Como a Rússia lucra vendendo grãos roubados da Ucrânia
Amigos e apoiadores do Kremlin lucram com a produção de grãos dos territórios ocupados
Além das bombas e tiros na guerra da Rússia na Ucrânia, uma guerra econômica paralela está em andamento.
A linha de frente dessa guerra são as terras agrícolas ucranianas ocupadas. Delas, a Rússia e seus parceiros já venderam quase US$ 1 bilhão em grãos roubados, negociados em um mercado paralelo que não para de crescer.
As forças de Moscou invadiram a Ucrânia em 2022 e desde então ocuparam algumas das terras agrícolas mais férteis da Europa. Os invasores confiscam as colheitas ou as compram a baixo custo, muitas vezes usando a força.
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O negócio envolve muita gente que se beneficia do sistema de clientelismo de Moscou durante a guerra, incluindo um estaleiro russo usado na invasão, uma empresa ligada à Guarda Revolucionária do Irã e um empresário da Crimeia que negocia com a Síria e com Israel. Outra empresa vende através dos Emirados Árabes Unidos.
O comércio dos produtos agrícolas ucranianos saqueados mantém os aliados da Rússia financiados e leais a Moscou, mesmo enfrentando uma crescente pressão econômica, o que garante uma espécie de financiamento dos objetivos do Kremlin.
O Kremlin não respondeu aos pedidos de comentários sobre suas exportações de safras ucranianas.
“É como se a guerra estivesse se alimentando”, disse Pascal Turlan, diretor jurídico da organização de direitos humanos Project Expedite Justice, que está ajudando os promotores ucranianos a investigar o roubo de grãos. “O comércio ilícito traz receita para um sistema de clientelismo patrocinado pelo Kremlin, o que, por sua vez, ajuda na continuação do conflito e da ocupação.”
O valor comercial exato da pilhagem russa é difícil de determinar por conta do caos da guerra e das evasivas de Moscou, mas é grande. Desde 2022, a operação enviou diretamente pelo menos quatro milhões de toneladas de grãos e outros produtos da Ucrânia ocupada para os mercados internacionais, gerando receita de US$ 800 milhões, disse Markiyan Dmytrasevych, vice-ministro da Agricultura da Ucrânia.
Muito mais foi exportado por terra ou pequenos navios, de acordo com a organização ucraniana sem fins lucrativos Texty, que estima que o valor total dos grãos tomados pela Rússia nos territórios ocupados pode chegar a US$ 6,4 bilhões.
O clientelismo assume muitas formas. Três embarcações que exportam grandes volumes de grãos ilícitos são de propriedade de uma cadeia de entidades corporativas da estatal russa United Shipbuilding Corp., que também produziu navios de guerra usados para bombardear cidades ucranianas, de acordo com o governo dos EUA.
Uma empresa russa que vendia exclusivamente grãos da região ocupada de Zaporizhzhia doou dez milhões de rublos – o equivalente a US$ 111 mil – para um batalhão que luta na província, de acordo com um documento obtido pelo KibOrg News, projeto ucraniano que documenta as atividades russas de pilhagem econômica nos territórios ocupados.
Moscou também está atacando as exportações de grãos da Ucrânia. Na noite de quarta-feira (11), um míssil russo atingiu um navio que deixava um porto no Mar Negro rumo ao Egito transportando trigo ucraniano, escreveu o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky em seu canal no Telegram.
Da fazenda para o mar
O comércio agrícola ilícito da Rússia começa nas fazendas ucranianas. As forças de Moscou obrigam os agricultores a vender suas safras a preços abaixo do mercado ou as roubam, às vezes se valendo de armas.
Bohdan Katerenyak, que administra um silo em Kherson, região do sul da Ucrânia conquistada pela Rússia no início da guerra, disse que estava trabalhando em agosto de 2022 quando homens armados com metralhadoras e usando balaclavas entraram em seu escritório.
“Temos ordem para assumir o controle”, disse um deles com sotaque checheno, entregando-lhe um cartão de identificação do FSB, o serviço de segurança doméstica da Rússia, contou Katerenyak. Poucos dias depois, outro homem, também alegando ser um agente do FSB, apreendeu os grãos da instalação.
“Eles são bandidos”, disse Katerenyak sobre esses indivíduos. Com medo, ele fugiu para o território controlado pela Ucrânia e depois soube que os silos haviam sido esvaziados.
Dessas fazendas, como a de Katerenyak, os produtos são enviados por caminhão e trem para portos ao longo do Mar Negro, alguns em território ucraniano ocupado.
Autoridades russas dizem que, no primeiro semestre deste ano, enviaram 15 navios transportando 81 mil toneladas de trigo para a Turquia. Os navios saíram de Mariupol, outra cidade conquistada durante a guerra.
Autoridades turcas disseram à reportagem que a Turquia proíbe navios vindos de terminais ucranianos ocupados e coopera com Kiev para bloquear o comércio ilícito.
Separadamente, em junho, o promotor ucraniano Ihor Ponochovniy começou a rastrear um navio de propriedade turca, o Usko MFU, que ele suspeitava estar transportando grãos roubados no ano passado do porto de Sebastopol, na Crimeia. A Rússia tomou a Crimeia da Ucrânia em 2014 e em 2022 vinculou-a à Kherson ocupada.
A força de fronteira da Ucrânia disse em junho a Ponochovniy que o Usko MFU havia entrado em águas ucranianas. O promotor, que trabalha em estreita colaboração com o Serviço de Segurança da Ucrânia, emitiu um mandado de busca e a polícia veio a bordo. Lá, foram encontrados registros mostrando que a embarcação havia deixado Sebastopol em novembro passado rumo à Turquia carregando 2.100 toneladas de sementes de girassol trituradas e de trigo marrom, com valor aproximado de US$ 500 mil.
Os investigadores disseram que encontraram a bordo uma mensagem dos administradores do navio instruindo o capitão a ocultar a origem da carga. Em julho, a força de fronteira da Ucrânia apreendeu o Usko MFU.
A proprietária do navio, a USKO Shipping Management, não respondeu a um pedido de comentário. Um advogado que representa o capitão da embarcação não quis comentar.
Mikhail Ganaga, ex-lutador profissional e filho de um governador distrital na Crimeia, faz parte de um seleto grupo de colaboradores que está lucrando com o roubo de grãos.
Ganaga controla a Agro-Fregat LLC, que entrega grãos colhidos em territórios ocupados e os envia para Israel e dois de seus inimigos, Síria e Irã, de acordo com registros comerciais e marítimos e com o próprio Ganaga. Ganaga e a Agro-Fregat não responderam aos pedidos de comentários.
Pressão para interromper os embarques
A Ucrânia está fazendo pressão diplomática sobre os países importadores e tem conseguido algum sucesso. Nos últimos dois anos, Egito, Israel e Líbano cancelaram carregamentos ou pararam de comprar cargas de grãos depois que diplomatas ucranianos disseram ser originárias de partes da Ucrânia ocupadas pela Rússia, de acordo com autoridades ucranianas.
O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Heorhiy Tykhiy, disse que agora o Líbano só compra grãos vindos da Ucrânia. O Egito recusou alguns carregamentos de grãos originários de territórios ucranianos ocupados pela Rússia, de acordo com a agência de inteligência militar da Ucrânia.
Os aliados russos Irã e Síria garantiram que não cumprirão as sanções. O Irã forneceu armamentos ao Kremlin que aumentaram a capacidade russa de atingir alvos militares e civis. Este mês, Teerã começou a fornecer mísseis balísticos ao Kremlin. Políticos iranianos disseram que as armas eram trocadas por grãos russos. Teerã nega a transferência de armas para outros países.
Teerã compra cevada na Crimeia por US$ 140 a tonelada, um desconto de 34% em relação aos preços de mercado, disse Kateryna Yaresko, analista da SeaKrime, projeto sem fins lucrativos em Kiev que rastreia remessas ilegais da Crimeia e fornece informações às autoridades ucranianas.
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Comerciantes em territórios ocupados pela Rússia estão construindo laços com os círculos linha-dura de Teerã. Igor Rudetsky, gerente de um terminal de grãos na Crimeia ocupada, postou no ano passado em suas contas de redes sociais fotos de si mesmo se encontrando com representantes da Islamic Republic of Iran Shipping Lines, que está sob sanção dos EUA por enviar armas e tecnologias nucleares em nome das forças armadas iranianas.
Rudetsky, de acordo com suas postagens, também visitou a Pars Holding, empresa agrícola que faz parte de uma fundação controlada pelo líder supremo iraniano Ali Khamenei. Rudetsky afirmou em mensagem de texto que conversou com essas empresas como parte de uma campanha de marketing internacional que também incluiu China, Índia e África, embora tenha dito que ele mesmo não vende produtos agrícolas.
Além disso, afirmou que as exportações de grãos da Rússia não são limitadas por sanções internacionais e que ele comprou o porto “com dinheiro real” em um acordo “legalmente impecável”.
A Rússia considera a Crimeia seu território, o que não é aceito por outros países, que veem como ilegais as exportações saídas de lá.
O Iêmen é um novo mercado para as exportações da Crimeia. Em junho, o navio Zafar, controlado pelo Estado russo, entregou grãos em al-Salif, um porto mantido pela facção Houthi, que por sua vez é apoiada pelo Irã, de acordo com registros marítimos e corporativos.
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Com a repressão de Kiev, os exportadores começaram a adotar táticas de evasão cada vez mais complexas, como transferir grãos para a Rússia e misturá-los com produtos legítimos antes de revendê-los nos mercados internacionais. As autoridades ucranianas têm dificuldade para monitorar.
“Precisamos de mais pessoal”, garantiu Ponochovniy, o promotor.
Os promotores ucranianos em Kharkiv estão investigando um comerciante que é suspeito de ter roubado grãos e revendido cargas para uma empresa dos Emirados Árabes Unidos. A Helios Plus chamou a atenção dos promotores depois de remover todas as 700 toneladas de grãos deixadas em um moinho de uma fábrica de pão na cidade vizinha de Kupyansk quando a Rússia a ocupou em agosto de 2022.
A Helios Plus não respondeu a um pedido de comentário.
Em 2015, a empresa começou a vender grãos em áreas do leste da Ucrânia que estavam sob controle de separatistas apoiados pela Rússia, de acordo com registros russos vistos pelo Wall Street Journal. Os registros foram obtidos em uma investigação do Project Expedite Justice.
Os documentos indicam que a Helios Plus se apropriou de um grande volume de grãos de outros territórios ocupados nos últimos dois anos. Ela então os vendeu para compradores na Turquia, nos Emirados Árabes Unidos e até na Costa Rica, de acordo com declarações alfandegárias.
Escreva para Benoit Faucon em [email protected]
traduzido do inglês por investnews