O mantra inabalável de investir nos EUA e viver na Europa
Desde o final de 2021, o desempenho das bolsas europeias têm sido bastante bom.
Publicado originalmente em 02 de fevereiro de 2024.
Até os europeus começam a se perguntar por que continuam investindo em sua própria região.
A economia está falhando, enquanto a dos EUA cresce. É um mundo que se divide em blocos liderados por EUA e China. E suas maiores empresas nem sequer entrariam no top dez do S&P 500. As ações das “Sete Magníficas” dos EUA estão, desde há duas semanas, valendo coletivamente mais do que todas as ações listadas na Europa Ocidental juntas. Qual é o ponto?
Há três respostas. As ações europeias não são a economia europeia. A economia europeia pode não estar tão ruim quanto parece. E as ações europeias estão baratas, então por pior que seja, muita coisa já está precificada. Há um aspecto contrário: desde o final de 2021, as ações da região estão indo muito bem.
Primeiro, as ações europeias não são uma boa maneira de apostar na Europa. O mercado é dominado por multinacionais: entre as bem-sucedidas estão a LVMH, maior fabricante de artigos de luxo do mundo, e a dinamarquesa Novo Nordisk, fabricante do medicamento Wegovy, além de várias outras menos bem-sucedidos, como a Volkswagen, cujas ações estão no mesmo nível desde meados de 2007.
As empresas do benchmark europeu Stoxx 600 fazem menos da metade de suas vendas na Europa, de acordo com dados da FactSet, e os EUA são seu maior mercado, com 23% da receita. Em comparação, as empresas do S&P 500 recebem 59% de sua receita nos EUA. O Reino Unido é ainda mais global, com as empresas do FTSE 100 de Londres fazendo mais vendas nos EUA do que localmente.
Em segundo lugar, embora seja verdade que a economia europeia esteja definitivamente estagnada nos últimos três meses do ano passado e crescendo apenas 0,5% em 2023 no geral, em comparação com os 2,5% nos EUA, as principais diferenças provavelmente são temporárias.
A Europa enfrentou dificuldades energéticas, o que não aconteceu com os EUA, após a invasão da Ucrânia pela Rússia, enquanto o aumento das taxas de juros atingiu o continente, onde poucos países adotam o sistema de hipotecas com taxas fixas de longo prazo para proteger os mutuários, da maneira como foram protegidos nos EUA.
Outra diferença muito grande entre os EUA e a zona do euro é que Washington tem aumentado os gastos do governo financiados pela dívida, enquanto os governos europeus têm sido muito mais cautelosos.
Não sou particularmente otimista em relação às perspectivas europeias, mas se e quando os EUA aumentarem impostos ou reduzirem os gastos do governo, isso prejudicará o crescimento americano. O endividamento federal, estadual e local dos Estados Unidos atingirá 127% do PIB este ano, de acordo com as previsões do Fundo Monetário Internacional, ou 100% quando a dívida de partes do governo for compensada. A zona do euro — que passou por um colapso da dívida há uma década — parece mais discreta, com uma dívida de 88% do PIB, ou 74% líquida.
“A natureza do crescimento dos EUA começou a desequilibrar”, diz Vincent Mortier, diretor de investimentos da Amundi, a maior gestora de fundos da Europa. “Pode significar problemas em longo prazo, porque a corda está muito esticada.” Quando até os franceses pensam que os subsídios do governo americano estão fora de controle, talvez isso seja um problema.
Em terceiro lugar, muitas más notícias já estão computadas. As ações europeias estão baratas em comparação com as dos EUA, especialmente as do Reino Unido. Mesmo com o ajuste do fato de que os índices americanos colocam mais peso em empresas de tecnologia grandes e caras e a Europa em bancos baratos, a Europa ainda é muito mais barata.
Todos os setores europeus nos índices MSCI são negociados a uma relação preço/lucro mais baixa do que a de Nova York. Compare o Reino Unido, os EUA, a zona do euro desenvolvida e o Japão, e o Reino Unido é mais barato em cinco de dez setores (excluí o setor imobiliário, onde o P/L — índice preço/lucro — não é uma medida apropriada), a zona do euro em dois e o Japão em três. Os Estados Unidos são mais caros em cinco, o Japão em três (comunicações, graças ao SoftBank, à saúde e aos bens de consumo) e o Reino Unido em dois (tecnologia, ironicamente, onde apenas duas grandes empresas listadas em Londres sobrevivem, e indústrias).
Concentrar-se no fato de que as ações europeias não dependem da economia do continente é a maneira favorita de Mortier ver a região, comprando ações de empresas globalmente competitivas que por acaso são europeias.
O problema é que todos estão fazendo isso: a Novo Nordisk, a LVMH, a fabricante holandesa de chips ASML e a fabricante de aviões Airbus, entre outras, são líderes óbvios que não podem ser ignorados por nenhum investidor global. Suas avaliações são comparáveis às das ações das “Sete Magníficas” dos EUA, então não são uma pechincha.
Argumentar que a economia da Europa está prestes a se recuperar é complicado: mesmo os bancos centrais da região aceitam que o crescimento será lento por muito tempo. Mas uma economia estagnada, perspectivas ruins, propensão para a regulamentação e falta de ambição corporativa certamente dissuadiram os investidores.
Muitos europeus têm desistido das suas empresas centradas no mercado interno, e o interesse estrangeiro é inexistente. Isso barateou as empresas que não estão na lista de superestrelas. Para os investidores que gostam de vasculhar pechinchas, a Europa, e o Reino Unido em particular, é o lugar.
O perigo, claro, é que as ações baratas sempre podem ficar mais baratas. É aqui que os investidores podem ver um pouco — e de fato, apenas um pouco — de incentivo do desempenho recente.
Em 2022 e 2023 combinados, a Itália teve o mercado de ações com melhor desempenho no Grupo das Sete principais economias avançadas, em termos de dólar, seguida por França e Reino Unido, graças ao desempenho superior dos bancos. A Suíça, onde o Credit Suisse implodiu, ficou para trás. É verdade que os EUA terminaram o ano de 2021 em alta histórica, com muitos setores tendo avaliações extremamente altas, enquanto a Europa estava barata. Mas, bem, olhe para o mercado agora.
É claro que as ações europeias estão baratas há algum tempo, sem atrair compradores. Os investidores estão convencidos de que a regulamentação e o apoio social da Europa prejudicam as margens de lucro. No lado positivo, esse apoio garante alguns dos melhores lugares do mundo para se viver, com quatro das dez cidades na lista das mais bem avaliadas, de acordo com a Economist Intelligence Unit (os EUA não têm nenhuma).
Nicolai Tangen, que dirige o Norges Bank Investment Management, o fundo soberano da Noruega, diz o seguinte: “Como europeu socialmente consciente, não é uma coisa ruim viver em Oslo e investir nos EUA”.
É uma mentalidade persistente.
traduzido do inglês por investnews