Com endividamento crescendo e prejuízo aumentando, a Via tenta levantar recursos no mercado, mas especialistas seguem pessimistas em relação ao negócio da varejista para os próximos meses. Na última sexta-feira (8), a agência de classificação de risco S&P Global anunciou o corte da nota de crédito da empresa de brAA- para brA- com perspectiva negativa, citando alavancagem acima do esperado.
Nesta segunda-feira (11), a ação VIIA3 opera estável, mas em 2023 acumula baixa de mais de 50%. O papel vem se destacando entre os piores desempenhos do Ibovespa.
A empresa vem acumulando prejuízos há 4 trimestres consecutivos, em resultados negativos que só pioram. No segundo trimestre de 2023, o prejuízo foi de R$ 492 milhões, contra R$ 297 milhões nos meses anteriores.
Em meio às dificuldades, a empresa divulgou ao mercado um plano de reestruturação com menos estoques, e também anunciou na semana passada uma oferta primária subsequente de ações (follow-on), com expectativa de levantar cerca de R$ 1 bilhão que serão usados para melhoraria da estrutura de capital da empresa.
Segundo a S&P, esse “importante plano de transformação” da empresa “pode trazer significativa melhora no desempenho operacional e estrutura de capital”, mas somente nos próximos anos. Enquanto isso, o endividamento da empresa ainda preocupa os especialistas da agência. “A desalavancagem deve ser postergada em pelo menos mais um ano em razão do ambiente macroeconômico”.
O relatório cita fatores como “desafios estruturais significativos de médio e longo prazo” para o varejo, em um cenário com “menor renda disponível da população brasileira, as taxas de juros ainda em patamares elevados e a alta competitividade no setor”. Esses pontos, combinados, podem continuar sendo um desafio para a desalavancagem da empresa durante os próximos anos, segundo a S&P.
Via x concorrência
Apesar do cenário macroeconômico não ajudar, especialistas citam que, na comparação com outras do setor, a situação da Via é mais preocupante. “Juntando o macro e o micro, a gente vê um cenário bem negativo para a empresa”, diz Gabriel Bassotto, analista chefe de ações do Simpla Club.
“A própria tese de operação da Via é bem enfraquecida. A empresa até tem emitido algumas debêntures, almeja fazer uma emissão de novas ações para arrecadar mais recursos. Mas é verdade que a companhia está extremamente endividada, tem uma margem de lucro, em grande parte das vezes, até mesmo no negativo, tem uma geração de caixa insustentável.”
Gabriel Bassotto, analista chefe de ações do Simpla Club.
Especialistas concordam que o endividamento é um dos itens mais preocupantes no balanço da Via. No último semestre, a relação entre a dívida líquida e o Ebitda da Via (ou seja, o endividamento comparado com a capacidade de geração de caixa da empresa) ficou em 4,76, contra 3,7 do setor como um todo, segundo dados da ferramenta ValorPro.
Nesse cenário, Lucas Rietjens, analista da Guide Investimentos, chama atenção para o custo da dívida da Via.
“A companhia possui uma alavancagem bastante elevada e vem reportando índices de cobertura de juros abaixo de 1, o que indica que o operacional da companhia não tem sido suficiente para pagar os juros da dívida.”
Lucas Rietjens, analista da Guide Investimentos
Nesse sentido, Lucas Lima, analista da VG Research, acrescenta que “o custo médio da dívida está girando em torno de CDI +2,7%, o que é bastante elevado e vem deteriorando o resultado operacional da empresa”.
Sinais à frente
A S&P cita que o plano de reestruturação e emissão de novas ações devem surtir efeitos positivos para os números da empresa, mas isso ainda deve demorar para se concretizar. Para a agência, a expectativa é de “recuperação gradual das margens, embora efeitos materiais nas métricas ainda devam demorar alguns trimestres”.
“Embora esperemos recuperação gradual de margens da empresa, uma melhora mais significativa nos números provavelmente ocorrerá somente em 2024”
S&P Global, em relatório
Especialistas ouvidos pelo InvestNews concordam que a recuperação deve levar mais algum tempo. “Esperamos que o plano de transformação da companhia contribua para uma melhora tanto no operacional, quanto na estrutura de capital da companhia, mas os resultados do plano serão colhidos no médio prazo”, diz Rietjens, analista da Guide.
Já Lima, da VG, avalia que “não existe confiança do mercado hoje em relação a Via, mesmo com o plano de reestruturação que foi anunciado” – razão pela qual, para ele, o momento do follow-on não é apropriado, já que “não faz sentido pedir dinheiro do mercado com a empresa num momento ruim em termos de resultados e a cotação lá embaixo”.
“O cenário é preocupante porque a Via está correndo contra o tempo. O fluxo de caixa atual está sendo bastante demandado por um resultado líquido negativo, pelo capital de giro e demandas judiciais trabalhistas. A esperança da Via atualmente está totalmente ligada no plano de reestruturação que foi anunciado e na recuperação da demanda com a redução da taxa de juros. “
Lima, analista da VG Research
Porém, o analista cita fatores que podem ajudar nos próximos meses, como o fato de que “até o 2º trimestre de 2024 não haverá amortização de dívida relevante, o que dará uma folga para a companhia no curto prazo”.
“O plano de reestruturação possui alavancas claras e relativamente ‘simples’, além de não depender do cenário macroeconômico para ser implementado. Esperamos que no 4º trimestre de 2023, com a Black Friday, a Via consiga reduzir bem seu estoque de produtos de cauda e não core, que não estavam gerando boa rentabilidade para a companhia. O 2º semestre de 2023 será importante para limpar esse estoque e buscar uma margem bruta melhor em 2024″, acrescenta Lima.
Recomendações para VIIA3
Gustavo Cruz, estrategista chefe da RB Investimentos, diz que a casa “tem uma visão negativa pra empresa já há algum tempo”, e não recomenda compra do papel.
“A gente tem recomendado que o cliente fique muito atento tanto na dívida quanto na ação diante dessa perspectiva de encolhimento da empresa – ela pode sim ficar até mais positiva, até mais organizada, começar de novo de um patamar menor, mas por tudo que ela tá dando de indicação, a gente tá bem receoso com o papel”, diz.
Segundo levantamento feito pela ferramenta ValorPro com 9 casas, 3 têm recomendação de compra para VIIA3, como Safra e BB Investimentos. Outras 6 têm recomendação neutra, incluindo XP, Santander e Banco Inter.
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