Os déspotas corporativos são bons — mas não para sempre
A democracia tem desvantagens, mas, no longo prazo, ainda é o melhor que temos, tanto para empresas quanto para países
Winston Churchill certa vez brincou que “a democracia é a pior forma de governo, exceto por todas as outras formas tentadas de tempos em tempos”. O que é verdade para os países geralmente também é verdade para as empresas.
Exceto ultimamente. As ditaduras corporativas estão em voga. As empresas nas quais os executivos-chefes fundadores detêm ações especiais com direito a voto, como a Meta Platforms e a Alphabet, ou administram conselhos como seu próprio feudo pessoal, como a Tesla de Elon Musk, estão indo muito bem.
Um grande mercado de ações que ficou para trás devido ao domínio dos déspotas foi Londres. Outrora rival de Nova York, perdeu empresas para os Estados Unidos, onde os fundadores podem manter o controle usando ações de classe dupla com votos extras, algo difícil de acontecer no Reino Unido. As rígidas regras britânicas sobre transações com partes relacionadas também afastam proprietários — como o SoftBank Group e a Arábia Saudita —, cujas principais empresas listadas geralmente lidam com firmas vinculadas.
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Agora, os britânicos começam a mudar as regras para atrair mais aspirantes a ditadores corporativos. Seu regulador financeiro este mês está abandonando as proteções aos acionistas em um esforço para atrair ofertas públicas iniciais de ações (IPOs) de volta à venerável Bolsa de Valores de Londres (LSEG).
A esperança é que os donos de empresas acabem gostando mais de Londres se puderem manter o controle, enquanto a administração gostará mais de Londres se não tiver que pedir permissões a acionistas incômodos.
A realidade é que provavelmente não fará muita diferença para Londres tão cedo, já que os problemas por lá — agora que sua louca política se acalmou — se devem principalmente à falta de investidores domésticos em ações. Mas a mudança demonstra onde está o poder no momento. Os investidores nos EUA não se incomodam em comprar ações de empresas cujos fundadores mantêm o controle ou agem como se o fizessem. Os bons ditadores estão na moda.
Isso não é necessariamente um desafio à doutrina de Churchill. É verdade que é muito mais fácil fazer as coisas quando você não precisa se preocupar com a reeleição. Mas, sem a democracia, os líderes não podem ser trocados quando deixam de ser bons.
A história de sucesso corporativo se encaixa perfeitamente nesse modelo. Os fundadores que conseguem criar, expandir e abrir o capital de uma empresa geralmente são muito bons. Não é de surpreender que os acionistas gostem de dar carta branca aos fundadores de sucesso, evitando todas as restrições usuais de governança corporativa projetadas para evitar voos fantasiosos de um CEO desgovernado.
Os fundadores também têm interesse no jogo, pois grande parte de sua fortuna está ligada às ações, ao contrário dos contratados que ocupam altos cargos administrativos na maioria das grandes empresas. Suas apostas mirabolantes nem sempre funcionam — os empreendimentos ousados da Alphabet perderam dinheiro em sua maioria — mas fazem parte do objetivo de investimento visando cumprir a promessa de crescimento do fundador.
Os problemas vêm depois. Normalmente, um CEO é limitado pelo conselho, que é eleito democraticamente pelos acionistas. Se o conselho não mantiver o CEO na linha — os erros clássicos incluem aquisições ruins e novas sedes corporativas caras —, os diretores podem ser demitidos.
Em empresas que dão votos extras ao fundador, mudar o conselho é difícil ou impossível, quanto mais destronar o CEO. E se os empreendimentos ousados saírem do controle, ou se o CEO começar a administrar a empresa para seu próprio benefício, e não para os acionistas de forma mais ampla, os investidores não têm muito a fazer além de vender — como fizeram quando Mark Zuckerberg, que controla a Meta por meio de ações especiais com direito a voto, pressionou a empresa a gastar bilhões de dólares no “metaverso”.
Os acadêmicos estudam isso observando os casos em que as ações com direito a voto e sem direito a voto, ou com direito limitado, são negociadas. Nos primeiros doze anos após um IPO, as democracias e as ditaduras corporativas tendem a funcionar de modo semelhante.
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Depois disso, os benefícios de uma ditadura corporativa do bem diminuem e as ações com plenos direitos de voto são negociadas a um valor significativo, de acordo com um estudo de 2019 com 920 empresas por Hyunseob Kim, do Federal Reserve de Chicago, e Roni Michaely, da Universidade de Hong Kong e do Instituto Europeu de Governança Corporativa.
Isso faz sentido. Os interesses dos fundadores e dos investidores externos estão alinhados quando uma empresa é pequena e está em rápido crescimento, pois ambos lucram principalmente com seu crescimento. Quando a empresa se torna grande e de crescimento lento, o fundador tem menos incentivo para promover o crescimento e mais motivos para tentar extrair os benefícios do controle, como definir salários ou fechar contratos. Os interesses não estão mais alinhados.
Em Londres, a proibição total de ações de classe dupla foi testada pelas forças do mercado e falhou porque as empresas simplesmente abriam seu capital em outros lugares, geralmente na Nasdaq. O Reino Unido agora terá um regime de governança corporativa que vai exigir que os acionistas se protejam.
É assim que deve ser. Mas há limites, porque muito dinheiro é administrado passivamente. Os grandes fundos de pensão do Reino Unido gostaram da proibição de ações de classe dupla e agora estão pressionando os provedores de índices a ajustar suas regras para reduzir a exposição do índice a ações sem direito a voto.
“Os investidores ativos podem vender suas ações, mas os investidores do índice são forçados a comprar as empresas que estão incluídas em seu índice”, disse Caroline Escott, chefe interina de propriedade sustentável da Railpen, que administra fundos de pensões para trabalhadores ferroviários.
A evidência dos EUA é que, uma vez que as ações de classe dupla estejam em vigor, é difícil se livrar delas. Os IPOs mais badalados ainda poderão definir suas próprias regras, e os fundadores gostam de manter o controle. Quanto mais tempo as empresas de maior destaque com ações de classe dupla prosperam, mais difícil é resistir à ideia de que isso não é um problema.
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Contudo, as ações de classe dupla acabarão sendo um problema. Os acionistas precisam se preocupar com os filhos do fundador e os filhos desses ainda no controle após algumas décadas. Uma ideia seria, no IPO, exigir cláusulas de caducidade robustas sobre as ações com direito a voto dos fundadores. Claro, deixe o fundador manter o controle por muitos anos. Mas não para sempre.
O Reino Unido estabeleceu suas regras para que os investidores institucionais pré-IPO não possam manter ações extras com direito a voto por mais de dez anos após o IPO. As regras não dizem nada sobre os fundadores, mas podem ser um bom incentivo para os fundos de pensão insistirem em cláusulas de caducidade mais amplas.
A democracia tem desvantagens, mas, em longo prazo, ainda é o melhor que temos, tanto para empresas quanto para países.
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traduzido do inglês por investnews