Você esperaria no frio, a noite toda, só para ver uma peça de Shakespeare?

Em Nova York, a fila para o espetáculo gratuito Shakespeare in the Park é tão famosa quanto o próprio espetáculo ao ar livre. Este ano, então, tem sido um pesadelo de verão.

A culpa é da empolgação com a reforma de US$ 85 milhões do Teatro Delacorte, no Central Park, ou do hiato de um ano que ela provocou. A culpa também é da produção repleta de estrelas, com Sandra Oh, Peter Dinklage e a vencedora do Oscar Lupita Nyong’o. Mas, faça o que fizer, entre cedo na fila.

Kelly Gregor chegou com o marido às 2h30 da manhã em um dia de semana recente. A estudante de pós-graduação de 29 anos ouviu dizer que conseguir ingressos seria difícil. “Não quero arriscar”, disse ela.

Estava assustadoramente escuro quando eles se acomodaram na extremidade oeste do parque, que fica fechado até as 6h. Em poucas horas, centenas de outras pessoas se juntaram a eles, espalhadas em cobertores e cadeiras de camping.

Gregor trouxe chocolate e pipoca. Ela até planejava dormir um pouco, mas foi impedida pelo frio de fim de verão. Seu marido acabou indo para casa buscar roupas extras. Outros na multidão pediram sopa quente de um restaurante local.

Quando o parque abriu e todos entraram, a fila já tinha crescido. A sensação era estranhamente familiar enquanto as pessoas esperavam o início da distribuição de ingressos ao meio-dia.

“Para Nova York, isso é notavelmente civilizado”, disse Timm Ryan-Young. O morador do Brooklyn, de 60 anos, lembrou-se da vez em que viu outras pessoas na fila reservarem um lugar para alguém enquanto saíam para uma corrida de 45 minutos.

Fila de pessoas em um evento em Nova York
Foto: The Wall Street Journal

Ryan-Young transformou o espetáculo em uma tradição. Este ano, isso exigiu ainda mais tenacidade. Suas duas primeiras tentativas de conseguir ingressos falharam; ele chegou ao local tarde demais. A terceira tentativa foi bem-sucedida, mas só depois que ele e sua filha universitária acordaram à 1h30 da manhã.

Michael Mahoney chegou às 5h45. O homem de 56 anos, que estava na fila com a esposa, achou que tinham uma boa chance, já que acabaram parando dentro de uma placa que alguns fanáticos chamam de “Rocha Sem Esperança”.

“Estávamos perto da Tree of Some Hope“, brincou ele. Eles não conseguiram.

O desafio do ingresso

Para alguns nova-iorquinos astutos, encontrar maneiras de evitar a fila e ainda assim conseguir o ingresso é o maior desafio.

Todo verão, a Same Ole Line Dudes, que se autodenomina “A principal equipe de profissionais que ficam em filas em Nova York“, recebe um fluxo de pedidos de aspirantes a espectadores de teatro. “Este ano, os pedidos para o Shakespeare in the Park dobraram”, disse o fundador Robert Samuel.

A empresa cobra US$ 25 por hora pelos serviços, com um mínimo de duas horas, mais uma taxa de US$ 15 para quem ficar na fila antes das 7h. Um grupo de turistas mexicanos desembolsou US$ 795 por seis ingressos, entregues em seu hotel.

Mas mesmo os profissionais podem ficar aquém do esperado, devido à demanda imprevisível e aos espectadores dispostos a esperar até 16 horas pelos ingressos. “Isso já aconteceu três vezes neste verão”, disse Samuel, em comparação com uma vez nos 11 anos anteriores.

A semana de encerramento, que começa em 9 de setembro, deve ser a mais difícil. “Não sei se precisaremos começar às 23h como outros precisaram”, disse Samuel, “mas vamos monitorar”.

Outras estratégias também falharam em alguns momentos, incluindo loterias digitais e presenciais e a ida a pontos de distribuição de ingressos secundários em outros distritos de Nova York, que no passado tinham tempos de espera mais curtos.

June Joseph havia planejado ir ao local do Bronx por volta das 7h, imaginando que 5h seria cedo demais. Então, a moradora de Yonkers recebeu a notícia de uma colega de trabalho de que provavelmente não seria. “Eu reverti isso rapidamente”, disse ela.

Quando chegou, às 4h40, não era a primeira pessoa na fila. Mas June Joseph estava pronta; várias visitas ao Walt Disney World a haviam preparado para longas esperas.

Para o elenco, as filas épicas conferiram um senso de responsabilidade. “Tem gente esperando desde as 2h ou 3h da manhã”, disse Junior Nyong’o, irmão de Lupita, que também aparece na produção. “É melhor a gente começar.”

Doação no lugar das filas

Os espectadores que se recusam a encarar filas têm outra opção: se tornarem doadores da Public, uma organização sem fins lucrativos que concede ingressos para o Delacorte aos seus colaboradores.

Mas, como observou o diretor executivo Patrick Willingham, é um acordo caro, com uma doação mínima de US$ 3.000 agora exigida para quatro ingressos. Anteriormente, a Public concedia um assento individual àqueles que fizessem uma contribuição de pelo menos US$ 300. “Não há como burlar o sistema”, disse Willingham.

A estratégia de Gregor de estar na primeira fila deu resultado. Mas a privação de sono cobrou seu preço. Quando ela e o marido chegaram para a apresentação, perceberam que seus ingressos ainda estavam em casa. Depois de uma correria louca, voltaram a tempo para o show das 20h.

Gregor adorou a produção, mas ela não tinha certeza se o marido havia aproveitado a experiência ao máximo. “Ele dormiu duas vezes.

Traduzido do inglês por InvestNews

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