O Hamas está enfrentando um novo problema em Gaza: conseguir o dinheiro necessário para pagar suas tropas.

No mês passado, Israel cortou o fornecimento de produtos humanitários para o enclave, alguns dos quais o Hamas vinha apreendendo e vendendo para arrecadar fundos, de acordo com autoridades árabes, israelenses e ocidentais. Uma ofensiva renovada teve como alvo oficiais do Hamas que desempenhavam papéis importantes na distribuição de dinheiro, além de forçar outros a se esconderem, disseram autoridades de inteligência árabes.

Nas últimas semanas, os militares israelenses disseram que mataram um cambista que era fundamental para o que chamaram de financiamento terrorista para o Hamas, bem como várias altas autoridades políticas. O resultado para o Hamas foi debilitante.

Salários atrasados

Os pagamentos salariais a muitos funcionários do governo de Gaza cessaram, enquanto inúmeros combatentes seniores e autoridades políticas começaram a receber apenas cerca de metade de seu salário no meio do período sagrado do Ramadã no mês passado, disseram as autoridades de inteligência.

O salário dos combatentes do Hamas estava em média em torno de US$ 200 a US$ 300 por mês, disseram elas.

A falta de dinheiro está criando dificuldades nas fileiras do Hamas e na economia de Gaza, sinalizando um aprofundamento da disfunção organizacional do grupo militante, que também enfrenta uma estratégia militar israelense mais agressiva.

“Mesmo que eles tenham grandes quantias de dinheiro, sua capacidade de distribuí-lo seria muito limitada agora”, disse Eyal Ofer, pesquisador da economia de Gaza. Ofer explicou que os métodos de pagamento típicos do Hamas eram mensageiros carregando dinheiro ou estabelecendo um ponto de pagamento, o que criava alvos para as tropas israelenses. “Essas duas coisas chamavam a atenção”, disse ele.

O Hamas não respondeu a um pedido de comentário sobre sua posição financeira ou seus métodos para obter dinheiro.

As finanças do Hamas

O Hamas, que controla o governo civil de Gaza, recebia transferências mensais de US$ 15 milhões em dinheiro do Catar antes da guerra.

Também levantava fundos de lugares como a África Ocidental, o Sul da Ásia e o Reino Unido, chegando a acumular cerca de US$ 500 milhões, grande parte mantida na Turquia, de acordo com autoridades ocidentais e árabes. 

Assim que a guerra começou, Israel limitou fortemente a transferência de dinheiro físico para Gaza, forçando o Hamas, que os EUA designaram como grupo terrorista, a encontrar maneiras de contornar as restrições.

No início, o grupo estava envolvido na retirada de US$ 180 milhões de agências do Banco da Palestina e outras instituições, disseram autoridades palestinas atuais e passadas.

O Hamas usou o fluxo de bens humanitários e comerciais para estabelecer sua renda, de acordo com autoridades árabes, israelenses e ocidentais. Isso incluiu a cobrança de impostos sobre os comerciantes e sobre os caminhões nos postos de controle, além de determinar quais mercadorias seriam revendidas. O Hamas também usou dinheiro no exterior para comprar produtos humanitários que eram vendidos em Gaza e transformados em dinheiro, disseram autoridades.

Crise de liquidez

Mesmo com essas soluções alternativas, o Hamas estava se aproximando de uma crise de liquidez antes que o cessar-fogo de janeiro trouxesse um influxo de ajuda a Gaza, dando ao grupo a chance de reabastecer seus cofres, disseram autoridades israelenses e ocidentais.

Esses caminhos foram interrompidos quando Israel fechou as fronteiras de Gaza para suprimentos humanitários em março.

“Há uma grande crise no Hamas em termos de obtenção de dinheiro”, disse Moumen Al-Natour, advogado palestino do campo de refugiados de Al-Shati, no centro de Gaza.

Natour, que faz parte de um crescente movimento de oposição ao governo do Hamas, disse que o grupo está lutando para pagar funcionários do governo afiliados ao Hamas. “Eles dependiam principalmente da ajuda humanitária que era vendida no mercado negro para obtenção de dinheiro.”

Risco da volta da fome

Organizações humanitárias criticaram o corte, dizendo que há o risco da volta da fome extrema aos dois milhões de residentes do enclave.

O ministro da Defesa israelense, Israel Katz, disse no domingo que bloquear a ajuda mina o controle do Hamas e afirmou nesta semana que Israel está trabalhando em um novo plano para distribuir ajuda por meio de parceiros civis.

A capacidade do Hamas de gerar renda por meio de produtos da ajuda humanitária tem sido tão significativa que Israel está reavaliando seu processo de triagem de remessas futuras.

No passado, concentrou-se no bloqueio de mercadorias que considerava risco à segurança. Agora, os militares estão considerando um escrutínio adicional até mesmo para bens permitidos, caso tenham alto valor econômico para o Hamas, disse uma autoridade israelense.

Durante o cessar-fogo, o Hamas montou pontos de distribuição de salários, pagando às pessoas em dinheiro ou às vezes com mercadorias, disseram autoridades de inteligência árabes. Depois que Israel retomou seus ataques em março, o pagamento migrou para redes interpessoais, já que grande parte do grupo estava escondida.

Aumento do estresse

Os pagamentos reduzidos estão dificultando a atração de novos recrutas e a manutenção da coesão, em um momento em que Israel ocupa mais terras e os moradores de Gaza montam uma rara onda de protestos contra o Hamas por não conseguir acabar com a guerra.

A crise de caixa está agravando o estresse sobre os civis em Gaza, que podem usar a moeda de Israel. Os habitantes desabrigados que precisam procurar comida, abrigo ou remédios no enclave destruído também precisam lutar por dinheiro para pagar por essas coisas.

O banco central de Israel atualizava rotineiramente o suprimento de shekels para Gaza antes da guerra, mas a região não recebeu uma injeção de novas notas desde que os combates começaram há 18 meses. Muitas das 56 agências bancárias e 91 caixas eletrônicos de Gaza foram destruídos ou pararam de funcionar durante a guerra.

“Conserto” de dinheiro

Organizações de ajuda humanitária forneceram dezenas de milhões de dólares em assistência em dinheiro aos palestinos desde o início do conflito, desembolsando fundos por meio de aplicativos populares de pagamento eletrônico, de acordo com autoridades de inteligência árabes.

Os habitantes de Gaza também recebem remessas de familiares e amigos no exterior. Mas, para transformar isso em dinheiro, eles precisam pagar comissões de câmbio superiores a 20%, disse um alto funcionário financeiro palestino. 

Ninguém sabe exatamente quanto dinheiro físico resta em Gaza, mas analistas como Ofer estimam que pode haver US$ 3 bilhões em notas circulando. 

A falta de dinheiro é tão terrível que criou uma indústria caseira de oficinas de “conserto” de dinheiro, onde os palestinos literalmente lavam as notas e as remendam com fita adesiva, para que voltem a circular.

Traduzido do inglês por InvestNews

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