Talvez Moon River, a icônica canção que levou um Oscar em 1962 por “Breakfast at Tiffany’s” e interpretada no longa por Audrey Hepburn – a bonequinha de luxo – devesse ser a trilha mais condizente para estar na série disponível na Netflix “A bilionária, o mordomo e o namorado” (uma tradução equivocada no Brasil; e conto logo mais o porquê).
“Moon river, wider than a mile
I’m crossing you in style some day
Oh, dream maker, you heart breaker
Wherever you’re goin’, I’m goin’ your way
Two drifters, off to see the world
There’s such a lot of world to see
We’re after the same rainbow’s end
Waitin’ ‘round the bend
My huckleberry friend
Moon river and me”.
“Oh, criador de sonhos, seu destruidor de corações” – a terceira frase (em tradução livre) poderia facilmente ser a mulher mais rica do planeta, Liliane Bettencourt, proclamando para seu amigo, o fotógrafo François-Marie Banier (leia-se bem mais jovem, atrevido e que circulava entre festas parisienses, artistas e celebridades). Isso porque, de fato, ele a princípio levou um arco-íris para a vida monótona (acreditem) da herdeira da L’Oréal, que claro, se encantou.
Mas em troca, Liliane recebeu manipulação e extorsão de um-bilhão-de-euros.
Do quarto parágrafo da letra até o sexto, “aonde quer que você vá, eu irei à sua maneira […]” foi de fato o que aconteceu. Liliane passou a se divertir em viagens, sempre ao lado dele. Dias de glória regadas a champanhes caríssimas, obras de arte e dinheiro vivo – para ele.
Mas como em todo relacionamento abusivo, Banier extraiu dela, sem escrúpulos, altas quantias, de forma que o mordomo de Liliane, revoltado com a situação, escondeu um gravador na bandeja de chá que levava na sala da mansão da família L’Oréal toda vez que se encontravam.
Na série da Netflix, parte destas gravações foram usadas originalmente, com exceção da dramatização dos atores. Foi colocada uma câmera no teto dos ambientes, de forma que vemos do alto os acontecimentos. É sem graça, mas o que apimenta são os depoimentos reais.
E sim, muitas outras coisas acabaram sendo descobertas, incluindo a criminalização do gestor de finanças da bilionária, que também tentou tirar proveito dela.
Isso porque as centenas de horas de gravação foram entregues para a filha única de Liliane, Françoise Bettencourt Meyers, atualmente a maior acionista da L’Oréal.
Hoje, ela é a mulher mais rica do mundo, com uma fortuna avaliada em US$ 91,7 bilhões – já descontada a queda colossal de US$ 7 bi em um único dia – uma vez que a gigante de beleza francesa reportou uma desaceleração das vendas na Ásia no 4º trimestre, o que fez as ações terem o pior desempenho diário desde a Grande Recessão, na sexta (9).
Tímida, avessa ao glamour e vaidade, Françoise viveu afastada de Liliane por anos, já que recorreu à Justiça para impedir a mãe de tomar qualquer decisão na empresa por ser vítima de manipulação. No caso, o amigo fotógrafo – entre outros, já que altas quantias circulavam pela mansão como o ar.
A questão é que segundo consta, a mãe não caía de amores pela filha.
No fim das contas, Liliane recebeu o diagnóstico de Alzheimer e passou seus últimos anos reclusa. Não há depoimento em vídeo da personagem principal da trama, mas há a constatação de sua incapacidade de discernir o que estava de fato acontecendo. Ela faleceu em setembro de 2017.
Quanto ao desfecho do caso, é preciso ver os três episódios da série, sucintos e sem “encheção de linguiça”. Mesmo que não haja grandes revelações, o drama familiar e o fato de a verdadeira elite (não a classe média que se auto declara erroneamente) não conhecer os limites para os gastos com o luxo, ressalta a diferença entre os ricos e os super-ricos.
O resumo da ópera é que nenhuma quantia é capaz de preencher qualquer vazio existencial ou trazer a real felicidade. O que parece, é que a maioria dos bilionários sofre de solidão. A história de mãe e filha retrata isso.
Sobre o título traduzido de forma equivocada: o “namorado” de Liliane era, na verdade, um homossexual declarado, logo, se havia amor, era platônico – e por parte da madame. Ironia do destino ou do passado, o falecido marido da bilionária, André Bettencourt, também parecia não curtir a heterossexualidade, como indicado na série.
Já um efeito colateral não esperado das escutas que chegaram aos tribunais foi o desdobramento de doações não oficiais – interpretadas como suborno – para o ex-presidente francês, Nicolas Sarkosy. Também conhecido por ser marido de Carla Bruni, outrora primeira-dama, que regravou lindamente Moon River.
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