Quando o Concorde foi aposentado em 2003, prejudicado por uma economia em crise e um acidente em uma pista de Paris, parecia ser o fim da linha para viagens supersônicas. Nada surgiu como substituto. Na verdade, a velocidade das viagens aéreas seguiu na direção oposta, com muitas rotas ficando mais lentas nos últimos anos, quando o excesso de aeronaves e as ineficiências do controle de tráfego aéreo congestionaram os céus.
Um ex-engenheiro de software da Amazon chamado Blake Scholl fundou uma empresa para mudar isso. Há dez anos, ele lançou a Boom Supersonic, apostando que sua startup com sede em Denver poderia aproveitar o fascínio das viagens ultrarrápidas — um desejo que nunca desapareceu por completo, apesar dos desafios financeiros e práticos que encerraram a carreira de quase 30 anos do Concorde. Scholl vê um mundo onde voos de ida e volta para negócios transatlânticos acontecem em um único dia.
“A ideia é: ‘O voo supersônico obviamente seria ótimo, mas ninguém está fazendo isso, portanto, deve ser impossível’”, disse o executivo-chefe de 44 anos durante uma entrevista recente. “Isso não é verdade.”
Tentativas anteriores, incluindo uma da Concorde, falharam por causa de modelos de negócios mal concebidos ou outros problemas organizacionais, já que grandes empresas aeroespaciais enfrentavam dificuldades para alterar a fabricação visando novos tipos de produtos.
A tecnologia necessária para alcançar o voo supersônico, argumentou ele, sempre esteve disponível.
Aficionado por aviação e autodidata, Scholl regularmente se depara com pessoas críticas nas redes sociais, oscilando entre contra-argumentos sarcásticos e professorais em suas respostas. “Eu gostaria de ter pensado nisso antes de começar a empresa”, respondeu a um post no X que observou que o Concorde era muito caro para operar.
Fracasso ou viagens supersônicas
O sonho de Scholl é dividir a indústria da aviação em dois times: aqueles que acham que a Boom vai falhar e aqueles que acreditam que ele é o outsider que pode finalmente ressuscitar as viagens supersônicas.
Scholl quer que o primeiro jato da empresa, chamado Overture, esteja no ar até 2029. No ano passado, a Boom concluiu a construção de uma fábrica em Greensboro, na Carolina do Norte, onde planeja construir o jato. A fabricação de um protótipo do motor que alimentará o Overture já começou.
Seus fãs incluem grandes investidores em startups, multidões nas redes sociais, Elon Musk e o presidente Trump, que posaram no início deste ano com um modelo do jato Overture. A United, a American e a Japan Airlines fizeram pedidos preliminares para futuros aviões. A startup é apoiada pelo Y Combinator, famoso acelerador do Vale do Silício, pelo ex-CEO da United Oscar Munoz e pelo fundador da OpenAI Sam Altman. O ex-CEO da Boeing, Phil Condit, faz parte do conselho da Boom.
Mas a empresa recentemente teve dificuldade para levantar dinheiro. Sua avaliação, antes próxima de US$ 1 bilhão, era de cerca de US$ 500 milhões no final de 2024, e a empresa reduziu suas metas de arrecadação de fundos. No final do ano passado, demitiu cerca de metade de seus 260 funcionários. A Boom ainda não começou a construir um jato em tamanho real.
O CEO da Delta, Ed Bastian, está entre os céticos, chamando o jato de “um ativo muito, muito caro” para os cerca de 75 viajantes que deve transportar — uma fração da capacidade de um jato típico de fuselagem larga. Ele disse que se lembra do Concorde como uma experiência legal, mas da qual participou apenas por meio de upgrades gratuitos, nunca com seu próprio dinheiro. Ele não tem planos de comprar jatos Overture. “Desejo-lhes boa sorte”, disse ele.
Scholl não se incomoda. Ele põe a culpa da falta de viagens supersônicas em uma indústria aeroespacial dominada por dois atores poderosos, a Boeing e a Airbus, que não estão dispostos a alterar velhos modelos de negócios.
A empresa no início deste ano testou o voo de um protótipo menor e está trabalhando para preparar um modelo em tamanho real para testes de voo até 2027.
No voo teste em janeiro, Scholl estava ao lado da torre de controle do Mojave Air and Space Port, ao norte de Los Angeles, em meio a uma multidão de cerca de 200 pessoas, incluindo funcionários, investidores e clientes, enquanto o elegante XB-1 branco decolava. O grupo assistiu a uma transmissão ao vivo do voo em um monitor externo gigante enquanto o avião — com um único assento — sobrevoava o deserto do sul da Califórnia.
A leitura da velocidade aumentou pouco a pouco antes de atingir Mach 1, ou cerca de 1200 quilômetros por hora, a velocidade necessária para quebrar a barreira do som.
Nos controles estava o piloto-chefe de testes da Boom, Tristan Brandenburg, graduado pela Escola Naval de Pilotos de Teste dos EUA, que também ajudou a treinar participantes do programa de táticas de caça de elite da Marinha, conhecido como Top Gun.
“Não tenho certeza se meu cérebro está me acompanhando”, disse Brandenburg depois do voo. “Acho que ainda pode estar voando na velocidade do som.”
Quanto ao estrondo sônico que ocorre quando um avião viaja mais rápido que a velocidade do som — e que serviu de inspiração para o nome da startup de Scholl —, o CEO disse que a empresa descobriu como resolver isso.
A Boom planeja silenciar o estrondo sônico usando uma técnica chamada Mach cutoff, embora a abordagem tenha limitações e nem todos os especialistas estejam convencidos de que é possível controlar o som o suficiente para evitar que seja um incômodo. Além disso, o modelo de negócios da empresa não depende de voos sobre terras habitadas, já que espera que seus aviões façam inicialmente a rota entre Nova York e Londres ou Paris.
O presidente Trump assinou uma ordem executiva na sexta-feira (6) instruindo a Administração Federal de Aviação a revogar uma proibição de cinco décadas de voos supersônicos sobre a terra nos EUA.
Preços
Enquanto uma passagem de ida e volta no Concorde custava mais de US$ 10 mil na década de 1990, a Boom diz que reduzirá o custo por assento no Overture para o de uma cabine executiva regular, que custa cerca de US$ 1.700 por trecho entre Nova York e Londres, embora caiba às companhias aéreas definir as tarifas. Ele disse que o interior da aeronave terá comodidades e espaço de classe executiva, pois o Concorde era conhecido mais por ser rápido — e legal — do que por ser confortável.
O conceito por trás do Concorde fazia sucesso na década de 1960, quando o avião foi projetado e construído sob um tratado franco-britânico. Mas o uso de combustível pesado do voo supersônico tornou-se um problema quando o avião fez sua estreia na década de 1970, depois que uma crise do petróleo elevou os preços do combustível de aviação e as preocupações ambientais aumentaram.
As companhias aéreas desistiram dos pedidos. A British Airways e a Air France foram as únicas compradoras, tendo sido fortemente subsidiadas por seus governos. Apenas 14 aviões de nariz fino foram construídos para uso comercial.
No final, o Concorde tinha operação e manutenção caras. Seu brilho desapareceu em comparação com as comodidades mais luxuosas em cabines de primeira classe de velocidade regular. A demanda em declínio após um acidente fatal em 2000 e a queda nas viagens após os ataques de 11 de setembro levaram à aposentadoria do jato.
Concorde
A história do Concorde fascinou Scholl por muito tempo. Enquanto entusiasta da aviação, ele passou anos devorando livros sobre a ciência e a engenharia por trás do voo e, aos 20 anos, obteve sua licença de piloto particular. “Não estamos trabalhando com novas tecnologias aqui”, disse ele.
A Boom pode ter sucesso financeiro, segundo ele, oferecendo apenas assentos na classe executiva. O esforço da Boeing para desenvolver um avião supersônico falhou no início dos anos 1970, disse ele, porque a empresa estava tentando criar um jato que pudesse transportar passageiros em todas as faixas de preço.
Outras empresas tentaram desenvolver jatos executivos supersônicos e pequenos aviões de passageiros desde que o Concorde foi aposentado em 2003. A Boeing fez outra tentativa ao apoiar uma startup chamada Aerion, que fechou em 2021 depois de ficar sem dinheiro. Os empreendimentos pararam devido a altos custos, desafios técnicos e falta de demanda, já que a velocidade simplesmente não é uma prioridade para as companhias aéreas.
Outros atores estão trabalhando no voo super-rápido, com aplicações militares e comerciais. A Lockheed Martin fez parceria com a Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço para desenvolver um jato supersônico que voa sem criar um estrondo sônico ensurdecedor. A startup Hermeus, com sede em Atlanta, que está trabalhando em um jato que voaria a velocidade hipersônica — cinco vezes a velocidade do som —, disse este mês que testou com sucesso um protótipo não tripulado. Enquanto isso, a estatal chinesa Comac declarou que pretende construir um jato supersônico silencioso.
Antes de começar a Boom em 2014, Scholl passou por várias startups depois de deixar a Amazon em 2006, e acabou conseguindo um emprego como executivo de nível médio na Groupon depois de vender seu mais recente empreendimento, um provedor de software de compras on-line chamado Kima Labs, para a provedora de cupons de desconto em 2012.
“Não há nada como trabalhar com cupons de internet para fazer você ansiar por construir algo que realmente ama”, escreveu ele no LinkedIn.
Modelo de negócios
Scholl começou a divulgar sua teoria — de que a tecnologia supersônica está aí, e é só o modelo de negócios que precisava ser trabalhado — para investidores, para executivos de companhias aéreas e para Condit, o ex-chefe da Boeing que estava na fabricante de jatos quando ela encerrou seu programa de aviões supersônicos no início dos anos 1970, depois que o governo dos EUA, assustado com altos custos e obstáculos tecnológicos, cortou o financiamento para o projeto.
Scholl fundou a Boom em seu porão quando morava na Área da Baía de San Francisco. Ele se mudou para Denver um ano depois e logo montou o primeiro hangar da empresa no minúsculo Aeroporto Centennial. Uma equipe de funcionários retirados de outras startups aeroespaciais e pequenas empresas de aviação começou a trabalhar.
A Boom projetou seu avião usando materiais compostos de fibra de carbono, que não eram amplamente utilizados quando o Concorde foi desenvolvido. Os engenheiros usaram simulações digitais em vez de um túnel de vento físico para criar o design aerodinâmico da aeronave. O Overture tem um design de nariz fino semelhante ao do Concorde. Ele conta com câmeras externas para garantir a visão dos pilotos.
“Penso nela como uma empresa que não está apenas construindo um avião supersônico mais barato”, disse Condit, “mas sim trazendo uma abordagem moderna do Vale do Silício para agitar o setor aeroespacial do mesmo modo que a Tesla fez com a indústria automotiva”.
Condit ficou preocupado com o futuro da Boom em 2022, depois que a Rolls-Royce, que deveria fornecer os motores do Overture, disse que estava desistindo do acordo porque o voo supersônico não era mais uma prioridade.
Scholl tinha um plano B pronto no momento em que o rompimento foi oficial: a Boom montaria seu próprio motor desde o início, fabricando algumas peças internamente e adquirindo outras de vários fornecedores.
Com o design definido e um plano de motor, a Boom agora está trabalhando para restringir a funcionalidade das peças e das ferramentas de fábrica.
Algumas companhias aéreas fizeram pedidos, mas seus depósitos são relativamente pequenos. A Japan Airlines investiu US$ 10 milhões na empresa em 2017. A United e a American fizeram adiantamentos menores, de acordo com pessoas familiarizadas com os negócios. Mais fundos dos clientes só virão quando os aviões estiverem mais perto de serem entregues, e os acordos foram cuidadosamente elaborados para que as companhias aéreas ainda tenham a opção de não os aceitar, disseram as pessoas.
Captação de recursos
Depois de dizer inicialmente que a Boom precisava levantar de US$ 6 bilhões a US$ 8 bilhões para iniciar a produção do Overture, Scholl agora pretende ter de US$ 1 bilhão a US$ 2 bilhões, o que ele diz ser suficiente para levar o projeto ao estágio em que os pagamentos dos clientes começam a financiar as operações. A Boom arrecadou US$ 600 milhões até agora.
Munoz, ex-CEO da United e investidor da Boom, disse que ficou impressionado com a forma como a empresa conseguiu simplificar e manter o foco quando enfrentou desafios de captação de recursos no ano passado, que ele descreveu como as dores de crescimento típicas de startups. Ele ajudou a fazer apresentações a possíveis novos patrocinadores.
“O financiamento foi uma coisa assustadora”, disse Munoz. “O produto em si, não é assustador.”
Scholl não se intimida com os desafios.
“Existe essa crença na indústria de que fazer esse tipo de coisa requer bilhões de dólares, um exército de pessoas”, disse ele, referindo-se às recentes demissões. “E eu meio que cometi o erro de querer entrar nisso.”
“Ele é muito determinado e acredita tanto na missão que nunca duvida que encontrará um caminho”, disse Jared Friedman, sócio da Y Combinator, a aceleradora do Vale do Silício que está entre os investidores da Boom. “Ele começou basicamente sem uma rede profissional, e um ou dois anos depois elaborou um plano cuidadoso.”
Traduzido do inglês por InvestNews
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