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Os preços do chocolate dispararam – e uma nova lei ameaça mantê-los lá no alto

Uma lei da UE para tornar o chocolate mais sustentável deu início a uma corrida entre os produtores de cacau – eles devem provar que suas fazendas trazem baixo risco de desmatamento; e isso custa caro

Por Alexandra Wexler The wall street Journal
Publicado em
11 min
traduzido do inglês por investnews

No clareira central de uma plantação de cacau em declive acentuado, cercada por árvores repletas de vagens verdes e gordas, Brice-Armel Konan levantou seu smartphone em direção ao céu e salvou as coordenadas de sua localização em um aplicativo.

Ele calculou que a fazenda estava a 2,2 km da floresta mais próxima. “Essa deve ser de baixo risco” ele disse. Risco, no caso, de que a plantação um dia acabe desmatando a selva.

É uma cena que se repete por toda a Costa do Marfim, país da África Ocidental, o maior produtor de cacau do mundo, enquanto ela embarca em um experimento gigantesco destinado a tornar o chocolate mais sustentável. O seu sucesso determinará se o chocolate se tornará ainda mais caro – ele já é um dos ítens que mais subiram de preço no mundo nos últimos anos.

No centro desses esforços está uma nova lei da União Europeia que busca proteger as florestas tropicais do mundo, que diminuíram drasticamente nas últimas décadas devido à expansão de terras usadas para cultivar culturas comerciais como cacau, óleo de palma e café, ou para criar gado. Como a UE é o maior mercado de chocolate do mundo, importando mais da metade dos grãos de cacau do planeta, a lei também se aplicará a gigantes globais de confeitaria como a Mars, dos EUA, fabricante dos M&M’s, ou a Nestlé, com sede na Suíça.

A partir de 30 de dezembro, fabricantes de chocolate que vendem ou produzem na UE terão que mostrar que o cacau que usam não foi cultivado em terras desmatadas desde o final de 2020. Na prática, isso significa que cada pedacinho de cacau que entra no bloco precisará estar ligado às coordenadas de GPS da fazenda onde foi colhido.

É aí que pessoas como Konan, que ajuda a monitorar dados de fazendas de cacau na Costa do Marfim para a Rainforest Alliance, uma organização sem fins lucrativos com sede em Nova York e Amsterdã, e seu smartphone entram em ação.

Essas organizações sem fins lucrativos, juntamente com grupos da indústria, governos e empresas de chocolate, estão correndo para ajudar os agricultores a registrar os dados necessários a tempo.

O regulador de cacau e café da Costa do Marfim diz que mapeou pouco mais de 80% das estimadas 1,55 milhão de fazendas de cacau do país. Isso deixa cerca de 300 mil —ou 2 mil por dia — para serem mapeadas ou de outra forma contabilizadas até 1º de outubro, início da nova temporada de cacau.

“Você anda muito no calor, às vezes na chuva,” disse Konan, técnico agrícola por formação, cujo avô cultivava cacau e café. “Às vezes você não tem sinal.”

A confusão reina

A iniciativa da UE faz parte de um movimento crescente para tornar os materiais brutos — incluindo produtos agrícolas e minerais usados em smartphones e carros elétricos — rastreáveis, com o objetivo de reduzir o dano potencial que eles infligem ao meio ambiente e às populações locais.

A Costa do Marfim já foi coberta por densas florestas tropicais. Mas ao longo dos últimos 60 anos, 90% da cobertura florestal do país desapareceu, tornando-o um dos países com as maiores taxas anuais de desmatamento do mundo neste período, de acordo com as Nações Unidas.

Costa do Marfim e seu vizinho Gana, o segundo maior produtor de cacau do mundo, estão trabalhando para conter a perda de cobertura florestal.

Em 2017, à margem de uma conferência climática da ONU na Alemanha, os dois governos assinaram um plano com algumas das maiores empresas de cacau e chocolate do mundo para interromper o desmatamento para a produção de cacau e restaurar áreas que já haviam sido degradadas.

Desde então, eles trabalharam para mapear fazendas de cacau — muitas delas operações familiares com menos de 5 acres — juntamente com organizações como a Rainforest Alliance, que oferece seu próprio processo de certificação separado na Costa do Marfim desde 2009.

Até 2022, as 36 empresas signatárias, que respondem por 85% do uso global de cacau, disseram que haviam mapeado 567.264 fazendas na Costa do Marfim e eram capazes de rastrear cerca de 85% de seus grãos diretamente obtidos na Costa do Marfim e Gana.

Esse esforço não se traduz facilmente na iniciativa da UE. Não há um banco de dados central para as várias iniciativas de mapeamento. Algumas fazendas podem ter sido mapeadas várias vezes, enquanto outras nunca tiveram suas coordenadas registradas.

Outro obstáculo é o nível de detalhe das coordenadas de GPS necessárias. A legislação de desmatamento da UE exige que as fazendas de cacau forneçam coordenadas GPS que tenham pelo menos seis dígitos após o ponto, como 6.113647, -3.850584. Anteriormente, os agricultores e organizações sob o programa de certificação da Rainforest Alliance compartilhavam coordenadas GPS com apenas quatro pontos decimais.

Isso significa que potencialmente dezenas de milhares de fazendas que já foram mapeadas terão que ser mapeadas de novo — rapidamente.

“Nós fizemos este trabalho em três anos,” disse Jean-Marc Gouda, gerente de equipe da Rainforest Alliance. “O desafio é dizer a eles para fazerem isso novamente em seis meses.”

A UE também exige que fazendas maiores enviem coordenadas de GPS de todas as suas fronteiras, em vez de apenas um ponto dentro da fazenda, e forneçam uma representação digital dos limites das fazendas. Autoridades dizem que podem usar imagens de satélite e inspeções no local para verificar se os dados fornecidos são precisos.

Muitos agricultores estão descobrindo só agora os novos requisitos da UE.

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Mesmo que o mapeamento seja concluído a tempo, o sistema onde as empresas precisarão fazer upload dos dados GPS ainda está em desenvolvimento, levantando preocupações sobre uma corrida de última hora para registrar milhões de coordenadas.

O governo da Costa do Marfim disse que estaria pronto para cumprir a lei da UE a tempo. Ainda assim, em uma conferência mundial de cacau em Bruxelas no mês passado, grupos da indústria instaram a Comissão Europeia, o braço executivo da UE, a adiar a implementação da nova lei.

“Essa regulamentação terá um custo,” disse Michel Arrion, diretor executivo da Organização Internacional do Cacau, que representa 52 países importadores e exportadores de cacau. “Haverá muita documentação e burocracia.”

Especuladores entram em cena

Para os consumidores, a lei da UE não poderia ter chegado em pior hora. Condições climáticas anormalmente quentes e secas durante a estação chuvosa e chuvas durante a estação seca, além de doenças nas árvores de cacau, afetaram as colheitas em toda a África Ocidental, a fonte de 70% dos grãos de cacau do mundo. Os estoques nesta temporada devem ser os mais baixos em 45 anos, já que a demanda supera a oferta pela quarta temporada consecutiva.

Hedge funds e outros traders entraram no mercado, apostando que a escassez elevaria os preços. As posições líquidas longas em futuros de cacau — ou apostas de que os preços subirão — estavam em seu nível mais alto em cerca de uma década no final de janeiro, de acordo com dados da Commodity Futures Trading Commission.

Os preços do cacau recentemente atingiram uma alta recorde de quase US$ 11,5 mil por tonelada no mercado de futuros em Nova York, quatro vezes mais altos do que há um ano.

Empresas de chocolate, incluindo Mondelez e Lindt, já alertaram que terão que aumentar ainda mais os preços este ano. Esses aumentos, que a Mondelez disse poderem chegar a dois dígitos, virão sobre um acréscimo de 12% no preço dos doces de chocolate nos EUA em 2023 e um aumento de 14% em 2022, de acordo com dados da Circana, uma empresa de pesquisa de mercado com sede em Chicago.

Em tempos de preços altos, as empresas muitas vezes encolhem o tamanho de seus produtos ou ajustam as receitas para usar menos cacau.

Os agricultores tem tradicionalmente respondido à escassez do cacau desmatando florestas para abrir espaço para mais terras agrícolas. Isso não é uma opção sob a nova legislação da UE.

O fracasso em mapear todas as fazendas na Costa do Marfim e em outros países produtores de cacau poderia retirar mais grãos do mercado, piorando a escassez.

“Isso é o Titanic indo em direção ao iceberg,” disse Edward George, fundador da Kleos Advisory, com sede em Londres, que assessora investidores nos mercados de commodities africanas. “Há uma crise total. Os preços poderiam permanecer dolorosamente altos.”

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Mapeamento de risco

O cacau atualmente representa 10% do PIB da Costa do Marfim e 25% dos empregos, disse o ministro das Finanças, Adama Coulibaly.

A colheita do cacau é feita à mão, com o auxílio de facão. Um estudo de 2021 da Universidade e Pesquisa de Wageningen, na Holanda, mostrou que entre 30% e 58% dos agricultores de cacau na Costa do Marfim e Gana tinham uma renda bruta abaixo da linha de pobreza extrema do Banco Mundial, que na época era de US$ 1,90 por dia.

Os agricultores só começaram a ver o benefício dos preços mais altos recentemente, porque os governos da Costa do Marfim e de Gana vendem as colheitas com um ano de antecedência. Em 2 de abril, a Costa do Marfim aumentou o preço que paga aos agricultores em 50%, para 1.500 francos CFA da África Ocidental (US$ 2,49) por libra. Gana aumentou seus preços em 58% alguns dias depois.

A fazenda remapeada por Konan, da Rainforest Alliance, faz parte da Société Coopérative Agricole Adzopé Nord, ou Socaan, uma cooperativa que vende para a gigante do comércio e processamento de cacau Cargill. Ela tem cerca de 3,4 mil membros ao redor e na cidade de Adzopé, e produziu cerca de 7 mil toneladas métricas de cacau durante a temporada que terminou em 30 de setembro.

Nos escritórios da Socaan recentemente, Konan e Adou Adou Constant, o chefe de sustentabilidade da cooperativa, estudaram mapas cobertos de pontos que representam fazendas de membros. A maioria dos pontos era verdes, significando baixo risco de desmatamento ou de invasão de uma área protegida. Havia alguns pontos em laranja, para risco médio.

Brice-Armel Konan, da Rainforest Alliance, registra as coordenadas GPS de uma fazenda de cacau em seu telefone. FOTO: ALEXANDRA WEXLER/THE WALL STREET JOURNAL

Os poucos grupos de pontos vermelhos estavam mais próximos das florestas ou áreas protegidas, indicando alto risco de desmatamento. A Socaan envia representantes para essas áreas para monitoramento adicional no local.

Constante diz que 93% das plantações dos membros estão mapeadas e fazem parte de um programa de certificação, como a Rainforest Alliance. Novos membros fornecem coordenadas GPS para a cooperativa, muitas vezes usando smartphones doados pela Cargill.

“O mapeamento é um desafio,” disse Constante.

Em bancos alinhados sob árvores em frente aos escritórios da Société Coopérative Fraternité d’Adzopé, ou Scafra, outra cooperativa em Adzopé, cerca de duas dezenas de agricultores se reuniram para ouvir de Jean-Marc Gouda, da Rainforest Alliance, enquanto ele explicava a necessidade de suas propriedades serem remapeadas para seis dígitos.

“Não tenham medo,” ele disse.

Nenhum dos agricultores presentes na reunião tinha ouvido falar dos novos requisitos da UE para combater o desmatamento. Alguns estavam preocupados que regulamentações mais onerosas continuariam a surpreendê-los e a criar mais trabalho.

“Estamos preocupados com uma política que vai começar em seis meses, e ao mesmo tempo, não temos nenhum detalhe sobre o que precisamos fazer,” disse Kpomin Minrienne Kole Edi, o CEO da Scafra.

Para aumentar suas colheitas agora, os agricultores terão de investir mais em coisas como fertilizantes e pesticidas, dizem especialistas do setor. E em vez de simplesmente limpar novas terras para cultivos, os agricultores terão que usar boas práticas agrícolas, como poda e substituir árvores envelhecidas por novas mudas. Para motivar os agricultores a fazer isso, dizem os especialistas do setor, os preços do cacau precisam permanecer mais altos por mais tempo.

“Ninguém realmente espera que o preço diminua em breve,” disse Antonie Fountain, diretor administrativo da rede Voice, uma associação de organizações da sociedade civil que trabalham com cacau sustentável com sede na Holanda. “O setor finalmente chegou ao ponto em que estamos reconhecendo que precisamos pagar mais pelo cacau sustentável.”

Escreva para Alexandra Wexler em [email protected]

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