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Menos é mais: em defesa da ‘produtividade lenta’ no trabalho

Entendemos a produtividade no trabalho de forma totalmente errada, diz Cal Newport. Mas como dizer isso ao seu chefe?

Por Rachel Feintzeig The wall street Journal
Publicado em
6 min
traduzido do inglês por investnews

Você está muito ocupado. No Slack, no e-mail e em chamadas consecutivas do Zoom… Às vezes tudo de uma vez. Mas isso significa trabalho real?

Cal Newport acha que não. 

“É tipo, espera um pouco, nada disso importa”, diz o professor de ciência da computação da Universidade de Georgetown e defensor do foco em uma era de distração.

Newport, de 41 anos, diz que podemos produzir mais eliminando a sobrecarga. Ele chama sua solução de “produtividade lenta” — e tem um livro com o mesmo nome (Slow Productivity) — uma forma de os grandes realizadores dizerem sim a menos coisas, fazê-las melhor e até relaxarem em doses estratégicas. A qualidade de nível é o objetivo, e a atividade frenética, a inimiga.  

Isso, ele me disse, é o que pode salvar nosso emprego da IA e das demissões, e até mesmo deixar os acionistas felizes. 

Eu tinha minhas dúvidas. O menos é de fato mais no trabalho, ou ficamos viciados em eliminar tarefas intermináveis de nossas listas de tarefas a toda hora? O que nossos patrões vão pensar? 

Afinal, ansiamos por uma cura do burnout ao mesmo tempo em que preservamos nosso status de grande realizador, e essa não é a primeira proposta “dá-pra-fazer-tudo-junto” que ouvimos. Os defensores da semana de trabalho de quatro dias garantem que é possível abandonar um dia inteiro de trabalho apenas trabalhando de forma mais inteligente. Os obstinados pelo trabalho remoto juram que este é uma vitória para empregadores e empregados. Poucos sonhos são mais sedutores do que dar adeus à cultura da correria e manter os benefícios dessa correria.

Newport reconhece que dizer não para preservar a produtividade pode ser um ato delicado. Ele sabe que os empreendedores têm mais flexibilidade, mas diz que aqueles de nós que respondem a gerentes também podem alcançar isso. Podemos até descobrir que temos mais poder e valor para nossos empregadores. 

“Você deve tirar vantagem disso”, sugere. Ele dá algumas dicas. 

Menos é mais

A forma como trabalhamos agora é um “sério obstáculo econômico”, diz Newport. Os trabalhadores “que vestem a camisa” mergulharam de cabeça em uma forma de produtividade que tem mais a ver com a vibe — estresse! — do que realmente com a geração de dinheiro para a empresa. Dados da Microsoft revelam que muitos de nós passamos o equivalente a dois dias úteis por semana apenas em reuniões e às voltas com e-mails.

Um erro que cometemos, segundo Newport, é assumir muitos projetos e depois ficarmos atolados na sobrecarga administrativa — falar sobre o trabalho, coordenar com outros — que cada um deles exige. O trabalho se torna uma sequência de reuniões de planejamento, e ficamos esperando alguém de outro departamento nos dar o sinal verde. 

Newport recomenda priorizar alguns projetos, deixando os outros em uma lista de espera por ordem de importância. Torne essa lista pública, digamos, em um documento do Google que você compartilha com chefes e colegas. 

“Quando a carga de trabalho fica escondida em uma caixa-preta, o que temos são as pessoas delegando, e é muito perigoso dizer não”, explica Newport.

Se alguém chegar até você com mais trabalho, peça-lhe que considere o posicionamento da tarefa em sua lista, aconselha Newport. 

E quando finalmente disser sim, dobre os prazos estimados definidos para a conclusão da tarefa. Esse é o tempo que levará para que tudo saia bem feito, diz ele. E tente o que ele chama de “uma estratégia para você, uma para mim”. Sempre que marcar uma reunião de uma hora, bloqueie uma hora de trabalho independente no seu calendário.

Seja o funcionário de confiança

É uma abordagem estranha e temerosa a daqueles que, como que por reflexo, dizem sim às solicitações de tarefas. A filosofia de Newport exige transparência e confiança. Em vez de “deixe-me ver o quão rápido posso reverter isso!”, tente: “Esta solicitação consumirá seis horas. Terei esse tempo livre daqui três semanas.”

Isso pode ser uma heresia em algumas empresas. O truque está no modo em que isso é dito, diz. Nunca faça parecer que as tarefas de trabalho são um fardo que você não deveria ter que enfrentar. Em vez disso, enfatize que está tentando ser o mais eficaz possível para a equipe e a empresa. Seja positivo e cumpra os prazos que promete. Você será visto como alguém organizado e no controle. 

Achamos que os chefes querem alguém que seja sempre acessível — rápido para responder, rápido para agir, diz Newport. Mas o que eles realmente querem é saber que o projeto que lhe entregaram será feito.

Saber o quanto evitar

Parar de trabalhar de vez é uma má ideia, diz Newport, mas parar um pouco é bom.

Não se sinta culpado, acrescenta ele. Você está adotando um sistema de trabalho novo e melhor. Não fomos feitos para trabalhar todos os dias, sem turnos e pausas. 

Escolha um período — digamos, um mês específico — para desacelerar. Não se voluntarie para trabalho extra. Assuma um projeto mais fácil de completar.

Ele também recomenda ir ao cinema durante o horário de trabalho uma vez por mês. Diga que é um compromisso pessoal e aproveite a sensação de controle e criatividade que isso lhe traz. 

Não é preciso colar um manifesto na parede, acrescenta, nem tentar mudar toda a cultura da empresa. Em vez disso, vá silenciosamente estabelecendo sua mudança.

A sua esfera de poder

ter grandes realizações. Lembre-se, a ideia é ser um profissional de alto desempenho mais feliz, não folgado. 

“Não há como se esconder”, diz Newport.

Suspeito que isso apavora muita gente. As pessoas se especializaram em estar sempre ligadas e em agendar mais uma reunião. Lidar com um grande projeto ou meta muitas vezes é mais difícil, e vem sem a garantia de que você vai resolver a parada. 

Assustador ou não, o trabalho real está se tornando imperativo. A IA está chegando às tarefas mais rotineiras de nosso trabalho. Os líderes estão suspendendo os projetos e atividades “absurdos” das equipes à medida que cortam empregos, diz Newport. Nenhum chefe quer ficar com uma equipe em que todos são ases em responder e-mails.

Dominar uma habilidade valiosa coloca você no controle. Newport escreve sobre trabalhadores que deixam para trás as corporações americanas e se mudam para onde querem, trabalhando remotamente como contratados, cobrando caro por menos horas de trabalho. Quanto mais você abandonar o trabalho que não importa e gastar esse tempo se tronando melhor nas coisas que importam, mais margem de manobra terá. 

“O mercado não se importa com seu interesse pessoal em desacelerar”, escreve Newport. “Se você quer mais controle sobre sua agenda, precisa de algo para oferecer em troca.”

Resolva esse quebra-cabeça e conseguirá ter tudo: as realizações e sua sanidade.

Escreva para Rachel Feintzeig at [email protected]

traduzido do inglês por investnews