas chinesas vêm caindo ano a ano há 32 meses consecutivos. As margens de lucro na indústria automobilística chinesa caíram quase pela metade na última década, para 4,3% nos primeiros cinco meses de 2025, segundo dados do governo.
Preços mais baixos podem parecer atraentes para os consumidores, mas o nivelamento por baixo é corrosivo para o crescimento, afirmam economistas. Fornecedores pressionados têm pouca margem para aumentar salários e trabalhadores em situação de vulnerabilidade social provavelmente não vão gastar muito em compras.
Os fornecedores afirmam que agora são solicitados a reduzir os preços com uma frequência que chega a ser mensal. As montadoras estão intensificando suas auditorias e exigindo informações sobre o que os fornecedores pagam pelos materiais.
As montadoras solicitam aos fornecedores que apresentem contas de luz, registros de turnos de trabalho e outros dados de custo para justificar seus preços, acreditam os fornecedores. E as montadoras vão às fábricas dos fornecedores para verificar se o número de trabalhadores informado nas linhas de produção está correto.
Frustrados com tais práticas, alguns fornecedores de automóveis começaram a se manifestar. Guo Chuan, presidente da KH Automotive Technologies, escreveu no mês passado uma carta aberta para expressar suas preocupações, intitulada “Eu Tenho um Sonho”. O documento viralizou nas redes sociais.
“Tenho um sonho de que um dia, na indústria automobilística chinesa, as principais montadoras e os grandes fornecedores, tenham consciência social”, escreveu ele.
Em uma pesquisa realizada pela Associação de Concessionárias de Automóveis da China, 84% das concessionárias afirmaram ter vendido carros no ano passado a preços inferiores aos preços de atacado pagos às montadoras.
Em novembro, a BYD pediu a alguns fornecedores que reduzissem os preços em 10%, enquanto a montadora estava negociando contratos para 2025, de acordo com uma carta vista pelo The Wall Street Journal.
“A competição de mercado vai culminar em um tudo ou nada”, escreveu a direção da BYD, pedindo um “esforço concentrado de toda a nossa cadeia de suprimentos para alcançar cortes de custos sustentados”.
Pagamentos da BYD
Nos últimos cinco anos, a BYD sextuplicou sua receita. No mesmo período, suas contas e títulos a pagar — que, segundo analistas, são essencialmente o dinheiro que a empresa deve a fornecedores — aumentaram nove vezes, chegando a US$ 54 bilhões, representando dois terços do seu passivo total no final do ano passado.
“O crescimento recente da BYD não foi financiado com dívida convencional”, disse Nigel Stevenson, analista da GMT Research, sediada em Hong Kong. Em vez disso, disse ele, a empresa pressionou os fornecedores para que ela tivesse dinheiro disponível para novas fábricas e equipamentos.
Grandes empresas ao redor do mundo costumam se aproveitar de sua posição para atrasar o pagamento de fornecedores em alguns meses, mas os prazos de pagamento são ainda maiores na China.
Os fornecedores da BYD afirmam que normalmente recebem em até alguns meses após o envio de uma fatura — mas o pagamento é em D-chain, a nota fiscal eletrônica emitida por uma subsidiária financeira da BYD, e não em dinheiro.
O prospecto da oferta pública inicial de uma fornecedora da BYD, a Guangdong Huazhuang Technology, oferece uma visão geral do sistema de pagamento.
Em meados de 2023, a BYD respondia por um quarto da receita da fornecedora, que fabrica peças automotivas, como controladores de sistemas de freio e ventiladores de refrigeração. A empresa em rápido crescimento precisava de capital para uma nova fábrica e entrou com pedido de IPO em junho de 2023.
Um dos seus problemas era o baixo fluxo de caixa. A empresa afirmou que estava recebendo em D-chain um ou dois meses após as entregas à BYD, que geralmente tinha um prazo de seis a oito meses.
Os fornecedores podem vender o D-chain para uma corretora ou banco, mas isso normalmente significa perder alguns pontos percentuais do valor nominal em taxas, afirmam especialistas do setor.
O analista Stevenson apontou para um item no balanço patrimonial da BYD denominado “outras contas correntes externas”, que, segundo ele, parece uma forma de financiamento da cadeia de suprimentos. O item foi incluído pela primeira vez no passivo em 2021, um ano antes de a subsidiária da montadora começar a emitir D-chain em larga escala.
O valor disparou para US$ 20 bilhões no final do ano passado, representando quase um quarto do passivo total. O relatório anual da BYD não informa a quem os US$ 20 bilhões são devidos.
Preocupação do governo
O governo começou a demonstrar preocupação. No final de junho, o legislativo chinês revisou sua lei de concorrência para adicionar cláusulas que proíbem grandes empresas de estabelecer “condições de pagamento obviamente irracionais” ou forçar fornecedores a assinar acordos de exclusividade.
O líder chinês Xi Jinping exigiu que as autoridades tomassem uma atitude em relação ao neijuan.
As autoridades estão investigando os riscos representados pelos instrumentos financeiros utilizados por montadoras, incluindo o D-chain, disseram pessoas familiarizadas com o assunto.
Sob pressão do governo, mais de uma dúzia de montadoras chinesas, incluindo a BYD, prometeram em junho pagar os fornecedores em até 60 dias após a entrega dos produtos — uma promessa que muitos fornecedores estão céticos se será mantida.
“As medidas do governo não abordam as razões fundamentais da guerra de preços”, disse Ernan Cui, analista da Gavekal Dragonomics.
“Embora as principais montadoras sejam lucrativas, há uma longa fila de empresas em dificuldades que provavelmente deveriam sair do mercado, mas continuam a produzir graças ao amplo financiamento do governo e do setor privado”, escreveu ela em uma nota de pesquisa recente.
Traduzido do inglês por InvestNews
Presented by