Nos anos que se seguiram à primeira guerra comercial iniciada pelo ex-presidente Donald Trump contra a China, Pequim trabalhou discretamente na criação de um arsenal capaz de atingir os Estados Unidos onde mais dói: nas empresas americanas dependentes do mercado chinês. Agora, esse arsenal está pronto para ser usado em sua totalidade.

Nesta quarta-feira (9), o governo chinês anunciou que vai elevar para 84% as tarifas sobre todos os produtos importados dos EUA, em resposta às novas tarifas de 104% impostas pelos americanos às importações chinesas. No entanto, as medidas da China não se limitam aos tributos.

Retaliação comercial da China

Diferente de Trump, que baseia sua estratégia comercial principalmente em tarifas, a China aposta em ações mais amplas. O foco é dificultar a vida das empresas americanas que têm laços comerciais com o país asiático. A ideia é clara: causar prejuízos às companhias que se beneficiam do acesso ao segundo maior mercado do mundo.

Entre os instrumentos já utilizados por Pequim — e que tendem a ser ampliados — estão:

Essas ferramentas refletem a disposição do presidente Xi Jinping de travar uma guerra econômica prolongada com os Estados Unidos. Com os dois países caminhando para um “desacoplamento econômico”, os riscos para empresas americanas que operam ou investem na China — ou mesmo que apenas comercializam com o país — aumentam significativamente.

Segundo Evan Medeiros, ex-assessor de segurança nacional na gestão Obama e hoje professor na Universidade de Georgetown, “a China montou, de forma sistemática, um novo arsenal para minimizar seus próprios custos e maximizar os danos aos EUA. Eles estão preparados para uma vantagem assimétrica nessa guerra comercial.”

A retórica oficial chinesa também endureceu. O Ministério do Comércio afirmou que “se os EUA insistirem em seu caminho, a China lutará até o fim”.

Tarifa média de produtos chineses chega a 125%

A nova tarifa de 104% imposta por Trump eleva a média das tarifas totais sobre produtos chineses para quase 125%. Em resposta, o Ministério das Relações Exteriores da China declarou que tomará medidas vigorosas para proteger os interesses do país, mas deixou aberta a possibilidade de negociação, desde que com “igualdade, respeito e reciprocidade”. Já o Ministério do Comércio destacou que os EUA mantêm um superávit comercial de US$ 26,6 bilhões com a China no setor de serviços (dados de 2023).

Algumas medidas, no entanto, seguem fora do radar de Pequim no curto prazo, por também representarem riscos internos. Entre elas, estão a desvalorização acentuada do yuan ou a venda agressiva de títulos da dívida americana (Treasuries), o que poderia desestabilizar os mercados financeiros da própria China.

Nos bastidores, autoridades chinesas vêm se aproximando de países do Sudeste Asiático — como Camboja, Laos e Tailândia — em busca de novos acordos comerciais. Pequim também tem promovido o uso do yuan nas transações internacionais, em sua estratégia de “desdolarização”.

China com regras antitruste

A escalada nas tensões entre Pequim e Washington tem sido marcada por ataques e contra-ataques. A esperança inicial do governo chinês por uma negociação com a nova administração americana deu lugar à frustração — e agora à retaliação.

Uma das armas favoritas da China tem sido o uso seletivo das regras antitruste. Um exemplo foi o bloqueio, em 2023, da proposta de aquisição da israelense Tower Semiconductor pela Intel, barrada por falta de aprovação dos reguladores chineses.

Mais recentemente, em resposta às tarifas de Trump, a China abriu uma investigação antitruste contra as operações da DuPont no país — empresa que gerou 19% de sua receita em 2023 com China continental e Hong Kong. O governo chinês também está revisando um acordo que transferiria o controle de dois portos no Panamá para um grupo liderado pela americana BlackRock. Apesar de os ativos não estarem em território chinês, a medida representa mais um ponto de atrito com os EUA.

Outra ferramenta poderosa nas mãos de Pequim é a chamada lista de entidades não confiáveis — equivalente à lista americana que restringe empresas estrangeiras por motivos de segurança nacional.

Essa lista foi criada em 2019, após os EUA incluírem a gigante chinesa Huawei em sua própria blacklist. Empresas classificadas como “não confiáveis” são proibidas de investir ou comercializar na China, e podem ver seus executivos impedidos de entrar no país.

Durante um bom tempo, o uso da lista foi discreto. Mas isso mudou no final de 2024. Segundo um estudo publicado na revista Washington Quarterly pelos analistas Evan Medeiros e Andrew Polk, o governo chinês tem ampliado tanto o número quanto o escopo das entidades incluídas.

Em 2023, a China incluiu as americanas Lockheed Martin e Raytheon Missiles & Defense na lista, por suas vendas de armas a Taiwan — medida que teve impacto limitado, já que ambas têm pouca presença no mercado chinês de defesa.

Calvin Klein e Tommy Hilfiger na mira da China

Em 2025, porém, o alvo chinês se expandiu para setores civis. Foram incluídas na lista a PVH Corp. — dona das marcas Calvin Klein e Tommy Hilfiger — e a empresa de biotecnologia Illumina. A PVH foi punida por ter anunciado que deixaria de usar algodão de Xinjiang, atendendo à legislação dos EUA. Já a Illumina é acusada por autoridades chinesas de pressionar o governo americano para excluir concorrentes chineses do mercado.

Até esta semana, 38 empresas dos EUA já haviam sido incluídas na lista chinesa, e a expectativa é que esse número aumente, à medida que a disputa comercial entre as duas potências se intensifica.

Traduzido do inglês por InvestNews

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