Mais inflação, menos impostos: o que a vitória de Trump significa para a economia dos EUA
O candidato republicano planeja tarifas e cortes de impostos, como em seu primeiro mandato. Existem riscos para ambos, mas também muitas ressalvas.
Os eleitores reelegeram Donald Trump, em grande parte pela insatisfação com a economia sob o presidente Biden, além da nostalgia da baixa inflação e as condições pré-pandêmicas do primeiro mandato do presidente eleito.
Para cumprir as esperanças desses eleitores, as principais ferramentas econômicas de Trump serão as mesmas do primeiro mandato: tarifas e cortes de impostos. Mas há uma diferença. As tarifas que ele está planejando serão mais amplas e mais altas, e os cortes de impostos serão mais direcionados.
O consenso de economistas e investidores é que as tarifas pressionarão a inflação, enquanto os cortes de impostos podem estimular o crescimento e aumentar os déficits, elevando a possibilidade de um aumento das taxas de juros. E, como se esperava, os rendimentos dos títulos do Tesouro de longo prazo subiram recentemente, baseados nos fortes dados econômicos e na expectativa de uma vitória de Trump.
Ainda assim, os primeiros anos do primeiro mandato de Trump foram melhores para a economia do que muitos esperavam na noite da eleição em 2016, e as expectativas podem ser igualmente mal calibradas agora. Por um lado, ele herda uma perspectiva relativamente benigna. O crescimento é surpreendentemente forte, enquanto a inflação caiu substancialmente em relação aos seus picos, embora os preços ainda estejam altos. O Federal Reserve deve reduzir as taxas de juros na quinta-feira (7) pela segunda vez este ano — o que deve minimizar os riscos de recessão.
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Quanto aos planos de Trump, ele pode não aumentar as tarifas tanto quanto ameaçou, optando por negociações no lugar de uma guerra comercial escancarada. O Congresso pode diluir seus planos tributários. Por fim, os presidentes raramente são o principal impulsionador do desempenho econômico. As políticas de Trump podem ter menos a ver com o desempenho da economia nos próximos quatro anos do que forças maiores e eventos inesperados, como uma crise, uma guerra ou um boom impulsionado por novas tecnologias.
O comércio em primeiro lugar
Sua primeira oportunidade de deixar uma marca provavelmente será nas tarifas, onde pode agir sem a permissão do Congresso. Mesmo assim, os procedimentos administrativos e as negociações podem atrasar a implementação. Em seu primeiro mandato, 11 meses se passaram entre o início do processo contra a China e a imposição de tarifas. As tarifas também podem ser incluídas em negociações mais amplas sobre a extensão do corte de impostos de 2017.
As tarifas de Trump no primeiro mandato não tiveram efeito perceptível sobre a inflação porque eram relativamente modestas, e a demanda e o investimento globalmente moderados e os mercados de trabalho fracos estavam empurrando a economia na direção oposta. Antes de sua eleição, os salários subiam apenas 2,4% ao ano. Os investidores em títulos esperavam que a inflação futura rondasse a média de 1,8%, abaixo da meta de 2% do Fed.
Desta vez, Trump propôs tarifas muito mais altas — pelo menos 60% para a China e de 10% a 20% para todos os outros. Tal combinação elevaria as tarifas dos EUA ao nível mais alto desde a década de 1930. E viria em um momento de demanda rápida, de cadeias de suprimentos vulneráveis a conflitos geopolíticos, e da memória fresca da inflação. Os salários estão crescendo 3,8% ao ano e os títulos veem a inflação futura em 2,3%.
Isso sugere que as tarifas podem representar um risco de inflação maior do que em seu primeiro mandato. O Morgan Stanley estima que o plano de Trump de 10% a 60% em tarifas aumentaria os preços ao consumidor dos EUA em 0,9%. Esse é um efeito único: no fim, a inflação deve voltar à sua tendência básica.
Mas outros fatores podem resultar em um impacto menor. Os importadores poderiam absorver uma parcela maior da tarifa em suas margens. O dólar pode subir, compensando os preços de importação mais altos. Mais importante, alguns conselheiros dizem que Trump está usando as tarifas como uma tática de negociação para reduzir as barreiras comerciais de outros países, de modo que os aumentos reais serão menores do que o que foi ameaçado. E quando Trump vir temores tarifários prejudicando as ações ou elevando as taxas de juros, poderia fazer concessões.
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Economistas do Goldman Sachs acham que Trump aumentaria as tarifas sobre a China em 20 pontos percentuais, e não em 60 p.p., e não imporia uma tarifa generalizada a outros países. Nesse cenário, acham que a inflação — excluindo alimentos e energia —, usando o índice de preços do Fed, cairia de 2,7% agora para 2,3% em um ano, em vez de 2% de sua previsão. Essa diferença não impedirá o Fed de cortar as taxas de juros, concluem. A inflação nesse nível ainda seria menor que a dos últimos três anos.
Depois, os impostos
Partes da lei tributária que Trump e os republicanos do Congresso aprovaram em 2017, como taxas mais baixas para indivíduos e empresas que pagam seus impostos em suas declarações individuais, expiram no final de 2025 e há a prioridade de estendê-las. Isso custaria cerca de US$ 5 trilhões em 10 anos, estima o Comitê para um Orçamento Federal Responsável (CRFB, na sigla em inglês). É provável que o processo ocupe grande parte do ano que vem.
A extensão total não deve ter muito efeito sobre o crescimento ou as taxas de juros, porque isso já está embutido no comportamento dos investidores e do público.
Não é assim com as outras propostas de Trump, que às vezes incluíam taxas de imposto corporativo mais baixas; isenção de impostos para gorjetas, para benefícios da Previdência Social e para o pagamento de horas extras; e deduções para juros de financiamentos de automóveis e impostos estaduais e locais. Essas propostas, estima o CRFB, adicionariam cerca de US$ 4 trilhões ao déficit em dez anos.
A receita tarifária reduziria um pouco esse custo, assim como cortes de gastos, embora Trump também planeje alguns aumentos de gastos.
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A lei tributária de 2017 foi boa para o crescimento de longo prazo porque simplificou o sistema tributário ao reduzir cobranças sobre a renda, sobre os lucros e sobre os investimentos, além da diminuição de incentivos fiscais, disse Kyle Pomerleau, economista do American Enterprise Institute. As novas propostas de Trump não terão o mesmo benefício porque aumentam a complexidade por meio de novos incentivos fiscais, disse ele.
Mesmo assim, impostos mais baixos devem garantir certo impulso. O Deutsche Bank estima que um governo republicano unificado impulsionaria o crescimento em 0,5 ponto percentual em 2025 e 0,4 em 2026 sem tarifas mais altas. Com uma tarifa de 60% sobre a China e 10% sobre todos os outros, o Deutsche estima que o efeito líquido sobre o crescimento se torne negativo.
Os cortes de impostos também aumentariam o déficit e pressionariam pela elevação das taxas de juros. John Barry, estrategista de taxas do JP Morgan, estima que o atual cronograma de leilões de dívida do Tesouro é suficiente para financiar o déficit do próximo ano, mas ficaria US$ 3,3 trilhões aquém de 2026 a 2029, sem a extensão do corte de impostos de 2017. O déficit seria ainda maior se o corte de impostos fosse estendido e os planos de Trump fossem promulgados.
Se o Tesouro começar a aumentar o tamanho dos leilões de títulos para financiar déficits maiores, é provável que isso pressione um aumento dos rendimentos. Barry estima que um governo republicano unificado aumentaria os rendimentos de dez anos em 0,4 ponto percentual, dos quais o mercado já havia precifica, desde sexta, pelo menos 0,15 ponto.
Porém, com o déficit orçamentário do último ano fiscal em US$ 1,8 trilhão, o triplo do nível de oito anos antes, mesmo um Congresso republicano pode não dar a Trump tudo o que ele quer.
“Um Congresso republicano não vai fazer malabarismos para isentar de impostos os benefícios da Previdência Social ou o pagamento de horas extras, tanto pelos méritos dessas ideias quanto pelo custo”, disse Don Schneider, ex-assessor republicano do Congresso agora na Piper Sandler. “Basicamente, não há votos para isso.”
Mesmo assim, a influência de Trump sobre os legisladores republicanos cresceu desde seu primeiro mandato, e ele mostrou que pode superar as prioridades deles.
Regulamentações
Trump propôs uma regulamentação mais leve para, por exemplo, as fusões empresariais e a indústria de petróleo e gás. Isso deve impulsionar o crescimento e a confiança das empresas e conter a inflação. Mas os economistas acham difícil identificar os efeitos na economia em geral. Por exemplo, a produção de petróleo dos EUA e os preços da gasolina são impulsionados principalmente pelos preços globais, que por sua vez são fortemente influenciados pela OPEP, por sanções, por conflitos no Oriente Médio e pelo crescimento econômico chinês.
Da mesma forma, embora o plano de Trump de deportar migrantes não documentados possa, na margem, aumentar a pressão sobre salários e preços, considerando o tamanho do mercado de trabalho dos EUA esse impacto pode não ser perceptível.
A agenda econômica de Trump não tem a ver apenas com o crescimento, mas também com tentar restaurar bons empregos e comunidades saudáveis outrora possibilitados pela manufatura, reduzindo a dependência da China, uma adversária geopolítica. “Sim, há um custo. Em muitos casos, acho que vale a pena”, disse Scott Paul, presidente da Alliance for American Manufacturing.
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“A globalização produz ruptura, deslocamento e destruição”, escreveu no ano passado Robert Lighthizer, que foi embaixador comercial no primeiro mandato de Trump e provavelmente retornará em algum papel no segundo. “Os conservadores, por outro lado, procuram defender valores e instituições tradicionais, preservar o tecido social e garantir as condições para que famílias e comunidades floresçam.”
Ao contrário do PIB ou da inflação, esses benchmarks para uma economia Trump desafiam medições fáceis. Eles não são menos importantes.
Escreva para Greg Ip em [email protected]
traduzido do inglês por investnews