A liga de futebol mais rica do planeta está se desintegrando
A guerra civil eclodiu na Premier League, encabeçada pela posição contrária do Manchester City
O documento que mudou os rumos do futebol inglês — e, por extensão, do esporte mundial — foi inicialmente escrito à mão em uma única folha de papel em 1990.
Conhecido como Acordo dos Fundadores, tornou-se o estatuto de um novo empreendimento chamado Premier League. E, nas três décadas seguintes, ajudou a transformar a primeira divisão do futebol inglês em uma gigante da mídia e do entretenimento. Em sua essência está uma premissa simples: os clubes membros poderiam ser inimigos mortais em campo, mas no resto do tempo todos seriam parceiros de negócios inseparáveis.
Agora, pela primeira vez, esse pilar ameaça ruir.
Para onde quer que a Premier League olhe, os clubes estão em franca revolta. O Manchester City, que venceu seis dos últimos sete campeonatos, comparecerá a um tribunal arbitral esta semana para contestar as regras da liga sobre acordos de patrocínio. Isso se soma a um processo pendente contra o City alegando 115 violações das regras da Premier League sobre gastos e divulgação financeira, o que poderia resultar em títulos cancelados e perda de pontos.
O Everton, por sua vez, já sofreu as primeiras deduções de pontos na história da Premier League por gastos excessivos — duas vezes nessa última temporada, na verdade — e acusou a liga de tratamento injusto. O Nottingham Forest também desafiou a autoridade da liga alegando que os árbitros foram tendenciosos contra o time, o que levou a uma investigação da Federação Inglesa de Futebol. E o Wolverhampton Wanderers ficou tão irritado com as decisões em campo que apresentou uma moção para eliminar o VAR.
Mas, nessa tempestade, o caso do City representa o maior desafio à autoridade da Premier League. Nunca antes um único clube se levantou contra os outros 19 e tentou alterar fundamentalmente o Acordo dos Fundadores. No entanto, eis o City — o time que se transformou em um rolo compressor depois de ser adquirido por um membro da família real de Abu Dhabi em 2008 — querendo acabar com a exigência de que 14 dos 20 clubes concordem com qualquer possível mudança nas regras da Premier League.
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Em seu documento, o City denunciou a estrutura de “um clube, um voto” da liga como uma “tirania da maioria”, de acordo com o jornal “Times of London”, que revelou o processo na semana passada.
Até agora, nenhum clube havia ousado questionar o Acordo dos Fundadores, que é sem dúvida o texto mais consequente do futebol global desde que as Regras do Jogo foram elaboradas em um pub londrino em 1863. A carta, que formalizou a separação dos principais clubes da Inglaterra da estrutura que existia há mais de um século, transformou o assunto de empresários e homens de negócios locais em um playground de bilionários globais. Investidores americanos, oligarcas russos e xeques do Golfo foram atraídos por seu alcance mundial e sua disposição de receber bem aqueles que oferecessem a maior quantia.
Foi isso que levou o xeque Mansour bin Zayed Al Nahyan a investir no City em 2008. Nos anos que se seguiram, o clube gastou bilhões montando um dos elencos mais caros da história do futebol — algo que não foi feito para garantir um segundo lugar.
As tensões estavam fervilhando entre o City e seus rivais desde que a Premier League começou a tentar impor medidas mais usuais nos esportes americanos do que o vale-tudo que existe no futebol inglês. Entre elas, várias propostas de limites de gastos, maior fiscalização e controles rígidos de dívidas. (Não é por acaso que cerca de metade dos clubes da Premier League agora têm donos americanos, acostumados a operar nas estruturas mais rígidas dos esportes em seu país e apoiar maiores controles financeiros.)
Contudo, a regra que o City contesta nesta semana é uma que os fundadores da Premier League nunca imaginaram ser necessária trinta anos atrás. Oficialmente, ela é chamada de proibição de “transações com partes associadas”. Na prática, isso limita a capacidade de patrocinadores ligados ou controlados pelos donos de um clube de despejar dinheiro como forma de driblar os regulamentos de gastos.
No caso do Man City, o clube enfrentou alegações de que deliberadamente supervalorizou acordos de patrocínio com empresas como a Etihad, principal companhia aérea de Abu Dhabi, cujo nome está estampado nas camisas do time e em seu estádio. O time sempre negou irregularidades. Espera-se que isso seja resolvido muito antes de qualquer veredicto sobre as outras 115 acusações.
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Enquanto isso, essas brigas judiciais não atrapalham a máquina do City em campo. No mês passado, a equipe conquistou um inédito quarto título consecutivo da Premier League. E o técnico Pep Guardiola não acredita que seus recordes na Inglaterra corram o risco de serem apagados.
“O que vai acontecer vai acontecer”, disse ele nesta temporada. “Neste momento, somos inocentes até que se prove o contrário.”
Escreva para Joshua Robinson em [email protected] e Jonathan Clegg em [email protected]
traduzido do inglês por investnews