Recentemente, conversando com uma amiga, atriz de uma das maiores emissoras de TV do país, apresentadora de programas, influenciadora, entre outros, começamos a falar sobre os nossos investimentos, aplicações e patrimônio.
Trocamos dicas sobre profissionais que nos ajudam, grupos dos quais fazemos parte, cursos que temos feito, e fiquei pensando o quanto especialistas de investimentos estão preparados para lidar com questões relacionadas à gestão da diversidade e, por exemplo, prestar um atendimento customizado e eficiente para mulheres negras a partir da sua realidade, histórico social e cultural, para além do dinheiro que têm em mãos.
Olhando por um prisma sociológico, conseguimos entender o porquê desse descaso e falta de atenção com nossas particularidades. Precisamos e podemos relacionar isso à tardia abolição da escravidão, que deixou como uma das suas heranças a deflagrada relação entre a colonização e a objetificação da mulher negra.
Neste período, iniciou-se o processo de desumanização, perpetuado pelos longos anos de escravidão, que colocaram as mulheres negras em empregos de pouca ou nenhuma ascensão social e sem qualquer desenvolvimento intelectual. Como consequência, ainda hoje causa estranhamento a ideia de que a mulher negra possui poder aquisitivo.
Mulheres negras são 29% da população brasileira, segundo o IBGE. Em geral, estamos falando de mulheres que são a primeira geração da sua família a ascender para a classe média e alta, provavelmente são arrimos de família e responsáveis por ajudar pais, mães e outros familiares.
Elas são apenas 3% da liderança em grandes empresas
Quando falamos da representatividade empresarial, como uma consequência clara do que é o racismo estrutural, elas são somente 3% do total da liderança de grandes empresas, segundo o estudo Diversidade, Representatividade e Percepção – Censo Multissetorial da Gestão Kairós 2022. Ainda, segundo dados do IBGE, divulgados em abril deste ano, o Brasil possui o maior número de empregadas domésticas do mundo, e a predominância nessas atividades é das mulheres negras com 65% de ocupação.
Por isso, acredito que este Julho das Pretas, marcado pelo Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, em 25/07, nos dá uma oportunidade única para ter essa conversa.
Embora seja muito possível que você tenha um viés relacionado à raça e gênero, sobre o potencial de investimento de mulheres negras, afinal como aponta o estudo da Associação Pacto de Promoção da Equidade Racial, baseado em dados da PNAD e do IBGE, em 1987 o rendimento médio mensal de mulheres negras representava 33% do recebido por homens brancos. É fundamental percebermos que este cenário está mudando e hoje o salário de uma mulher negra é de 46% da renda de um homem branco.
Para além disso, o número de mulheres negras que vêm protagonizando o cenário do empreendedorismo de renda no Brasil, e não somente o empreendedorismo de sobrevivência, é crescente. Por isso, me ocorre e tenho avaliado na minha interação com especialistas em finanças o que se sabe sobre esta parcela da população, sobre nossos anseios e buscas.
Quase sempre me parece que profissionais especialistas em investimentos estão sempre pautados em uma narrativa e aprendizado sobre como ter interlocução somente com homens brancos heterocisnormativos. De tal modo que seja comum que eu precise reforçar, explicar e pontuar – por diversas vezes – o que estou procurando, almejando e até mesmo disposta a fazer com as minhas aplicações.
Vou deixar aqui algumas dicas, se você pensa em ter mais vantagem competitiva e abranger esta parcela da população na sua carteira de clientes, precisa saber que mulheres negras, em geral, estão focadas em assegurar a estabilidade conquistada, quase sempre sendo a primeira geração a atingir uma renda média ou alta na família, nem sempre casadas ou com filhos, mas certamente com uma preocupação bastante extremada em relação à sua ancestralidade, que quase sempre foi de baixa renda.
E também que a qualquer sinal de racismo, machismo velado ou direto, consciente ou inconsciente, você perderá a sua carteira.
Não à toa, nos últimos anos, tenho visto um processo cada vez mais expressivo e emergente de empresas financeiras fundadas por pessoas negras, como a Conta Black, da Fernanda Ribeiro, ou o Movimento Black Money, da Nina Silva.
Ainda há tempo de ressignificar
Minha análise de tendências do setor, com base nos movimentos que temos visto em diversidade e inclusão no Brasil, é de que se os especialistas que aí estão não atualizarem a sua forma de gerir finanças para um modelo mais inclusivo, perderão um mercado em plena ascensão, além da possibilidade de estarem finalmente do lado certo da história.
Vejo na maioria das vezes, nas postagens dos artigos que escrevo nesta coluna, homens e em grande parte homens brancos – há uma recorrência nas fotos dos perfis que comentam nas redes sociais, tanto as minhas quanto as da Gestão Kairós – esbravejando, quase sempre sem argumentos, contra o conteúdo aqui produzido.
Sinto uma certa piedade desses profissionais que estão obsoletos, que não conseguem se atualizar e que estão deixando o bonde da oportunidade, gerada pelo InvestNews ao colocar conteúdos como este no ar, passar. Avante! Ainda há tempo de aprender, ressignificar sua atuação no mercado de trabalho, garantir novos espaços emergentes e tornar-se uma pessoa mais inclusiva.
*As informações desta coluna são de inteira responsabilidade do autor e não do InvestNews e das instituições com as quais ele possui ligação.
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