Quando Mike Hsu assumiu a gestão das operações da Kimberly-Clark, há quase uma década, 22 das 23 divisões da companhia enfrentavam dificuldades. Hsu disse à equipe: “Vamos consertar esse avião enquanto ele ainda está voando.”

Desde então, o executivo veterano do setor de bens de consumo ajudou as unidades a melhorarem seu desempenho — mas havia um limite no quanto era possível crescer vendendo fraldas Huggies, lenços Kleenex e papéis higiênicos Scott.

Agora, como CEO da Kimberly-Clark, Hsu embarcou em uma guinada ousada. Ele anunciou, na segunda-feira (3), que a empresa comprará a Kenvue — fabricante do Tylenol — por US$ 40 bilhões, em um dos maiores negócios da história do setor de consumo. O objetivo é conquistar uma posição de liderança no mercado de produtos de saúde e bem-estar, de margens mais altas, mas ainda pouco familiar à companhia.

“Tudo nos levou à área de saúde e bem-estar”, disse Hsu a analistas e investidores após o anúncio. “Eu realmente queria que a empresa tivesse maior exposição a categorias de maior crescimento e rentabilidade.”

Se o negócio for aprovado por acionistas e reguladores, a companhia combinada venderá produtos essenciais para consumidores em todas as fases da vida: pais de primeira viagem poderão comprar as fraldas Huggies da Kimberly-Clark junto com o xampu Johnson’s Baby da Kenvue; adultos poderão adquirir desde absorventes Kotex até chicletes Nicorette e fraldas geriátricas Depend.

Hsu está apostando alto que a entrada no segmento de saúde e bem-estar trará o crescimento que Wall Street procura, mas que os produtos tradicionais da Kimberly-Clark não conseguiram entregar até agora.

Ao adquirir a Kenvue, Hsu também herda os desafios da empresa, que foi desmembrada da Johnson & Johnson em 2023 e se tornou alvo de investidores ativistas. As ações da Kenvue haviam perdido mais de um terço do valor no acumulado do ano antes do anúncio da aquisição.

O golpe mais recente veio de uma declaração do presidente Donald Trump, alertando que o principal ingrediente do Tylenol poderia causar autismo — algo que investidores temeram que pudesse gerar novas ações judiciais.

“Sabemos que a Kimberly-Clark vem falando de sua ‘transformação’ há algum tempo, mas parece muito cedo para praticamente dobrar o tamanho da companhia e expandir-se para tantas novas categorias e geografias”, escreveu a analista Lauren Lieberman, do Barclays, em nota a investidores.

Wall Street reagiu negativamente: as ações da Kimberly-Clark caíram 14,6% no dia, enquanto as da Kenvue subiram 12,5%.

Hsu disse que ele e o conselho “avaliaram cuidadosamente todos os riscos e oportunidades” do negócio e concluíram que se trata de “uma oportunidade de criação de valor geracional para ambas as empresas”.

Imagem de um pote de Tylenol aberto e diversas pílulas na mesa
Foto: Getty Images

Segundo pessoas próximas ao assunto, a Kimberly-Clark já vinha considerando a Kenvue e suas marcas antes mesmo da cisão da Johnson & Johnson. Quando a Kenvue anunciou, no início deste ano, que avaliaria alternativas estratégicas, abriu-se a chance para uma oferta. Outras companhias, como a Procter & Gamble, também analisaram o ativo.

Apesar das preocupações com o Tylenol, a Kimberly-Clark se sentiu mais confortável com o negócio em parte porque pôde comprar a empresa por um preço menor, após a desvalorização das ações. A companhia também aceitou assumir quaisquer riscos futuros relacionados ao medicamento.

De acordo com o acordo de fusão, eventuais problemas com o Tylenol não poderão ser considerados uma “mudança adversa relevante” que permita à Kimberly-Clark desistir da operação. Caso o negócio seja desfeito, cada empresa deverá pagar à outra uma multa de cerca de US$ 1 bilhão.

A aposta de Hsu ocorre em um ambiente difícil para empresas de bens de consumo, que vêm disputando espaço no orçamento das famílias, comprimidas pela alta de custos. O crescimento de vendas se tornou escasso, e muitas companhias seguiram o modelo da P&G, vendendo marcas medianas e concentrando-se nas mais fortes e lucrativas.

O setor de beleza e bem-estar, porém, tem sido um ponto positivo: consumidores passaram a investir mais em autocuidado e prevenção desde a pandemia. Produtos de cuidados pessoais da Dove e suplementos Nutrafol impulsionaram as vendas da Unilever no último trimestre.

Poucas empresas de saúde e bem-estar têm um portfólio tão reconhecido quanto o da Kenvue, que herdou as marcas históricas da J&J e vende nomes como Neutrogena, Aveeno, Listerine e o próprio Tylenol, presente em praticamente todos os armários de remédios.

Ainda assim, a Kenvue enfrentou dificuldades desde sua independência, atraindo investidores ativistas como a Starboard Value em 2024. A empresa evitou uma disputa por procurações em março, mas o então CEO Thibaut Mongon deixou o cargo em julho, substituído por Kirk Perry, que prometeu simplificar o portfólio.

Perry, ex-executivo da P&G por mais de 20 anos, mal havia começado a lidar com os problemas quando Trump e o secretário de Saúde Robert F. Kennedy Jr. alertaram que o ingrediente ativo do Tylenol, o paracetamol, poderia causar autismo.

O Tylenol é uma das principais fontes de receita da Kenvue, com vendas anuais superiores a US$ 1 bilhão, segundo analistas.

A alegação de que a exposição pré-natal ao paracetamol causaria autismo surgiu como ameaça judicial no início da década, quando centenas de ações foram movidas nos EUA. A Kenvue obteve uma grande vitória em 2023, quando um juiz federal determinou que não havia provas suficientes de relação causal e arquivou os casos. Os autores recorreram, e uma audiência está marcada para meados de novembro.

As novas advertências do governo Trump podem gerar mais litígios e afetar as vendas do produto.

Além disso, a Kenvue ainda pode enfrentar processos fora dos EUA e do Canadá por causa do talco do Johnson’s Baby Powder. Após a cisão, a Johnson & Johnson manteve a responsabilidade por esses casos nos dois países, mas a Kenvue ficou encarregada das ações em outras regiões. A empresa deixou de vender talcos com esse componente, substituindo-o por amido de milho.

Hsu, de 61 anos, foi sócio da Booz Allen Hamilton na área de consumo e ocupou cargos de liderança na Kraft e na H.J. Heinz antes de ingressar na Kimberly-Clark em 2012. Tornou-se diretor de operações em 2017 e CEO em 2019. Desde que assumiu o comando, as ações da Kimberly-Clark haviam subido 5% até o anúncio da aquisição da Kenvue.

Durante a teleconferência com analistas e investidores, Hsu pareceu pouco intimidado pelos riscos da compra, pontuando sua fala com piadas e histórias pessoais. Em sua tentativa de transformar a Kimberly-Clark em uma empresa de crescimento e concorrente real no setor de beleza e bem-estar, disse sempre ter visto a Kenvue como “a debutante do baile”.

Hsu afirmou que a Kimberly-Clark vinha se preparando há anos para esse movimento, estudando o mercado de consumo e avaliando os benefícios demográficos da guinada para a saúde.

“Quando se pensa em uma população global envelhecida, saúde e bem-estar são os setores com os ventos mais favoráveis”, disse. “Esse movimento só vai acelerar nos próximos 30 anos — exatamente nessa direção.”

Traduzido do inglês por InvestNews

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