Catástrofes e gestão de risco muitas vezes parecem ser estritamente questões das áreas de Meio Ambiente e Responsabilidade Social das empresas, quando, na verdade, quase sempre são problemas oriundos da Governança, ou melhor, da falta dela. Posso mencionar inúmeros casos recentes de impacto ambiental e social tremendos, que são de conhecimento público, ocasionados por empresas que, se realmente adotassem um processo adequado de Governança, dificilmente teriam acontecido.
Para exemplificar, no final de 2023 estive presencialmente em Maceió, no Estado de Alagoas, e pude acompanhar de perto os acontecimentos que já há muitos anos vêm ocorrendo na região e que culminaram no afundamento do solo de cinco bairros, por conta de uma mina de exploração de sal-gema, obrigando cerca de 60 mil pessoas a deixarem suas casas. E pude ver in loco o que estava acontecendo, inclusive pela veiculação da prefeitura de Maceió em TV aberta sinalizando o diálogo com a Braskem (BRKM5), em busca por justiça e ações proporcionais ao impacto negativo gerado. Lembremos que a mineração de sal-gema, um tipo de sal que fica em camadas profundas do subsolo, ocorreu desde a década de 1970 até 2019.
Outro caso de amplo impacto, é o da Enel, empresa de energia, atualmente com CPI instaurada na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Acompanhamos nos últimos meses que no Estado de São Paulo sempre que chove, diversos bairros ficam horas e até dias sem luz. “São as chuvas intensas”, dizem alguns, mas sabemos que há uma empresa responsável pela prestação de serviço de fornecimento de energia elétrica que tem mostrado uma incapacidade para atender a maior capital econômica da América Latina. O impacto é sentido pelas famílias, no trânsito, em hospitais, nas empresas etc.
Pois bem, se atentarmos ao G de Governança na sigla ESG (Ambiental, Social e Governança), perceberemos que a Governança Corporativa integra um sistema de normas que levam a empresa ao desempenho que a sociedade espera e precisa, mitigando ou evitando impactos que a sua atuação pode ocasionar. Inclusive, o poder legislativo brasileiro tem olhado com mais atenção para esse tema na criação de dispositivos que versam sobre a responsabilização das empresas, podemos citar – por exemplo – a Lei n° 12.846/2013, também conhecida como Lei Anticorrupção, que responsabiliza empresas envolvidas em atos de corrupção contra órgãos públicos, e pauta a Governança como um dos elementos fundamentais a serem observados.
Ouso dizer, e digo convicta, que o grande mal cultural do Brasil em termos de empresariado, é a não responsabilização. Sim, nos falta dizer em claro e bom tom para as instituições: a responsabilidade é sua!
Segundo o IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa), os pilares da Governança são: Transparência, Equidade, Prestação de Contas e Responsabilidade.
1. Transparência
Mais do que a obrigação de informar, é o desejo de disponibilizar para as partes interessadas as informações que sejam do seu interesse e não apenas aquelas impostas por disposições de leis ou regulamentos.
2. Equidade
Caracteriza-se pelo tratamento justo de todas as partes interessadas (stakeholders). Atitudes ou políticas discriminatórias, sob qualquer pretexto, são totalmente inaceitáveis.
3. Prestação de Contas (Accountability)
Os agentes de governança – associados, conselheiros, executivos, conselheiros fiscais e auditores – devem prestar contas de sua atuação, assumindo integralmente as consequências de seus atos e omissões.
4. Responsabilidade Corporativa
Os agentes de governança devem zelar pela sustentabilidade das organizações, visando à sua longevidade e incorporando considerações de ordem social e ambiental na definição dos programas, projetos e operações.
Se o pilar de transparência estivesse sendo plenamente efetivado pelas duas empresas aqui mencionadas, o cenário de impactos que temos assistido teria sido evitado, equacionado e contingenciado.
Ao longo de 20 anos de carreira, trabalhando inclusive em empresas do setor de base, como infraestrutura e afins, aprendi sobre LP (Licença Prévia), LI (Licença de Instalação), LO (Licença de Operação), bem como os trâmites de Programas de Educação Ambiental, tais como: EIA (Estudo de Impacto Ambiental), RIMA (Relatório de Impacto Ambiental), Programas Sociais, Programas de Diversidade. Além de todos os ritos legais, de fiscalização e prestação de contas, e, portanto, afirmo que é impossível uma empresa incorrer em riscos, como estes mencionados aqui, sem que a alta liderança tenha ciência. E mais ainda, que é muito confortável ao final de uma jornada, na qual a governança falhou miseravelmente, atribuir o impacto gerado a catástrofes sociais e ambientais.
Que 2024 seja o ano no qual o G de Governança na sigla ESG seja o grande destaque de empresas que se afirmam sustentáveis e inclusivas. Estou convicta de que quando as companhias realizarem, com a devida consciência legal, moral e coletiva, os processos de governança, sequer precisaremos falar de questões ambientais e sociais separadamente, pois estas já estão contempladas na criação e gestão das empresas.
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