Uma década depois, o BTG de Esteves está acusando o homem mais rico do Brasil e seus parceiros de negócios de longa data no fundo de investimentos 3G, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, de envolvimento na “maior fraude do mercado de capitais do Brasil”.
A linguagem aparece em um documento enviado à Justiça pelo banco depois que a Americanas, varejista que tem o trio como acionista há mais de 40 anos, revelou ter encontrado R$ 20 bilhões em “inconsistências” contábeis. O anúncio dobrou o passivo da empresa de uma só vez, provocando um tombo no valor de suas ações que eliminou 85% de seu valor de mercado em três dias de negociação.
O caso é a “é a triste epítome de um país,” disse o BTG no processo, ao qual a Bloomberg teve acesso. “Os três homens mais ricos do Brasil”, com patrimônio de R$ 180 bilhões, “ungidos como uma espécie de semideuses do capitalismo mundial ‘do bem’, são pegos com a mão no caixa daquela que, desde 1982, é uma das principais companhias do trio.”
Lemann, Sicupira e Telles não responderam às mensagens pedindo comentários sobre o processo. O BTG não quis fazer comentários além do documento.
‘Inconsistências’
Embora a empresa tenha dito que ainda está avaliando o tamanho do dano, o que disse aos investidores até agora indica que teria contabilizado erroneamente o financiamento de dívidas com fornecedores, ao mesmo tempo em que deduziu indevidamente desses passivos os juros pagos aos bancos. A prática teria dois efeitos: aumentar artificialmente os lucros devido à não contabilização de despesas financeiras e reduzir o passivo.
O problema remonta a anos, disse o ex-presidente, Sergio Rial, a investidores em pânico na quinta-feira. O ex-presidente da unidade Brasil do Santander permaneceu no cargo na Americanas por menos de duas semanas, anunciando sua saída junto com a descoberta das “inconsistências”.
Na sexta-feira, a Americanas obteve proteção contra credores na Justiça do Rio de Janeiro. Os ajustes na contabilidade podem colocar a empresa em violação de cláusulas que podem levar ao vencimento antecipado da dívida de quase R$ 40 bilhões, diz a decisão do tribunal. A Americanas também disse que alguns credores se moveram para tomar ativos, incluindo mais de R$ 1,2 bilhão pelo BTG.
A decisão da Justiça, que também proíbe o congelamento ou confisco de ativos, ajuda a preparar a Americanas para um pedido de recuperação judicial, que as empresas de classificação de risco de crédito consideram provável, a menos que a varejista feche um acordo com os credores.
“O objetivo é viabilizar a proteção adequada do Grupo Americanas enquanto busca, junto aos seus credores, uma alternativa viável à luz do cronograma de vencimento de suas dívidas financeiras,” disse João Guerra, novo presidente da empresa, em comunicado divulgado na noite de sexta-feira.
O pedido de proteção pegou os banqueiros de surpresa e levou o BTG a ir à Justiça. O banco entrou com pedido de reversão da decisão no fim de semana, mas o juiz não votou argumentando que não havia necessidade de urgência. O BTG entrou com outra moção na segunda-feira, buscando uma arbitragem em um tribunal de São Paulo, dizendo que havia cobrado os R$ 1,2 bilhão devidos antes da decisão de proteção de sexta-feira. O Bank of America e o Banco Votorantim também recorreram, segundo o jornal “O Globo.”
Fraude
No processo no fim de semana, o BTG disse que a empresa tentou sacar cerca de R$ 800 milhões em investimentos que tinha no banco antes de anunciar as “inconsistências” ao mercado. O banco argumentou que a Americanas não deveria receber proteção contra credores, porque fraude deveria ser tratada como crime.
O BTG também cita o escândalo de 2019 na Kraft Heinz, dizendo que foi mais um caso de “fraude contábil” em uma empresa envolvendo o trio 3G. Naquela época, a empresa foi forçada a ajustar seu balanço patrimonial em US$ 15,4 bilhões. A Securities and Exchange Commission, xerife do mercado de ações nos EUA, disse que o ex-diretor de operações da Kraft, Eduardo Pelleissone, e seu ex-diretor de compras, Klaus Hofmann, tiveram má conduta relacionada ao caso. A empresa concordou em pagar uma multa de US$ 62 milhões para encerrar a investigação.
Trio bilionário
Fundada em 1929, a Americanas (AMER3) é uma das mais antigas e emblemáticas varejistas do Brasil. Seu debacle pode afetar a maior economia da América Latina: a empresa tem cerca de 3.600 lojas em mais de 900 cidades, mais de 5.000 fornecedores e 40.000 funcionários.
A reputação dos três bilionários do 3G, que possuem cerca de 31% do negócio, também pode sofrer. O trio manteve o controle da Americanas por décadas até uma reestruturação em 2021, na qual tiveram sua fatia diluída. Sicupira e o filho de Lemann, Paulo Alberto, estão no conselho da Americanas, representando os acionistas. O presidente do conselho da empresa, Eduardo Saggioro Garcia, é sócio e presidente da LTS Investments, o family office de Lemann, Sicupira e Telles.
O trio disse ao conselho que planeja continuar apoiando a Americanas, de acordo com um documento da empresa. E ofereceu uma injeção de capital de R$ 6 bilhões aos credores em negociações na sexta-feira, valor considerado muito baixo, segundo pessoas a par do assunto. Os credores pediram mais de R$ 10 bilhões, disseram as pessoas, acrescentando que as negociações podem ser retomadas esta semana.
Na segunda-feira (17), a Americanas contratou o Rothschild como seu assessor na renegociação da dívida.