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Preocupação com a sustentabilidade só vem depois de tragédia

Apenas os problemas que surgem no mundo fazem os seres humanos despertarem.

É curioso como certos comentários, certas avaliações “globalmente proféticas”, têm respaldo em eventos passados, ocorridos em escala doméstica, portanto, menores, mas capazes de ilustrar o que está sendo dito. Em julho deste ano, o britânico John Elkington, professor da University College London (UCL) e responsável por cunhar, em 1994, o conceito Triple Bottom Line, que em português significa Tripé da Sustentabilidade, esteve em um evento no Rio de Janeiro que discutiu formas de avançar nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis (ODSs) das Nações Unidas.

Na ocasião, ele disse que todos os problemas recentes no mundo – pandemia de coronavírus, empobrecimento das pessoas, tensões políticas e comerciais, guerras – são positivos para a sustentabilidade. E ele explica, lembrando que doenças surgem à medida que o ser humano avança sobre os mais diferentes ecossistemas, que a estiagem aumenta ao passo que florestas são derrubadas, e que o clima está cada vez mais quente porque o homem teima em continuar a emitir poluentes. Dentro de 15 ou 20 anos, a situação chegará ao ponto em que investir em sustentabilidade e implantar conceitos ESG será mais que uma obrigação legal e passará a ser uma questão de sobrevivência.

Em outras palavras, o desespero levaria indivíduos, empresas e políticos a se preocuparem de verdade com a sustentabilidade. E esse fato contribuiria para que a sociedade mudasse sua cultura de produção/consumo traçando um novo caminho para a humanidade. Pode parecer utópico, mas não é impossível. A dificuldade é entender a razão para isso acontecer somente nos próximos anos sendo que temos tantos exemplos para que toda essa preocupação tenha início imediato nas ações das pessoas.

Um exemplo histórico é o Parque Nacional da Tijuca, no Rio de Janeiro. Nos séculos 17 e 18, a região onde ele se encontra foi muito explorada para extração de madeira e plantio de café a ponto de afetar as inúmeras nascentes que existem no local. Resultado: começou a faltar água no Rio de Janeiro, então, capital do país. Em 1861, o imperador Dom Pedro II desapropriou toda a área e mandou reflorestar. Com isso, resolveu a escassez de água.

Mais recentemente, nos anos 1980, o município de Cubatão, na Baixada Santista, era conhecido internacionalmente como Vale da Morte e classificado como o mais poluído do mundo. Parte considerável dos habitantes sofria de males causados pela poluição do ar e das águas e o percentual de crianças que nasciam com deformações estava acima da média mundial. A situação de urgência levou o governo a exigir que as empresas instalassem sistemas antipoluição. Quem não cumprisse as determinações pagaria pesadas multas.

Pois bem, temos aqui dois exemplos devidamente registrados em documentos oficiais e pela imprensa de casos em que a preocupação com a sustentabilidade só veio depois da tragédia. Ambos foram resolvidos e a solução se mostrou bem mais vantajosa para todo mundo do que a exploração desmedida parecia ser. Ou seja, deveríamos usar esses exemplos locais como base para, desde já, adotarmos práticas de preservação em prol da vida, do bem comum e da própria economia.

Quantas Florestas da Tijuca ainda terão que ser derrubadas para que aprendamos que existe sim relação entre falta de água e desmatamento? Por quantas pandemias precisamos passar ainda para aprendermos a não invadir todos os ecossistemas? Quantas pessoas precisam adoecer para que as empresas parem de poluir? Qual mega crise econômica teremos de enfrentar para finalmente entendermos que os modelos produtivos do passado já não servem mais?

Visto por esse ângulo, o futuro parece catastrófico, mas John Elkington avalia de forma positiva, pois em sua opinião, toda essa deterioração é que faz o ESG ser mais importante a cada ano. Não há motivo para agirmos tão tardiamente, mas entendo que o ser humano só faz o que tem de ser feito sob pressão, só quando ele percebe que sua existência está em risco. Sendo assim, Elkington tem razão, o ESG será cada vez mais prioritário. Não pelo amor ao nosso mundo, mas pela dor de viver no caos.

*Marcos Rodrigues é sócio da BR Rating e da MRD Consulting. C-Level e membro de Conselhos nas áreas de tecnologia, serviços, indústria, saúde, varejo, educação e transporte no Brasil e exterior.

As informações desta coluna são de inteira responsabilidade do autor e não do InvestNews e das instituições com as quais ele possui ligação. 

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