Metas de diversidade desaparecem de relatórios anuais de empresas
Dezenas de empresas mudam o conteúdo e o modo em que relatam iniciativas de diversidade, como, excluir a palavra “diversidade” ou cortar seções inteiras
Gastar US$ 1,2 bilhão com negócios de diversidade. Dobrar a liderança negra e latina. Aumentar o recrutamento de faculdades e universidades historicamente negras.
Essas metas de diversidade foram destacadas nos relatórios anuais das empresas em 2022. Um ano depois, desapareceram.
Dezenas de empresas alteraram as descrições de iniciativas de diversidade, equidade e inclusão (DEI) em seus relatórios anuais aos investidores à medida que esses programas são ameaçados legal e politicamente. As mudanças destacam a dificuldade enfrentada pela busca de equilíbrio pelas empresas, que lidam com a pressão de críticos e defensores de medidas de diversidade.
Em geral, as empresas afirmam que não estão cortando seus programas ou metas de longo prazo. Advogados e outros especialistas dizem que as mudanças na divulgação refletem a incerteza sobre os parâmetros legais desses programas, além da cautela com a reação política após a decisão da Suprema Corte de 2023 que anulou as ações afirmativas nas admissões universitárias.
A natureza e o grau das mudanças variam, de acordo com uma análise de mil registros para a Comissão de Valores Mobiliários feita pelo Wall Street Journal. Algumas empresas encurtaram descrições ou removeram seções inteiras, enquanto outras mudaram algumas palavras ou frases para cortar menções a raças ou à contratação específica de outros alvos.
A Kohl’s não diz mais que está cultivando “líderes diversos”, como fez nos últimos três anos. O último relatório anual diz que sua prioridade é desenvolver “líderes”.
A GameStop cortou a menção à “diversidade e inclusão” de uma lista de princípios de filosofia de seu departamento de recursos humanos.
A empresa de software UiPath costumava definir as medidas de DEI como “uma prioridade de negócios e um imperativo moral”. Agora, elas são “fundamentais para criar um ambiente onde nossos funcionários se sintam seguros para serem eles mesmos, sejam capacitados para crescer em suas carreiras, sejam recompensados competitivamente e sejam desafiados a dar seu melhor enquanto abraçam o poder da automação”.
Pessoas e grupos de interesse de todo o espectro político estão observando as palavras e ações das empresas.
Logo após a decisão de ação afirmativa, um grupo de procuradores-gerais Republicanos escreveu uma carta às empresas da Fortune 100 alertando-as contra preferências raciais em contratação e promoção. Logo depois, procuradores-gerais Democratas escreveram às mesmas empresas observando que os programas de diversidade corporativa são essenciais para combater a discriminação, além de incentivá-las a dobrar seus esforços.
“Houve uma reavaliação do nível de risco político que essas empresas estão dispostas a assumir”, disse Lindsay Stewart, analista da Morningstar que estuda relatórios corporativos.
A decisão de ação afirmativa, que derrubou a consideração da raça nas admissões de faculdades e universidades, não afeta diretamente as empresas. Mas a decisão da Suprema Corte levantou o espectro de mais contestações legais por pessoas e grupos que veem metas baseadas em raça ou gênero como discriminatórias.
Os dados da pesquisa sugerem que a maioria das empresas não está fazendo mudanças substantivas em seus esforços de diversidade. Cerca de 93% dos empregadores disseram que seu compromisso e atividade aumentaram ou permaneceram os mesmos entre 2022 e 2023, de acordo com um relatório publicado em janeiro pelo escritório de advocacia trabalhista Littler Mendelson.
A UiPath, por exemplo, diz que seu compromisso “se aprofundou no ano passado” e que “fortaleceu nossos procedimentos operacionais na aquisição de talentos em direção a metas mais ambiciosas em termos de uma força de trabalho mais diversificada”. Uma porta-voz da Kohl’s disse que a estratégia e as crenças da empresa em torno de DEI ainda estão em vigor e que a empresa faz rotineiramente revisões nessa seção de seu relatório anual. Ela afirmou que informações adicionais sobre DEI na Kohl’s estão no site da empresa e em seu relatório ESG anual.
Porém, algumas empresas são menos explícitas. “Esqueça a agenda ideológica. Você está apenas tentando descobrir como seguir a lei. Não quer se comprometer demais ou de menos, nem fazer uma descrição ruim de sua meta”, disse Jason Schwartz, sócio do escritório de advocacia Gibson Dunn e líder da força-tarefa de DEI. Atualmente, Schwartz representa o Fearless Fund, empresa de risco cujas doações a empreendedoras negras foram contestadas na justiça.
O cenário jurídico mudou novamente na semana passada, quando a Suprema Corte abriu as portas para alegações de discriminação relacionadas a uma gama mais ampla de ações trabalhistas.
Ativistas jurídicos conservadores criticaram alguns programas de contratação e outras iniciativas de empresas, dizendo que são discriminatórios.
“Há um recuo em qualquer menção explícita à raça”, afirmou Dan Lennington, vice-conselheiro do Wisconsin Institute for Law and Liberty, grupo jurídico que processou várias empresas por causa de suas iniciativas de diversidade. Ele disse que as empresas reconhecem que “enfrentam uma tremenda responsabilidade por qualquer programa que, de alguma forma, envolva raça”, uma preocupação que atinge muito menos a programas baseados em gênero.
Algumas empresas estão sinalizando sua atenção à conformidade. Em 2023, a EverCommerce, de software, adicionou várias frases ao seu relatório anual dizendo que buscaria apenas os esforços de DEI que estivessem em conformidade legal. A EverCommerce não respondeu a pedidos de comentários.
O medo de repercussões jurídicas é uma das principais considerações, segundo especialistas. Certos programas ou compromissos podem ser vistos como mais propensos a atrair escrutínio, como colocar metas numéricas sobre representação racial ou de gênero ou manter programas de mentoria para grupos sub-representados.
Em seu relatório de 2023, a Nordstrom removeu metas específicas em torno da diversidade que estavam em registros na Comissão de Valores Mobiliários desde 2020. Isso incluiu a meta de US$ 500 milhões em vendas no varejo de marcas de propriedade, operadas ou projetadas por pessoas negras e latinas, e o aumento da representação negra e latina em cargos de gerente em 50%.
A Salesforce em seu relatório de 2022 declarou a meta de que 50% de sua força de trabalho seja de grupos sub-representados e 40% dos funcionários sejam mulheres ou não binários. Os números são do último relatório, no qual a empresa diz que busca avançar na representação e projetar sistemas com foco na igualdade.
Um porta-voz da Salesforce disse que seu “compromisso com a igualdade é inabalável”.
Em 2020, a Workday declarou seu empenho em aumentar a representação geral de funcionários negros e latinos nos EUA em 30% e dobrar o número de líderes negros e latinos até o final do ano passado. Essas metas, adicionadas ao formulário de 2022, estavam ausentes da versão de 2023.
A loja de eletrônicos Best Buy parou de listar seus compromissos de gastar pelo menos US$ 1,2 bilhão com negócios diversos até 2025, além de seu progresso em metas de contratação, como preencher um em cada três cargos corporativos assalariados com funcionários negros, indígenas ou pessoas de cor e preencher um em cada três cargos com mulheres. A empresa disse estar focada no engajamento dos funcionários, retenção, representação e criação de uma cultura de pertencimento.
As quatro empresas fornecem mais detalhes sobre suas metas e ações de diversidade em relatórios separados. Esses documentos, às vezes rotulados como relatórios de impacto ou relatórios ESG, são em geral publicados em prazos diferentes dos relatórios anuais.
Muitas outras empresas mantiveram inalterada sua linguagem sobre as iniciativas DEI nos relatórios anuais.
As empresas pesam os prós e contras da divulgação, sabendo que os registros financeiros são um fórum para se comunicar não apenas com investidores e reguladores, mas também com concorrentes, fornecedores, funcionários e outras partes interessadas, explicou Ivy Feng, professora de contabilidade da Universidade de Wisconsin que estuda divulgações de diversidade.
“O que é divulgado é posto em prática. Então, se nada é dito, fica mais difícil para quem está de fora descobrir o que realmente está acontecendo”, disse ela. “Quando dizem algo, então é público, e quando é público, podem ser potencialmente escrutinados por quem está de fora.”
Escreva para Ben Glickman em [email protected] e Lauren Weber em [email protected]
traduzido do inglês por investnews