Na contramão das projeções oficiais do governo, que indicavam a necessidade de revisar esses gastos para cima, o Congresso cortou despesas obrigatórias para abrir espaço artificialmente e incluir a demanda de emendas parlamentares. O foco central é saber se a execução do Orçamento pelo presidente Jair Bolsonaro se configurará em crime fiscal. Nesse caso, o presidente teria de vetar o Orçamento para ajustar as despesas às projeções do Ministério da Economia.
Emendas parlamentares
A manobra nas despesas obrigatórias foi feita para acomodar R$ 26 bilhões de emendas do relator geral, senador Márcio Bittar (MDB-AC), que elevou o valor total das emendas parlamentares para R$ 51,6 bilhões (o maior nível histórico), de acordo com levantamento mais recente da lei orçamentária aprovada na quinta-feira.
Com a ação no TCU, o grupo quer barrar também o discurso de que a responsabilidade pela aprovação do Orçamento é do Congresso. Dessa forma, o que se quer evitar é que, no futuro, o presidente Bolsonaro diga que não tem culpa de que os congressistas tenham aprovado uma lei orçamentária irresponsável. Há uma pressão política para o veto do presidente como medida corretiva. Se o presidente não vetar, terá de sustentar as razões pelas quais tomou essa decisão.
O mesmo grupo já enviou carta ao presidente Bolsonaro, na sexta-feira, cobrando explicações sobre como o governo vai cumprir o teto de gastos, regra constitucional que limita o avanço das despesas à inflação, sem recorrer à “pedalada fiscal”, que resultaria em crime de responsabilidade, passível de impeachment.
Para o deputado Felipe Rigoni (PSB-ES), o que se espera é que o TCU dê uma saída para a revisão do Orçamento. “Se o Orçamento continuar assim, vai dar tudo errado”, previu. O Tribunal já determinou, no passado recente, que algumas despesas não fossem pagas.
Segundo o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), a representação cobra uma posição sobre as despesas obrigatórias, já que o Tribunal teve posição decisiva nas “pedaladas” do governo Dilma Rousseff. O ex-presidente da Câmara ressaltou que o TCU precisa deixar claro que está ocorrendo o retorno do orçamento criativo.
O deputado Vinicius Poit (Novo-SP), que assinou a carta ao presidente, informou que o partido terá uma reunião hoje para decidir se vai entrar com o pedido no TCU.
Economia também cogita recorrer
Escaldados pelo processo que condenou as “pedaladas fiscais” cometidas no governo Dilma Rousseff – e que acabaram resultando no impeachment -, a área técnica do Ministério da Economia também cogita recorrer ao Tribunal de Contas da União (TCU) no episódio do Orçamento de 2021. Os gestores não querem ser responsabilizados e já falam internamente no risco de “apagão das canetas” (quando ninguém quer assinar um documento com medo de ser responsabilizado).
Há um acórdão do TCU que determina que conste no Orçamento o quanto será gasto em cada operação. Uma das alternativas apontadas pelos técnicos do governo é que haja determinação de que certas despesas obrigatórias não possam ser modificadas.
A Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Planejamento e Orçamento, que representa Analistas e Técnicos de Planejamento e Orçamento (Assecor), se antecipou ao problema. Em nota pública, diz que admitirá que os profissionais de planejamento e orçamento sejam responsabilizados pelas manobras contábeis feitas na lei orçamentária de 2021. A categoria diz que a forma como a lei foi aprovada representou um verdadeiro “acinte à transparência no trato da coisa pública”.
Levantamento mostra que os investimentos para o Ministério do Desenvolvimento (MDR), do ministro Rogério Marinho, com as novas emendas, triplicaram para R$ 16,1 bilhões, passando para o topo da lista, atrás do Ministério da Defesa com R$ 8,8 bilhões, que na votação ainda conseguiu abocanhar mais R$ 644 milhões.
Já o Ministério da Saúde, mesmo com a pandemia da covid-19, ficou com R$ 4 bilhões em investimentos, um quarto do orçamento de Marinho. As emendas do relator elevaram para R$ 52,5 bilhões a dotação de investimentos.