No final do ano passado, o restaurante Giglio em Lucca, na Itália, fez um pedido surpreendente: ter sua estrela Michelin removida do guia de 2025. O restaurante toscano havia sido premiado com a estrela em 2019 por sua comida tradicional italiana com um toque moderno, como batatas com molho de lula, cogumelos chanterelle e salsinha picante. Então, surgiu uma nova clientela com expectativas elevadas. Os proprietários, que desejavam um ambiente mais descontraído, passaram a encarar o prêmio como um fardo.

“Esse reconhecimento representa a maior conquista que um jovem chef pode aspirar”, disse Stefano Terigi, chef do Giglio. “Não tivemos tempo de descobrir se era realmente o que queríamos; nós não fomos atrás dela.”

Por mais de um século, o Guia Michelin funcionou como uma estrela-guia culinária para chefs de todo o mundo, trazendo-lhes clientes internacionais e fama que levaram a livros de receitas, produtos de cozinha e muito mais.

Os guias da empresa francesa de pneus se expandiram pelo mundo, criando edições regionais anuais com listas de restaurantes de alto nível, conforme determinado pelos testadores anônimos da empresa. Agora, alguns chefs dizem que o prestigioso prêmio pode se transformar em um problema para os restaurantes, que acabam cheios de desvantagens financeiras e criativas.

Nem todos os restaurantes listados nos guias têm estrelas, mas alguns poucos recebem entre uma e três delas, uma distinção considerada o auge da conquista de um chef. Todos os anos, a empresa lança seus guias regionais em cerimônias em todo o mundo; na segunda-feira, o guia de 2025 para o Reino Unido e a Irlanda foi festejado em um evento em Glasgow.

“Em alguns aspectos, [uma estrela] pode ser um pouco sufocante”, disse Scott Nishiyama, chef e proprietário do Ethel’s Fancy em Palo Alto, na Califórnia, que treinou com chefs com estrelas Michelin antes de abrir seu próprio restaurante. Ele disse que a possibilidade de um inspetor Michelin entrar pela porta a qualquer momento pode causar tensão: “Você não tem a liberdade ou a alegria necessárias para fazer descobertas e cometer erros, porque está simplesmente preocupado em perder aquela estrela ou tentar alcançar a primeira.”

Scott Nishiyama (no centro), o chef e proprietário do Ethel’s Fancy, na Califórnia, disse que a possibilidade de um inspetor Michelin entrar pela porta a qualquer momento pode ser enervante. Reprodução: Instagram

Uma estrela também pode prejudicar a renda de um restaurante, disse Simon Olesen, que dirige a popular brasserie Møntergade em Copenhague, que foi listada sem estrelas no guia da Dinamarca de 2024. Ele disse que muitos trabalhadores cujas refeições são bancadas por seus empregadores evitariam restaurantes que pareçam muito extravagantes. Alguns tipos corporativos “provavelmente comem aqui três vezes por semana”, disse Olesen. “Se conseguirmos a estrela e eles não puderem mais vir, não vão gastar seu próprio dinheiro porque preferem comer aqui.”

Ser reconhecido é uma “recomendação gratuita” para restaurantes que estão fora das grandes cidades ou que não têm recursos para anunciar, disse Gwendal Poullennec, diretor internacional do Guia Michelin. “O Guia Michelin é uma verdadeira bênção”, disse ele. “Nós destacamos o talento.”

Poullennec diz que os restaurantes não podem optar por não serem reconhecidos pela Michelin, apesar dos esforços de lugares como o Giglio, o restaurante italiano cuja clientela mudou após o prêmio. “Muitas vezes eles não vinham por nós, mas pela estrela”, disse Terigi, o chef do Giglio. “Nós nos sentimos um pouco despersonalizados.”

Poullennec considera os restaurantes que tentam devolver sua estrela como anomalias. Nos seis anos em que ocupou seu cargo, Poullennec estima ter lidado com quatro casos de restaurantes que não queriam mais manter a estrela, das centenas que são concedidas anualmente. Ele suspeita que alguns desses estabelecimentos podem não estar mais operando em um nível de estrela e acreditam que estão prestes a perdê-la. Apesar da posição da Michelin de que os restaurantes não decidem sobre seu status de estrela, o Giglio ainda está listado on-line no guia, mas nenhuma estrela aparece ao lado de seu nome.

Embora o Guia Michelin diga que apenas fatores como qualidade da cozinha e domínio da técnica são considerados, alguns donos de restaurantes, incluindo Olesen, sentem que precisariam manter a perfeição em todos os níveis em troca de uma estrela, até mesmo a maciez de papel higiênico nos banheiros.

Isso pode dificultar a administração de um restaurante, dizem os proprietários. Uma estrela pode levar a um aumento nos negócios e nas vendas, mas uma queda quase inevitavelmente se segue, de acordo com um relatório de 2021 sobre o impacto da estrela Michelin em restaurantes na cidade de Nova York publicado no Strategic Management Journal, periódico de pesquisa. Para alguns lugares, isso pode ser um golpe fatal, pois acabam tendo dificuldade para sustentar novos custos, como ingredientes de alta qualidade, aumento dos aluguéis dos proprietários que reavaliam suas propriedades e funcionários que exigem pagamento proporcional ao seu valor recém-descoberto, disse o relatório.

“Se eu quisesse chegar a esse nível [de uma estrela], seria necessário muito mais tempo e energia da minha parte”, disse Justin Kent, chef americano que treinou com David Toutain e Alain Passard antes de abrir seu próprio restaurante em Paris, o Milagro, que aparece sem estrela no guia da França de 2024.

Também se torna um investimento financeiro, disse Kent, um que drenou outros chefs, que tiveram dificuldade em manter os custos depois de alcançarem o status de ouro da estrela.

“Estou muito feliz com a minha vida do jeito que está”, afirmou ele. Kent regularmente traz seu cachorrinho Tofu para o trabalho, para alegria dos clientes.

Traduzido do inglês por InvestNews

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